A concessão de créditos para a compra de ações, com garantia dada pelas mesmas ações, por parte da Caixa Geral de Depósitos  foi alvo de uma inspeção por parte do Banco de Portugal. Mas esta inspeção só foi para o terreno dois anos depois de ter sido sinalizada como necessária pelos serviços do supervisor bancário.

O antigo diretor do departamento de supervisão bancária confirmou esta terça-feira que dentro do Banco de Portugal e devido a vários indícios, começou a sentir-se que era necessário ter uma ideia da situação das imparidades nos créditos garantidos por ações que envolvia “credores importantes”. A maioria destes créditos foi decidida na gestão liderada por Santos Ferreira, mas os problemas ganharam visibilidade com a crise financeira de 2008 que tirou valor aos títulos dados como colateral desses financiamentos.

José Cunha Pereira revelou na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, em resposta ao deputado comunista Duarte Alves, que essa necessidade começou por ser sentida em 2010, mas que foi adiada algum tempo devido a “dificuldades de recursos humanos”. Acabou por avançar no final de 2010 e foi concluída em 2011 quando Cunha Pereira já tinha deixado a liderança do departamento de supervisão, mas pelo conhecimento que veio a ter, o antigo diretor admite que identificava muitas das situações expostas na auditoria da EY sobre créditos de má qualidade que veio a ser conhecida este ano.

Segundo o antigo diretor da supervisão, nessa inspeção “verificou-se que havia imparidades que não estavam a ser reconhecidas” e “provisões que não estavam a ser feitas.” Cunha Pereira sinalizou que terá havido uma interação com a administração da Caixa para “algumas das deficiências graves” serem resolvidas e está convicto de que daí tenha resultado um aumento do reconhecimento de imparidades.

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O deputado socialista João Paulo Correia sintetizou algumas das conclusões dessa inspeção feita a crédito garantido por ações.

A 31 de dezembro de 2010, esse crédito totalizava 3.000 milhões de euros e as provisões na mesma data eram de 198 milhões de euros. O serviço da dívida destes mutuários estava a ser assegurado com produto de dividendos pagos pelas ações que tinham sido recebidas como garantia. Mas alguns desses recebimentos estavam comprometidos pela insuficiência de dividendos (nesta altura, já a crise estava em marcha e os bancos — incluindo o BCP — deixaram de remunerar os acionistas). A inspeção aponta também para critérios pouco prudentes usados na valorização das garantias prestada com títulos (ações). E apesar de existirem vários contratos com rácios de incumprimento por algum tempo, as atas do conselho de administração não indicavam medidas para resolver o problema e havia registo de processos de renegociação de crédito, que raramente tiveram parecer favorável da direção de risco da CGD.

Serviços do Banco de Portugal defenderam inspeção após analisarem relatório da Caixa de 2008

A inspeção aos créditos concedidos para compra de ações só avançou dois anos a três anos depois de os serviços do departamento de supervisão bancária terem defendido que se justificava investigar estes empréstimos, de acordo com um documento citado pela deputada do Bloco de Esquerda. Segundo Mariana Mortágua, o Banco de Portugal já tinha identificado falhas apontadas nos relatórios dos órgãos de fiscalização da Caixa que denunciavam problemas nos créditos garantidos por ações.

“Os serviços do Banco de Portugal defenderam que é necessária uma inspeção” na sequência da análise ao relatório de controlo interno de 2008″, o que terá acontecido em 2009 (a data do documento não foi referida).

“Mas que tenhamos conhecimento essa inspeção só avançou em 2011. O próprio BdP reconhece em 2011 que os problemas estavam identificados há três anos”. No entanto, conclui a deputada do Bloco, “houve uma atitude permissiva do Banco de Portugal” que, no seu entender, poderia ter tido um atitude mais intrusiva que poderia ter evitado problemas mais tarde. E considera que a auditoria da EY que aponta para a falha em concessões de créditos, em particular pelo uso de ações como garantia, “não diz nada de novo face ao que foi sinalizado pelo BdP em 2008″.

O antigo diretor do departamento de supervisão, que só assumiu essa função em outubro de 2009 — até dezembro de 2010 —, admite que se poderia ter atuado um pouco mais cedo reafirma que quando a auditoria foi determinada em 2010 havia “dificuldades de recursos humanos”. Cunha Pereira defendeu contido que a inspeção de 2011 veio a dar resposta às indicações que o BdP tinha, considerando ainda que ação foi eficaz porque houve um aumento do reconhecimento de imparidades. 

Por outro lado, sublinha, que também existem responsabilidades efetivas por parte do órgão de fiscalização que tem poderes e obrigação para resolver alguns destes problemas, bem como do acionista. Não foram referidos nomes dos mutuários, mas serão os mesmos que surgem sinalizados na auditoria da EY divulgada oito anos depois e que incluem os casos de Joe Berardo, Manuel Fino e também alguns financiamentos no quadro do projeto La Seda.

Os alertas que suscitaram a inspeção do Banco de Portugal foram feitos em relatórios do ROC e do conselho fiscal, presidido à por Eduardo Paz Ferreira, que vinham em anexo ao relatório de controlo interno produzido pela administração da Caixa para o Banco de Portugal relativo ao ano de 2008. Esse relatório terá chegado ao Banco de Portugal em 2009.

Carlos Eduardo Santos que foi diretor do departamento de supervisão até 2008 afirmou não ter memória de qualquer falha grave relacionada com a Caixa Geral de Depósitos nesta área. Nenhum dos dois antigos responsáveis pela supervisão bancária tem conhecimento de ter havido sanções do Banco de Portugal a membros da administração a Caixa enquanto estiveram em funções.

“Não digo que não possa haver falhas, mas não estamos a falar de grandes falhas. Falhas que tenham posto em risco a Caixa e o sistema financeiro, não existiram.”

Ao longo da audição foi sobretudo Cunha Pereira a dar respostas aos deputados, porque o seu antecessor respondeu sempre em termos genéricos e sempre “sem memória ou recordação” das situações específicas relacionadas com a supervisão da Caixa Geral de Depósitos.

Cunha Pereira enfatizou por várias vezes a importância do estilo de supervisão, afirmando que ela se tornou mais intrusiva ao longo dos anos em relação aos  bancos. As falhas devem ser avaliadas à luz do ambiente que se está a julga e da postura da supervisão, a nível nacional e europeu.

“Não me recordo, não tenho presente, não tenho memória”

A primeira parte da audição foi marcada pela ausência de respostas concretas a perguntas sobre a atuação do departamento de supervisão do Banco de Portugal em relação à Caixa Geral de Depósitos. Sobretudo no que diz respeito às questões dirigidas a Carlos Eduardo Santos que chefiou o departamento entre 2000 e 2008.

Não tem memória? A deputada do CDS Cecília Meireles insistiu nas perguntas lembrando que foi neste período que foram decididas as operações que mais perdas geraram à Caixa. Confrontou o antigo diretor com a carta enviada por Almerindo Marques, ex-administrador da Caixa ao Banco de Portugal a reportar irregularidades na concessão de créditos e com uma inspeção de 2004 à Caixa BI, banco de investimento que apontou para deficiências no sistema de controlo e a atribuição de créditos a empresas em dificuldades.

A deputada recordou que Vítor Constâncio, o governador do Banco de Portugal até 2009, remeteu para os serviços de supervisão do banco as questões concretas relacionadas com a Caixa. Carlos Eduardo Santos respondeu sempre em termos genéricos sobre a atuação do departamento que chefiou, referindo desconhecer ou não ter memória de situações concretas. Afirmou ainda que eventuais situações de incumprimento, e propostas de atuação, teriam sido reportadas ao vice-governador com o pelouro da supervisão que decidia. Pedro Duarte Neves, que ocupou o cargo neste período será ouvido na comissão parlamentar de inquérito na quarta-feira da próxima semana.