O Liverpool tem um dos tridentes ofensivos mais poderosos, frutíferos e temidos do futebol europeu. Roberto Firmino, Sadio Mané e Mohamed Salah, brasileiro, senegalês e egípcio, formam um trio que se entende às mil maravilhas, que tanto marca como assiste e que é, aliado à defesa, o setor com maior responsabilidade na temporada ambiciosa que o Liverpool está a realizar (e no projeto que começou com a chegada de Jürgen Klopp). Esta terça-feira, em Anfield e contra o Barcelona, os reds não tinham Firmino nem Salah: sobrava Mané, que jogava apoiado por Origi e Shaqiri. Mas o brasileiro e o egípcio estavam lá para apoiar — e este último, que na passada temporada saiu lesionado ainda no início da final da Liga dos Campeões, mostrava que era importante até fora de campo.

Suárez fez as malas para ter oportunidades destas (e agora pode ter acabado com a do Liverpool)

Se Roberto Firmino se apresentava com um casaco e um colete do Liverpool, Mo Salah assistiu ao jogo “à civil” mas com uma camisola que transmitia a única mensagem que esta terça-feira podia estar na cabeça dos jogadores do Liverpool: “Never give up”, nunca desistir, em português. Afinal, os reds precisavam de dar à volta à meia-final, anular o 3-0 sofrido em Camp Nou na semana passada e eliminar o Barcelona. A tarefa não se apresentava nada fácil, até porque só três equipas conseguiram apurar-se para a fase seguinte depois de terem perdido por três ou mais golos na primeira mão na história da Champions — a última a sofrer essa improvável remontada, porém, foi mesmo o Barcelona, que nos quartos de final da época passada perdeu 0-3 em casa com a Roma depois de ganhar 4-1 em Itália.

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O Liverpool, que na semana passada em Camp Nou jogou mais do que o Barcelona mas viu a eficácia catalã tornar a final do Wanda Metropolitano uma miragem distante, voltou a entrar melhor em Anfield e provocou muitas dificuldades à defesa espanhola, que se via algo perdida entre a enorme mobilidade de Origi, Mané e Shaqiri. O arranque dos reds, por incrível que pareça, foi melhor do que aquele que Klopp terá sonhado durante toda a semana: logo aos sete minutos, face à excessiva passividade dos homens mais recuados do Barcelona, o Liverpool entrou pelo último terço do terreno adversário (muito graças a um erro de Jordi Alba) e Origi inaugurou o marcador na recarga a uma defesa de Ter Stegen a remate de Henderson. Sem estarem cumpridos dez minutos, os ingleses já tinham marcado um dos três golos necessários para empatar a eliminatória e o impossível parecia tornar-se algo mais tangível.

O golo sofrido, contudo, levou o Barcelona a olhar para um golo marcado em Anfield como a solução para tornar a segunda mão menos complicada do que teria de ser. Os catalães aceleraram a partir do primeiro quarto de hora, sempre assentes na posse de bola de Rakitic e de Busquets e nos passes verticais de Arturo Vidal, e estiveram perto de empatar o jogo e praticamente decidir a eliminatória em três ocasiões: primeiro por Messi, que atirou por defesa de Alisson depois de uma assistência de Alba (14′), depois pelo próprio Alba, que tentou assistir o argentino e foi intercetado por Matip mas poderia ter rematado (16′), e também por Philippe Coutinho, que viu Alisson roubar-lhe o golo contra a antiga equipa (18′). O Liverpool reagiu com um bom remate de Robertson para uma defesa igualmente impressionante de Ter Stegen (23′) mas a verdade é que os ingleses não mais voltariam a aplicar o fluxo ofensivo asfixiante que mostraram durante os primeiros 15 minutos.

Na ida para o intervalo, o Liverpool ainda precisava de marcar dois golos para empatar, de forma prioritária, e era necessário voltar a pressionar alto e a recuperar a bola numa fase embrionária da construção do Barcelona, que nos últimos instantes do primeiro tempo conseguiu mesmo impor a característica posse de bola que cansa os adversários, reduz o ritmo de jogo e coloca os acontecimentos a seu favor. Já os espanhóis, que estavam a conseguir parar os passes verticais pouco pensados do Liverpool, precisavam de voltar para a segunda parte da mesma forma que foram para o descanso e não permitir um novo arranque perigoso por parte dos reds. Até porque a última vez que tinham estado em desvantagem num jogo da Liga dos Campeões foi precisamente no ano passado, contra a Roma, quando os italianos deram a volta à eliminatória.

No regresso para a segunda parte, ficava ainda mais perceptível que o Liverpool estava a viver uma das eliminatórias mais duras das últimas temporadas: não só por ser contra o Barcelona, não só por ter perdido por 3-0 na primeira mão mas também devido às lesões graves que foram afetando jogadores chave ao longo dos dias. Roberto Firmino foi o primeiro a ficar de fora e na primeira mão já só entrou na segunda parte, Naby Keita magoou-se em Camp Nou e deve falhar o resto da temporada, Salah sofreu uma concussão contra o Newcastle no sábado e Robertson ficou tocado depois de um lance com Suárez durante o primeiro tempo (para além de Henderson, que ainda motivou preocupações mas acabou por conseguir continuar). O lateral esquerdo dos reds aguentou até ao intervalo mas acabou por ser substituído no começo da segunda parte por Wijnaldum, motivando o recuo de James Milner no relvado.

Os primeiros minutos da segunda parte confirmaram uma ideia que já tinha ficado patente na primeira: os dois guarda-redes, Ter Stegen e Alisson, estavam a ser os melhores jogadores em campo. Se o primeiro evitou o que seria um golo fenomenal de Van Dijk, que rematou de calcanhar (52′), o segundo parou uma tentativa de Suárez (53′). O Liverpool não tinha entrado demolidor mas o Barcelona também não tinha voltado controlador e a diferença, provavelmente, foi feita por quem tinha acabado de entrar ainda com a mensagem inicial — a de não desistir. Wijnaldum, o jovem médio holandês que entrou para substituir o lesionado Robertson, marcou dois golos em 122 segundos, empatou praticamente sozinho a eliminatória, destruiu a defesa catalã e fez Anfield explodir duas vezes em menos de dois minutos. Primeiro, respondeu com um remate forte a um cruzamento tenso de Alexander-Arnold na direita (54′); depois, cabeceou sem hipótese para Ter Stegen após assistência de Shaqiri na esquerda (56′), tornando-se o primeiro jogador da história a bisar nas meias-finais da Liga dos Campeões enquanto suplente utilizado.

Ernesto Valverde reagiu com a entrada de Nélson Semedo para o lugar de Philippe Coutinho e o Barcelona iniciou um período de maior ascendente em que Alisson voltou a ser decisivo. Messi, ainda assim, estava longe das decisões e ia realizando uma exibição algo abaixo do normal, fruto da pressão aplicada de forma quase perfeita pelo brasileiro Fabinho. A fase de menor discernimento do Barça e de maior motivação do Liverpool deu lugar a minutos mais calmos, principalmente após o minuto 65 — afinal, a eliminatória estava empatada e um golo permitido por um lado ou por outro poderia ser a eliminação anunciada de forma precoce.

Numa altura em que o Barcelona parecia querer levar todas as decisões para o prolongamento, principalmente face à maior frescura física (os onze que estavam em campo não jogaram para a Liga espanhola no fim de semana), o Liverpool alcançou aquilo que parecia praticamente impossível da forma mais improvável. Na conversão de um pontapé de canto na direita, Alexander-Arnold até se estava a afastar da bandeirola mas foi inteligente o suficiente para perceber que a defesa catalã estava totalmente distraída: Arnold bateu rasteiro e Origi, o avançado que começou o sonho, surgiu sozinho a rematar para o quarto golo que colocou o Liverpool a ganhar por quatro no jogo, em vantagem na eliminatória e com um pé e meio na final da Liga dos Campeões.

Valverde já só tinha uma substituição e lançou Malcom para o lugar de Rakitic. O Barcelona terminou a partida em cima da baliza de Alisson, à procura do golo que o colocaria de novo em vantagem na eliminatória e que garantiria o passaporte para a final do Wanda Metropolitano, mas a boa exibição que Matip e Van Dijk estavam a realizar não foi afetada pelo entusiasmo dos quatro golos marcados em menos de 80 minutos. O Liverpool aguentou a vantagem e garantiu a passagem à segunda final consecutiva da Liga dos Campeões, numa segunda mão histórica em que o Barcelona voltou a ser alvo de um autêntico golpe de teatro. Jürgen Klopp sempre quis, Salah sonhou com a escolha da camisola e o praticamente impossível nasceu graças a Origi e Wijnaldum mas principalmente devido a uma equipa que é muito mais do que as individualidades.