No último fim-de-semana, num artigo de opinião no jornal A Bola que rapidamente se tornou viral (para o bem ou para o mal), Manuel Alegre, político, escritor e sócio do Benfica, destacava o papel de Luís Filipe Vieira caso os encarnados conseguissem ser de novo campeões. “Ainda nada está ganho. Há, no entanto, um campeonato que já tem um vencedor: o campeonato da resistência contra as múltiplas tentativas de desgastar a imagem do clube. E esse vencedor é o presidente Luís Filipe Vieira. Pela coragem e determinação com que, muitas vezes sozinho, saiu a terreiro para defender o Benfica”, destacou a certa altura.

No ano a seguir à possibilidade desperdiçada de igualar o inédito “penta” do FC Porto entre 1995 e 1999, o número 1 das águias, que cumpriu no final de outubro 15 anos na liderança do clube, jogava muito do futuro preconizado para o Benfica (e até o seu futuro na posição) na presente temporada. Se a isso juntarmos o facto de haver eleições em 2020, era quase uma cartada decisiva. Vieira ganhou e curiosamente por um caminho alternativo que em pouco tempo se tornou principal. Da troca de treinador a meio da época (à segunda grande onda de descontentamento) à aposta nos jogadores formados no Seixal, do reforço da marca à mais do que provável possibilidade de chegar a valores recordes de receita entre o atual e o próximo exercício da SAD encarnadas, o presidente dos lisboetas teve também na conquista do Campeonato um novo “tetra” de vitórias para o futuro.

Um mercado falhado compensado pelo sucesso que estava em casa

Ao contrário do que chegou a ser levantado por Vieira numa Assembleia Geral do clube em junho, o Benfica acabou por não fazer nenhuma loucura com jogadores que tinham rescindido contrato com o Sporting – apesar de ter tentado, desistindo a certa altura com a destituição de Bruno de Carvalho da presidência dos leões e a entrada de Sousa Cintra para a liderança da SAD que, por paradoxal que possa parecer, “normalizou” relações que continuam cortadas. E, ao contrário do que se possa pensar (pelo menos olhando agora para o rendimento médio dos reforços), o mercado de verão não foi bom para os encarnados: à exceção do guarda-redes Vlachodimos, titular indiscutível desde a chegada, Gabriel foi o único a fugir às experiências falhadas por inadaptação ou lesão que levaram mesmo à saída das caras novas a meio da época (Ferreyra, Castillo, Lema e Alfa Semedo). Em contrapartida, e indo ao encontro do que Vieira tinha antecipado, Rui Vitória e sobretudo Bruno Lage encontraram respostas às perguntas que ficaram em aberto com esses falhanços no Seixal: entre Ferro, Gedson Fernandes, Florentino Luís, João Félix e Jota, o Benfica tinha em casa a “custo zero” as soluções para colmatar as lacunas de um mercado de sem sucesso.

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Com a inadaptação de Ferreyra e Castillo, Félix ganhou espaço e tornou-se imprescindível na equipa (CARLOS COSTA/AFP/Getty Images)

A luz de Vitória que se tornou um eclipse antes da lua cheia de Lage

Depois da desilusão do “penta” com a vitória do FC Porto de Sérgio Conceição no último Campeonato, a posição de Rui Vitória chegou a ser equacionada mas Luís Filipe Vieira não teve dúvidas em manter o treinador que antes tinha ganho dois títulos. Em novembro, apesar de alguns jogos aquém das expetativas, o presidente do Benfica foi perentório: “Não há resultado que retire o Rui Vitória deste projeto”. No final do mesmo mês, no seguimento da goleada sofrida em Munique, o técnico esteve com os dois pés fora do clube mas o número 1 dos encarnados, que nessa noite ficou a dormir no Seixal, voltou atrás. “Sei como decido as coisas para o Benfica, às vezes até me dizem que vejo mais à frente. Não sei se foi uma luz que me deu mas decidi que é por ali que vamos”, explicou no dia seguinte. No início do ano, após a derrota em Portimão, a luz apagou-se de vez com uma contestação em crescendo e Bruno Lage subiu da equipa B para a  principal, numa primeira fase de forma transitória (chegou a falar-se de vários treinadores, incluindo José Mourinho) e depois a título definitivo. Vieira, que se assume mais como líder estratégico e não “resultadista”, assumiu riscos quando manteve Rui Vitória e chegou a ser criticado na altura da saída catalogada de “tardia” mas saiu reforçado com uma aposta que dificilmente poderia ser melhor: em 19 jogos da Liga, ganhou 18 e empatou um.

As explicações de Vieira, da reunião que colocou Vitória de saída à reflexão de madrugada que alterou decisão

A melhor rampa de lançamento possível, um ano antes das eleições

Numa entrevista na altura em que celebrava o 15.º ano na presidência do Benfica, e ao contrário do que acontecera noutras ocasiões em que manteve o “tabu” quase até ao fim, Luís Filipe Vieira assumiu que, qualquer que fosse o cenário encontrado em 2020, iria recandidatar-se à liderança do clube. E com uma justificação muito direta – ainda havia trabalho para fazer até colocar os encarnados onde desejava. No entanto, e como é normal, o desporto tem memória curta, vive muito na base dos resultados que, no caso dos grandes, são para ontem, e 2017/18 não tinha sido uma boa época a nível transversal, do futebol às próprias modalidades onde os encarnados não conseguiram ser campeões em nenhuma de pavilhão. Também a nível de títulos, este era um ano de grande importância na era Vieira no Benfica, até para sustentar em termos práticos o desenvolvimento que o clube tem conseguido noutras áreas. Nas modalidades, nem tudo foi perfeito mas houve melhoria (sobretudo no voleibol, com basquetebol e futsal ainda a disputarem o título); no futebol, os encarnados voltaram a ser campeões. E bastou isso para que, no próximo ano, o atual líder volte a concorrer sozinho no próximo sufrágio eleitoral.

Com a melhoria nos resultados desportivos no futebol e nas modalidades, Vieira chega às eleições de 2020 com poder “reforçado”

A saída de Paulo Gonçalves e as duas vitórias fora de campo

A divulgação de inúmeros emails, as investigações com buscas à Luz que foram feitas e os constantes ataques do FC Porto foram deixando mossa no Benfica, em termos internos e externos. Ao longo da presente temporada, com casos ainda em aberto como o dos emails, os encarnados, que investiram e muito no reforço da sua estrutura jurídica, conseguiram duas “vitórias”, uma direta e outra indireta: conseguiu evitar na instrução que a SAD encarnada fosse a julgamento no caso e-toupeira e, em paralelo, viu Rui Pinto, suspeito de ter acedido de forma ilegal à correspondência eletrónica do clube, detido na Hungria e extraditado para o país. Em setembro, no início da temporada, Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD e peça importante no futebol das águias, saiu da Luz (embora, de acordo com os jornais desportivos, continue a trabalhar com o Benfica em alguns processos, como a contratação do avançado sadino Cadiz) mas esta acabou por ser uma temporada em que o clube deixou de estar tanto no olho do furacão em casos extra futebol em comparação com a época 2017/18.

e-Toupeira. Benfica ilibado e assessor jurídico segue para julgamento