Diego Armando Maradona. Os grandes adeptos de futebol podem não ser religiosos mas seguramente adoram este “D10s”, o infame e genial argentino que ainda hoje é tido por muitos como o melhor jogador de todos os tempos. As suas aventuras dentro de campo são impressionantes mas as que protagonizou fora dele conseguem ser tão ou mais mirabolantes. É precisamente entre estes dois universos que caminha “Diego Maradona”, o novo documentário que Asif Kapadia (autor de “Senna” e “Amy”) acaba de estrear em Cannes. Explorando uma linha narrativa que divide o argentino em dois — “Diego”, o simples rapaz de Villa Fioriti que lutou para sair da pobreza extrema e “Maradona”, a rock star que se perdeu na droga, nas mulheres e na fama — este projeto retrata o período de tempo entre a saída do Barcelona e a acusação formal de posse de droga, já em Nápoles, que levou à sua queda.

Esta nova obra só chegará aos cinemas a 14 de junho mas já é possível perceber alguns pormenores que a narrativa visual de Kapadiairá revelar.

Ninguém queria Maradona

Foram duas épocas atormentadas por lesões mas tudo chegaria o fim depois do dia 5 de maio de 1984. Em plena final da Copa del Rey, perante o olhar atento de Juan Carlos, Barcelona e Athletic Bilbao disputavam o tão desejado troféu. Maradona, que já tinha fama de arranjar constantes conflitos com os executivos do Barça e já começava a ter fama de playboy dado a excessos, perde a cabeça e, depois de constantes provocações por parte dos adeptos e jogadores do clube basco, explode numa sucessão de agressões que acabaram por envolver jogadores, jornalistas e adeptos. No total, 60 pessoas ficaram feridas e o destino do argentino ficou traçado — ia ter de sair.

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O jornal El Español afirma que foi a partir deste momento que começou “a sua descida aos infernos”, percurso que tinha começado com “as festas e as drogas” ainda em Barcelona e que iria de mal a pior. A sua fama já se tinha tornado maldição, “ninguém o queria” e “o seu estado físico já não era o desejado”, diz o jornal espanhol. Mesmo assim Diego seria transferido para Nápoles — que, na altura, nunca tinha ganho um título italiano — por um valor recorde na altura: quase sete milhões de euros.

“Pedi uma casa e deram-me um apartamento, pedi um Ferrari e eles deram-me um Fiat”, ouve-se o próprio Maradona a dizer no filme, ao discutir a sua transferência. Mesmo assim, apesar do desalento prometeu que iria fazer o clube ganhar um campeonato (e cumpriu…duas vezes) .

A Camorra e as “pistolas em cima da mesa”

A apresentação oficial de Maradona no San Paolo deu-se a 5 de julho de 1984 e, como seria de esperar, o mundo do futebol estava louco para ver o que o enfant terrible iria fazer agora. Na conferência de imprensa, a dado momento, há um jornalista que que decide quebrar o gelo e fazer a pergunta que todos tinham na cabeça: a Camorra financiou esta transferência? Até hoje, a resposta a esta grande dúvida continua no segredo dos Deuses, apesar de Corrado Ferlaino, o polémico presidente do clube napolitano na altura, negar a associação.

Por muito que esta associação mafiosa não tenha tido influência direta na compra do argentino, a verdade é que ela foi crescendo à volta do astro futebolista da mesma forma que fazia em todos os estratos sociais de Nápoles. Em pouco tempo, Maradona ficou amigo de Carmine Giuliano, como conta o El País, do clã Giuliano. O seu futebol tinha-o tornado uma estrela na cidade e a Camorra não demorou muito tempo a aproveitar-se disso.

Asif Kapadia é o realizador de “Diego Maradona”, mais um documentário que se junta aos outros dois que já dirigiu – “Senna” e “Amy”

O amigo Carmine foi-se tornando dealer de cocaína, vício que Maradona já trazia de Barcelona e seria o isco tantas vezes utilizado para o pôr a “trabalhar” para a mafia. O El Español conta como Diego era aliciado com doses de cocaína e relógios Rolex em ouro como contrapartida por inaugurar lojas ligadas à mafia. O argentino chega a contar que deu por si a jantar numa “mesa cheia de pistolas” que “parecia uma cena dos Intocáveis”.

Os penáltis que o tornaram vilão e a justiça

Maradona já estava em Nápoles quando aconteceu o famoso mundial da “Mão de Deus”, em 1986, onde a Argentina acabou por triunfar. Esta vitória trouxe ainda mais prestigio ao jogador, quando este voltou à sua casa italiana, mas seria quatro anos depois, no Mundial de Itália 1990, que o seu destino como pária napolitano seria selado.

Quis a sorte que uma das semi-finais do torneio seria disputada do San Paolo, o estádio do clube de Maradona, com a seleção da Argentina e Itália a degladiarem-se por um lugar na final. Diego, incendiário já desde antes dos tempos da pancadaria no Barcelona, aproveitou a má imagem que a maior parte dos italianos já tinha dos napolitanos para pedir que apoiassem a alviceleste como alternativa — algo que o próprio revelou na sua auto-biografia.  Como se não bastasse, os dois golos que derrotaram a squadra azzurra saíram dos pés de “D10s”. Na final, que Argentina perdeu frente à Alemanha, os adeptos italianos assobiaram enquanto o hino alviceleste tocava e em troca Maradona gritava: “Filhos da puta! Filhos da puta!”

Nunca mais a relação entre Maradona e a Itália recuperou desse embate violento. Um ano mais tarde, em fevereiro de 1991, Diego Maradona é acusado de posse de droga e trinta dias depois acusa positivo num teste antidopping. É neste ponto que termina o documentário e, na opinião de muitos, a carreira do futebolista argentino.