As sondagens já o vinham dizendo e repetindo, mas a CDU manteve até ao último momento — até ao toque do sino da igreja que ditou o fim do período oficial de campanha — a confiança num “reforço” da coligação no Parlamento Europeu. O que pretendia dizer com “reforço” era claro e nunca foi escondido: ter mais votos e eleger mais deputados. Confrontados com os números das sondagens desfavoráveis, os líderes foram sempre desvalorizando. “Não somos meros espetadores desta campanha, somos construtores de um resultado que ainda não está fechado”, repetiu, vezes sem conta, o cabeça-de-lista, João Ferreira. “A nossa sondagem é no domingo“, insistia-se de todos os lados da caravana.

Mas a sondagem de domingo chegou e confirmou as anteriores. Cinco anos depois de a coligação ter elegido três eurodeputados, os resultados deste domingo mostram não só que não houve o esperado reforço como houve uma redução do número de eleitos. Desta vez, e de acordo com os resultados apurados ao final da noite, apenas João Ferreira e Sandra Pereira (e mesmo assim sem haver certezas até ao fim da noite) vão para o Parlamento Europeu e os líderes da CDU tiveram, finalmente, de enfrentar o inadiável e de reconhecer a derrota da noite.

[Difamações, frustrações e outras lamentações. A noite eleitoral num minuto]

No Centro de Trabalho Vitória, na Avenida da Liberdade em Lisboa, o ambiente era, primeiro, de expectativa; depois, de desânimo total. Quando, às 23h10, Jerónimo de Sousa subiu ao palanque para admitir o resultado “negativo”, os gritos de “CDU! CDU! CDU!” já não vinham do fundo do peito. Eram arrancados a ferros por alguns jovens da Juventude CDU, que ali acompanhavam os resultados pela televisão e que mesmo perante a evidente derrota assumiram a missão de dar a alegria possível ao momento, e esmoreciam rapidamente. Também as bandeiras, diligentemente distribuídas aos ocupantes da sala minutos antes da intervenção do secretário-geral, eram agitadas já sem vigor.

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Jerónimo foi direto ao assunto. O resultado, assumiu, “não só é particularmente negativo para a defesa dos trabalhadores e do país no Parlamento Europeu como não corresponde ao apoio expresso na campanha como ao trabalho feito no PE e ao contributo decisivo do PCP e do PEV” nos avanços alcançados em Portugal.

Mas os lamentos não vieram sozinhos. Houve explicações — e muitas — para os resultados. Jerónimo de Sousa já tinha começado a preparar terreno para justificar a derrota quando, na sexta-feira, numa arruada no Barreiro no último dia de campanha eleitoral, sublinhou que a conjuntura de 2019 é muito diferente da que havia em 2014. É certo que, minutos antes, tinha desvalorizado as sondagens. Mas logo deixou a explicação para um possível mau resultado. É que, recordou, nas eleições anteriores, o povo português estava “fustigado” pela “violência da troika” e pelo “pacto de agressão”, o que levou muitas pessoas a votar na CDU — e hoje há um “quadro diferente nessa conjuntura“.

Jerónimo brindou à campanha “20 valores” da CDU, mas reconhece “conjuntura diferente” face a 2014

Este domingo, a justificação da CDU foi precisamente aquela. Logo a primeira reação, feita por vários membros do Comité Central do PCP aos diferentes meios de comunicação presentes na sede eleitoral da coligação, foi nesse sentido.

“Efetivamente há cinco anos tivemos três deputados eleitos num contexto, numa conjuntura determinada, depois da aplicação de um pacto de agressão pela troika, que representou grande sofrimento, um ataque a direitos fundamentais dos trabalhadores e do povo português, e foi nesse contexto que tivemos uma expressão que efetivamente resultou estes três deputados“, afirmou Manuel Rodrigues, um dos dirigentes comunistas que reagiu aos números da abstenção, logo pelas 19h30 — numa altura em que já se perspetivava a eleição de apenas dois eurodeputados.

Depois, pelas 21h, quando já eram conhecidas as projeções dos canais de televisão, foi a vez de João Ferreira dar o corpo às balas e surgir perante os jornalistas, visivelmente abalado com a derrota, para reconhecer (embora sem o fazer diretamente) que o resultado era uma derrota. A palavra derrota não entrou no discurso do cabeça-de-lista, de facto. Mas João Ferreira admitiu que o objetivo da CDU era eleger mais deputados — “não parece confirmar-se um cenário de reforço da CDU no Parlamento Europeu”. Ou seja, a eleição não tinha corrido bem à CDU.

As campanhas difamatórias e a conjuntura diferente

Por esta altura, já o ambiente no Centro de Trabalho Vitória era pesado. Não havia sinais de festa, apenas os jornalistas ocupavam algumas cadeiras da sala onde se esperava a intervenção final de Jerónimo de Sousa. No bar, alguns apoiantes da CDU, incluindo vários elementos da Juventude CDU, olhavam expectantes para os televisores, enquanto outros se encostavam ao balcão, já resignados, de cerveja na mão ou a jantar uma sopa e uma sandes de presunto.

No breve discurso, João Ferreira insistiu também nas “campanhas difamatórias que alimentaram preconceitos a partir de aspetos da situação internacional e que colocaram acrescidas dificuldades à intervenção da CDU“. Quando foi questionado sobre o que queria dizer com aquilo, recusou explicar mais, dizendo aos jornalistas que as tais campanhas eram “públicas”.

Quando Jerónimo de Sousa fechou a noite, voltou ao mesmo tema, com as mesmas palavras, criticando as “campanhas difamatórias”, a “mentira, a difamação, a desvalorização e o apoucamento da CDU e da sua campanha” — e concluiu com a explicação que já se antecipava, afirmando que o resultado de 2014 tinha “de ser observado num quadro da conjuntura do pacto de agressão”, numa altura em que as “consequências do pacto de agressão se faziam sentir de forma mais nítida”.

Às questões sobre o impacto da “geringonça” no resultado da CDU, João Ferreira e Jerónimo de Sousa seguiram exatamente a mesma linha. Lembraram os “contributos decisivos” do PCP e dos Verdes nos avanços conseguidos em Portugal pelo “Governo minoritário do PS, e não Governo das esquerdas” (Jerónimo insistiu mesmo que se o PS “tivesse as mãos livres para sozinho decidir” as consequências “seriam negativas” para o país); e recusaram fazer “futurologia” sobre uma futura geringonça. O secretário-geral do PCP resumiu a questão indo à doutrina do partido, para assegurar que será feito “o que for bom para os trabalhadores e o povo”. Os “ses” aqui implicados serão para pensar no futuro — e para avaliar em reunião de direção do partido.

Quando Jerónimo saiu de cena, a sala esvaziou-se rapidamente. As bandeiras foram de novo enroladas e recolhidas, os jovens militantes saíram e a sala ficou novamente entregue aos jornalistas e a alguns funcionários do partido. A “Carvalhesa” ainda tocou, baixinho, no sistema de som, mas nem foi até ao fim. Quando o Centro de Trabalho Vitória ficou vazio, os resultados oficiais divulgados pelo Ministério da Administração Interna ainda só tinham atribuído um deputado à CDU.