Porto Santo é uma pequena ilha como muitas outras. Com apenas cerca de 5.500 habitantes, está integrada no arquipélago da Madeira e os 43 km de Atlântico que a separam da ilha principal conferem-lhe uma mão cheia de vantagens, mas igualmente alguns inconvenientes. A começar pela energia de que os seus habitantes necessitam, especialmente no Verão, quando a ilha a nordeste da Madeira é invadida por turistas em busca da única praia de areia branca e fina do arquipélago.

O Governo regional tinha um problema para resolver em Porto Santo e estava apostado em transformá-lo numa vantagem. Sem água e sem qualquer fonte de energia própria, a ilha necessita de importar regularmente da Madeira gasolina e gasóleo para os cerca de 1.000 veículos que ali circulam (número que também aumenta durante o Verão, ao mesmo ritmo dos turistas). Mas, sobretudo, precisa que ali sejam descarregadas 7,2 toneladas de fuel por ano, mais 660,000 litros de gasóleo, exclusivamente para fazer funcionar a central termoeléctrica. Esta consiste em quatro enormes motores que, todos juntos, podem fornecer até 16 megawatts de potência, isto para uma necessidade máxima de 8 MW durante o Verão.

É esta energia eléctrica, fruto da combustão sobretudo do muito poluente fuel, que faz acender as lâmpadas em todas as casas e ruas da região – hotéis incluídos –, garantindo ainda o funcionamento dos frigoríficos, ares condicionados e aquecedores. Mas, acima de tudo, é com a electricidade produzida pelos motores de combustão que se alimenta o dessalinizador, que transforma a água do mar na potável que se consome na zona.

Resolver um problema e proteger o ambiente

O projecto de transformar Porto Santo na Smart Fossil Free Island surgiu em 2015, com o objectivo de a valorizar como destino turístico, aliando o politicamente correcto à necessidade de proteger o ambiente, visando atrair um público cada vez mais ávido por tudo o que é verde e sustentável, tanto mais que há fundos europeus para tornar todas estas melhorias possíveis. E o objectivo não era propriamente melhorar a qualidade do ar na ilha, pois com o vento constante que ali sopra, não há um grama da poluição gerada na ilha que ali permaneça. Já o mesmo não se pode dizer do contributo de Porto Santo para o bem comum.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

10 fotos

A Empresa de Electricidade da Madeira (EEM), que produz, distribui e comercializa localmente energia eléctrica, rapidamente tratou de se juntar a especialistas no sector. A começar pela Renault, que possui veículos eléctricos como o Zoe, com os franceses a estarem igualmente disponíveis para fornecer unidades do Zoe com sistemas de carga bidireccional, que permitam recarregar para circular, para depois venderem energia à rede nas horas de pico e em caso de necessidade.

Além do construtor francês, a EEM recorreu a um outro parceiro de peso, a Mobility House, especializada na gestão de rede eléctricas e sistemas eléctricos integrados. Liderada por Thomas Raffeiner, um antigo quadro da Siemens, cabe à Mobility House pôr tudo a funcionar. Essencialmente diminuindo a percentagem de energia proveniente de combustíveis fósseis, incrementando a produção de electricidade de fontes renováveis e criando sistemas de armazenamento para absorver os picos de produção energética nas baterias estacionárias e nos próprios veículos eléctricos. Para que tudo funcione na perfeição, é fundamental o recurso a contadores inteligentes, que a EEM já instalou (4.300, o que perfaz cerca de 95% do total das necessidades) e que permitem tanto medir a energia que fornecem como a que recebem.

A Smart Island já é inteligente?

Inteligente já é, não consegue ainda é ser sustentável e, sobretudo, abrir mão dos combustíveis fósseis. Contadores de electricidade inteligentes nas casas e estabelecimentos comerciais já possui, bem como um sistema de iluminação inteligente na via pública. Mas, em matéria de energias renováveis, conta apenas com um único aerogerador, com uma potência de 660 kW (instalado em 2000) e um parque fotovoltaico de 2 MW. No limite, há somente 15% de electricidade produzida através de renováveis.

Para elevar esta fasquia, é necessário conseguir armazenar, o que é complicado sem os recursos normais para realizar esta manobra, por exemplo através do bombear de água de regresso às barragens, convertendo estes equipamentos em “baterias”, como se faz no continente, ou armazenando água em túneis, como acontece na Madeira, que acumula cerca de 1.500 MW com este sistema. A solução para Porto Santo é recorrer a baterias para armazenar a energia excedentária, daí que se pretenda construir um conjunto de baterias estacionárias com 3 MWh de capacidade e uma potência de 4 MW, o que permitirá explorar um pouco mais a capacidade instalada de geração eólica e fotovoltaica. Esta central de armazenamento permitirá desligar por completo a central térmica, pois estas baterias serão capazes de alimentar a ilha durante 15 minutos, sempre nas condições limite, o tempo necessário para pôr operacional um dos geradores a fuel de 4 MW.

Paralelamente, o futuro passa pela utilização de baterias Second Life, ou seja, as antigas baterias dos Zoe que assim passam a ser utilizadas em casa, como baterias estacionárias. Com esta solução, controladas manualmente ou não, estes acumuladores servirão igualmente para armazenar energia, podendo depois fornecê-la nas alturas de pico de consumo, ajudando a estabilizar a rede eléctrica (com o seu proprietário a facturar com isso, pois este fornecimento será pago pela EEM).

Onde é que entram os carros?

Os veículos eléctricos são uma peça fundamental na estratégia. Não só porque acabam com a necessidade de transportar para a pequena ilha combustível, como evitam a poluição quando o queimam. De caminho, assumem-se como acumuladores com rodas, incrementando a capacidade de armazenamento de Porto Santo e, simultaneamente, proporcionando aos seus condutores uma fonte adicional de rendimento.

Os Zoe foram a escolha ideal para esta ilha do arquipélago, pois não só a Renault já tinha desenvolvido o sistema bidireccional Vehicle to Grid (V2G) utilizando corrente alterna (AC), ao contrário da Nissan que recorre a corrente contínua (DC), como a marca francesa possui já um parque considerável de baterias em segunda mão, capaz de serem fornecidas para alimentar a Second Life, os acumuladores estacionários. Curiosamente, a Mobility House, que tem cerca de 40 MW de baterias a funcionar em Second Life, afirma que a vida das baterias de iões de lítio saídas dos Zoe (por terem perdido mais de 25% de capacidade de carga) acabam por ver a sua capacidade aumentar quando a trabalhar em regime estacionário, sem as cargas e descargas mais rápidas.

A Renault, que lidera as vendas europeias de veículos com o Zoe e o Kangoo ZE, espera atingir cerca de 10% das suas vendas com carros eléctricos em 2022, para o que vai introduzir oito novos modelos, a começar pelo K-ZE, um SUV mais pequeno e mais barato do que o Zoe, de momento apenas reservado para a China, mas que em breve vai chegar à Europa. Segundo Eric Feunteun, responsável pelo programa de eléctricos da marca, com a contínua evolução da tecnologia das baterias, até 2025 os veículos eléctricos serão mais baratos do que os seus “irmãos” a gasolina.

Renault lança eléctrico barato à chinesa

Os franceses já forneceram 20 veículos eléctricos a Porto Santo (14 Zoe e 6 Kangoo ZE), que por sua vez foram cedidos a particulares, empresas e à polícia local. Um dos Zoe está equipado com V2G, o que permitiu arrancar igualmente com os testes desta solução bidireccional. Para alimentar este parque, a ilha conta já com 40 carregadores Smart Charge, número que deverá ser ampliado quando surgirem mais veículos eléctricos na ilha, específicos para uma operação de car sharing, evitando-se assim não só o transporte de carros a combustão para Porto Santo, como também as baterias dessa frota de Zoe reforçaria a capacidade de armazenamento de energia na funcionar em V2G.

Entretanto, o CEO da EEM, Rui Rebelo, avançou que a eléctrica madeirense não pensa continuar eternamente limitada aos actuais 15% de energia renovável em Porto Santo. Segundo ele, “já em 2020 atingiremos 25%, para em 2025 evoluirmos até aos 60%”, assumindo-se assim e cada vez mais como uma Smart Fossil Free Island.