O ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio vai ter de voltar a sentar-se em frente aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Recapitalização e Gestão da Caixa Geral de Depósitos. Em causa está a informação divulgada esta sexta-feira de que o Banco de Portugal autorizou Joe Berardo a reforçar a sua participação no BCP, em 2007, usando para tal um empréstimo até 350 milhões de euros contraído junto da Caixa. Ou seja, em causa está a correspondência trocada entre o supervisor e a Fundação Berardo, que lhe mostramos na fotogaleria acima.

Segundo o jornal Público, que revelou esta história, a documentação relativa ao contrato de financiamento feito com a Caixa foi enviada ao Banco de Portugal em agosto de 2007 no quadro do pedido de reforço da participação do comendador no capital do BCP até 10%. Esse reforço foi autorizado em deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal quando Vítor Constâncio era o governador.

Quando foi ouvido pela primeira em vez em março, Constâncio foi questionado sobre o financiamento da Caixa a Berardo para compra de ações do BCP, mas na altura considerou que a operação estaria dentro do quadro legal. E à pergunta sobre se sabia que a Caixa tinha 8% do capital do banco privado em hipotecas de empréstimos a acionistas do BCP, respondeu que a informação não lhe tinha sido reportado dessa forma.

Banco de Portugal demorou duas semanas a dar luz verde após saber como seria financiado reforço no BCP

A troca de correspondência entre a Fundação Berardo e o Banco de Portugal a propósito do reforço de participação no BCP mostra que o supervisor demorou apenas duas semanas a dar o parecer de não oposição a esse investimento qualificado num banco. A deliberação do conselho de administração não é relativa à operação de financiamento da Caixa ao empresário madeirense, que não tinha que ser analisada neste quadro, mas sim à forma como o investidor ia financiar essa operação. No entanto, revela que o conselho de administração do BdP foi informado da existência da linha de crédito de até 350 milhões de euros, garantido apenas por ações do BCP, em agosto de 2007.

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A 19 de junho de 2007, em plena guerra de poder no BCP, a Fundação Berardo envia ao Banco de Portugal um pedido para aumentar a sua participação no banco privado para um patamar superior a 5% e até 10% do capital. Uma participação qualificada desta dimensão num banco exige autorização expressa por parte do supervisor bancário que tem de fazer a avaliação da idoneidade do investidor, dos recursos financeiros, a respetiva origem, para financiar a operação, e da capacidade financeira para poder vir a ser chamado no futuro a realizar aumentos de capital, em caso de necessidade.

Pela informação tornada pública, a resposta chega no dia 18 de julho em que o Banco de Portugal pede cópia das condições de linha de financiamento contratada com a Caixa Geral Geral de Depósitos (sabemos que este contrato no valor de 350 milhões de euros foi concedido em maio de 2007). Portanto, nesta altura e pela informação remetida logo em junho pela Fundação, o Banco de Portugal já sabia que Joe Berardo ia usar um financiamento do banco público para financiar o reforço no BCP.

A cópia do contrato foi remetida a 7 de agosto com a cópia do contrato para abertura de um crédito em conta corrente até 350 milhões de euros pelo prazo de cinco anos. Na documentação remetida estaria a indicação de que as garantias dadas nesta operação seriam as próprias ações do BCP que na altura ofereciam um grau de cobertura de 105% face ao valor emprestado. Aqui é preciso recordar que as cotações do banco privado estavam por esta altura inflacionados pela luta de poder acionista no banco. Novos investidores entraram, como a Sonangol, e outros reforçaram.

A declaração de não oposição ao reforço acionista de Berardo por parte conselho de administração é transmitida a 28 de agosto, mas segundo esta comunicação foi objeto de deliberação no dia 21 de agosto por parte do conselho de administração. Não há indicação de quem estaria presente nessa reunião — os partidos já pediram as atas — mas não é crível que uma decisão desta importância fosse tomada sem o conhecimento do governador que já altura estava a acompanhar muito de perto o que se passava no BCP. Aliás, sabia-se que o Banco de Portugal estava a pressionar o BCP para reduzir a exposição aos seus acionistas, como era o caso de Berardo.

Dos documentos a que o Observador teve acesso não constam outros pedidos de informação ou avaliações feitas pelo Banco de Portugal em relação a outras condições que o investidor qualificado de um banco deve ter, como a idoneidade e capacidade financeira. Sabe-se que por esta altura que também a petrolífera angolana Sonangol foi autorizada a investir no capital do BCP até 10% pelo Banco de Portugal. Joe Berardo chegou aos 7%. Mas o financiamento feito pela Caixa não parece ter preocupado o conselho do Banco de Portugal que poderia ter alertado o departamento de supervisão para o risco se considerasse que ele existia. Por esta altura, a bolsa e as ações do BCP ainda estavam a valorizar, mas isso não ia durar muito tempo.

Banco de Portugal só agiu sobre os créditos da Caixa para ações em 2011

Pela informação disponível e testemunhos ouvidos na comissão de inquérito, a concessão de créditos para compra de ações e/ou garantidos por ações por parte da Caixa só fez soar campainhas na supervisão do Banco de Portugal em 2009, e na sequência de alertas feitos pelo conselho fiscal da Caixa. Em 2010, é decidido avançar-se com uma inspeção a essas operações, incluindo a de Berardo, que só vai para o terreno em 2011. Isto apesar da queda contínua das ações desde 2008.

Essa inspeção aponta para falhas e insuficiências no cálculo de imparidades e na constituição de provisões dessas operações. Por exemplo, um dos créditos a Berardo — os 50 milhões de euros concedidos à holding Metalgeste para ações do BCP — a imparidade constituída era inferior a 500 mil euros. Na sequência dessa inspeção a Caixa teve de reforçar as imparidades.

Para além de Constâncio, os socialistas pedem também uma segunda audição ao vice-governador do Banco de Portugal à data. Pedro Duarte Neves terá participado nessa reunião em agosto de 2007 em que o Banco de Portugal deu luz verde ao aumento da participação acionista de Berardo no BCP, tendo na sua posse documentos que demonstravam que essa operação seria financiada pela Caixa que, nesse quadro, teria como garantia as ações do banco privado.

Segundo o deputado João Paulo Correia, o antigo vice-governador do Banco de Portugal que tinha o pelouro da supervisão também terá omitido conhecimento da situação de financiamento da Caixa a Joe Berardo para compra de ações do BCP.

Os deputados aprovaram também os requerimentos em que são pedidos novos documentos ao supervisor bancário, entre os quais atas do conselho de administração do Banco de Portugal e documentação de suporte a operações que envolvam a Caixa Geral de Depósitos e a concessão de financiamento a ações e participações financeiras em outras instituições bancárias.

Os documentos citados pelo jornal Público não estão na posse da comissão de inquérito e dizem respeito a operações relacionadas com a estrutura acionista do BCP que passaram pelo supervisor bancário.

As novas audições ainda não têm data, mas esta quinta-feira os deputados aprovaram o prolongamento dos trabalhos da comissão de inquérito à gestão da Caixa por 40 dias, até meados de julho.