É um sinal claro para a direção do Bloco de Esquerda. A assembleia distrital de Santarém recusou os nomes propostos pela Comissão Política Nacional para os dois primeiros lugares da lista que o partido vai apresentar naquele círculo nas eleições de 6 de outubro e aprovou o nome de Carlos Matias, que integra a corrente interna Via Esquerda — que tem deixado criticas à direção –, para encabeçar a lista. Reunindo 68% dos votos, contra os 31% registados pela lista proposta pela direção, o deputado que foi eleito pelo círculo de Santarém em 2015 é o preferido da estrutura local para ir a votos. A decisão ainda não está fechada — compete à Mesa Nacional escolher os primeiros nomes da lista –, mas trata-se de uma derrota pesada para Catarina Martins e para a sua direção.

O plenário da assembleia distrital do Bloco de Esquerda em Santarém, que aconteceu este sábado para aprovar a proposta para a lista de deputados do partido naquele círculo, começou quente. O primeiro incómodo dos aderentes devia-se à presença de Pedro Filipe Soares na reunião. Grande parte dos aderentes escalabitanos preferiam que o plenário contasse apenas com dirigentes locais e não com membros da direção nacional do partido. Olhavam com desconfiança para esta opção, como se através do dirigente bloquista a Comissão Política Nacional estivesse a tentar condicionar a escolha da lista. O ambiente tinha todos os ingredientes para aquecer. E aqueceu.

Pedro Filipe Soares interveio logo no início para recordar que, segundo os estatutos do partido, o primeiro quinto da lista de Santarém é decidido pela Mesa Nacional, o órgão máximo do partido entre congressos. É certo que as assembleias distritais aprovam uma proposta de lista para o seu círculo, mas é à Mesa Nacional que compete a palavra final. No discurso, o deputado bloquista recordou esta distribuição de competências e a mensagem não caiu bem entre os aderentes. Era como se o dirigente bloquista estivesse presente apenas para recordar “que quem manda são os órgãos nacionais do partido”, comentou ao Observador um aderente presente na sala.

Esta mensagem foi mal recebida sobretudo porque a Comissão Política do BE já tinha comunicado previamente à assembleia distrital de Santarém que, independentemente da votação deste sábado, iria propor “à Mesa Nacional os nomes dos camaradas Fabíola Cardoso e Roberto Barata” para encabeçarem a lista do partido para o círculo de Santarém. Nomes que, justificava a Comissão Política numa nota a que o Observador teve acesso, “parecem corresponder às necessidades de renovação” do partido.

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Esta comunicação surgiu como resposta ao facto de a assembleia distrital de Santarém ter aprovado, em fevereiro deste ano, o nome de Carlos Matias, deputado do BE eleito pelo círculo de Santarém nas legislativas de 2015, como cabeça de lista para as eleições deste ano. Um nome que faz parte da Via Esquerda, uma corrente interna do partido crítica da atual direção.

Assim, a simples presença de Pedro Filipe Soares foi vista como a conclusão de um longo exercício de pressão da Comissão Política do BE para que os nomes que propõem vingassem, em detrimento da preferência da estrutura local. O clima era de tensão e mais ficou depois do discurso do dirigente bloquista. Por isso, minutos depois das intervenções iniciais, deu entrada uma resolução que condenava a ingerência dos órgãos nacionais em decisões locais. No texto, que o Observador consultou, escrevia-se que a assembleia distrital do Bloco de Esquerda de Santarém “repudia veementemente esta e qualquer outra tentativa de ingerência externa nas suas decisões em matérias que são da sua exclusiva competência”, que “não abdica do seu direito estatutário de propor os dois primeiros nomes na lista de candidatos da lista do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral de Santarém” e, ainda, “exige à Comissão Política Nacional a adoção de práticas democráticas”.

Esta resolução foi a votos antes ainda de serem votadas as propostas para as listas de deputados e foi aprovada com 56 votos a favor e 24 contra, segundo apurou o Observador. Estava dado o primeiro sinal de desconforto que seria depois confirmado pelos resultados finais: 68% dos aderentes votaram na lista encabeçada por Carlos Matias. Estes resultados carecem ainda de confirmação oficial mas foram confirmados ao Observador por aderentes presentes na sala.

Contactado pelo Observador, o Bloco de Esquerda reagiu reforçando a mensagem deixada por Pedro Filipe Soares. “A decisão sobre os primeiros candidatos, segundo o estatutos, cabe à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda”, disse fonte oficial do partido.

A Mesa Nacional reúne-se no próximo sábado, dia 6 de julho, para fechar as listas de deputados que o partido vai levar às eleições legislativas de outubro. Só aí se saberá quem vai a votos e quem fica pelo caminho. Para já, os críticos levam vantagem em Santarém.