O piloto que ia aos comandos da aeronave que fez uma aterragem de emergência no areal da praia de São João da Caparica, provocando a morte de duas pessoas, sofria de “perturbação de ansiedade generalizada”, escreve o Ministério Público (MP) na acusação a que o Observador teve acesso. Carlos Conde D’Almeida terá omitido esta “incapacidade” para poder renovar a sua licença de piloto de transporte aéreo. O MP entende que o piloto sabia que esta doença “podia prejudicar a sua capacidade de atuação e decisão”, numa situação de emergência como esta.

Sete pessoas, entre elas o presidente da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), foram acusadas este processo. O piloto da aeronave é um deles: foi acusado por dois crimes de homicídio por negligência e um crime de condução perigosa de meio de transporte por ar. Contactado pelo Observador, o piloto da avioneta disse que ainda não tinha conhecimento da acusação, não tendo ainda sido notificado. “Não tenho conhecimento. Não fui notificado”, disse apenas.

Em 1993, o piloto já se tinha reformado por invalidez da TAP, onde desempenhava funções de piloto de turbo-hélice. A invalidez foi justificada “por doença natural — síndrome depressivo”, escreve o MP. Na acusação, lê-se ainda que o piloto decidiu “entregar ao aluno”, que seguia a seu lado, “o voo de planeio e de forma permanente, quase até ao momento da aterragem forçada”.

Três elementos da ANAC e três da escola de aviação acusados

Além do piloto, três funcionários da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) foram também acusados. O presidente, Luís Silva Ribeiro, o diretor de Segurança Operacional, Vítor Rosa, o chefe do departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação, José Queiroz, respondem por um crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo facto de ter tido como resultado a morte de duas pessoas. Estes três arguidos estão acusados de terem aprovado e certificado a escola, sem se assegurar que a escola de aviação cumpria todos os requisitos e a política de segurança prevista.

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A ANAC já disse que está a analisar acusação judicial. “A ANAC informa que recebeu a notificação da acusação por parte do Ministério Público, sendo que, presentemente, se encontra a analisar a mesma”, disse, numa nota enviada à agência Lusa.

Pelo mesmo crime — atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado  morte — vão responder também três elementos da escola de aviação Aerocondor, a que pertencia a avioneta: Ana Vasques, administradora da escola, Ricardo Olim Freitas, diretor de Instrução, e José Coelho, diretor de Segurança.

O Ministério Público acusa Ana Vasques de ter contratado o piloto Carlos Conde D’Almeida “sem avaliar adequadamente as suas competências, limitando-se a confiar no conhecimento pessoal existente entre ambos desde há anos”. E, pela mesma razão, Ricardo Freitas que enquanto diretor de Instrução não avaliou o desempenho do piloto contratado. Já relativamente a José Coelho, o MP entende que o diretor de Segurança não avaliou os riscos deste voo e não “sugeriu, como lhe cabia, a implementação de qualquer medida de segurança para essa rota”.

Aterrar no mar ou num mar de gente? As opções do piloto da aeronave da Caparica

Na tarde de 2 de agosto de 2017, uma avioneta descontrolada aterrou no areal da praia de São João da Caparica, em Almada, atingindo mortalmente duas pessoas: uma menina de 8 anos e um homem de 56. A queda aconteceu depois de o piloto se ver obrigado a fazer uma aterragem de emergência, durante um voo de instrução. Os dois ocupantes da aeronave saíram ilesos. O caso provocou alguma polémica, com muitas pessoas a questionar por que razão o piloto optou por aterrar numa praia repleta de pessoas e não no mar.

Um mês após o acidente, o piloto da avioneta falou ao Observador e disse que não se arrependia da aterragem que fez aos comandos da avioneta, um Cessna 152 CS-AVA: “Sou piloto desde 1980 e sou instrutor há 30 anos. Aquilo que eu fiz, foi exatamente aquilo que me ensinaram quando eu andava a aprender”.

Caparica. Piloto não se arrepende da aterragem: “Fiz o que devia ser feito”