O ex-secretário de Estado norte-americano John Kerry criticou este domingo em Lisboa Donald Trump, afirmando que o primeiro passo na luta contra as alterações climáticas é “eleger um novo presidente dos EUA” e destacando que “é preciso ter líderes políticos que verdadeiramente acreditem na ciência”.

Na conferência de encerramento do encontro “O Futuro do Planeta”, que decorreu durante o fim de semana no Teatro Camões, em Lisboa, o diplomata norte-americano que foi secretário de Estado durante a presidência de Barack Obama entre 2013 e 2017 considerou que “resolver o problema das alterações climáticas é o desafio do nosso tempo” — desafio a que se junta a necessidade de preservar os oceanos, no qual Portugal pode ter um papel central.

“Não podemos imaginar o Portugal de Fernando Pessoa sem os Açores, sem o Algarve”, disse Kerry, sublinhando que o país “vê o seu reflexo histórico no mar”. “Para Portugal, a água faz parte da identidade nacional”, afirmou o diplomata norte-americano. “97% do território deste país é mar, só 3% é terra seca. Podem ter influência, podem ser críticos” para a proteção do oceano.

Para John Kerry, a luta contra as alterações climáticas e pela proteção dos oceanos “é literalmente a luta das nossas vidas”. Porém, “não estamos a ganhar”, considera o diplomata norte-americano. “É por isso que há uma série de miúdos a sair das escolas a abanar-nos. Eles não o podem fazer, mas nós podemos”, continuou Kerry, dizendo-se “farto” de iniciativas que apenas promovem “mais estudos”.

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Debruçando-se especificamente sobre a questão dos oceanos, John Kerry lembrou que existem hoje regiões do planeta onde se multiplica a pirataria, a pesca ilegal e o tráfico humano — além de tragédias ambientais, como a extinção de espécies ou a morte dos recifes de coral. “Não podemos resolver o problema das alterações climáticas sem resolver o problema dos oceanos e não podemos resolver o problema dos oceanos sem resolver o problema das alterações climáticas.”

“Para um país como Portugal, não há uma economia azul, não há uma indústria piscatória, se não protegermos os nossos oceanos”, afirmou Kerry. “Proteger os oceanos não mata empregos, dá empregos.”

John Kerry, que liderou as negociações para o acordo nuclear com o Irão e para o acordo de Paris sobre o clima, reconheceu que muitos países — incluindo os EUA — não estavam preparados para ratificar um acordo de carácter obrigatório. “Estávamos a dar um sinal ao mundo”, disse Kerry, lembrando que depois do acordo de Paris, “pela primeira vez, foi investido mais dinheiro em energias renováveis do que no petróleo”.

Porém, “agora estamos a ter a mudança”, com a chegada do presidente Donald Trump. “É preciso ter líderes que verdadeiramente acreditem na ciência”, destacou. “Há 30 anos tivemos a década mais quente da história da humanidade, até à seguinte. Este ano foi o mais quente de sempre, um dia de julho foi o dia mais quente de sempre. É por isto que os miúdos estão em greve.”

“A maioria dos problemas ambientais do mundo são criados pelos humanos. Esse é o lado negativo. E o lado positivo é que são criados pelos humanos. Isso quer dizer que podemos mudá-los”, assinalou ainda John Kerry, destacando que é fundamental assumir a verdade do tempo presente. “Como é que se gere uma democracia sem ter consensos sobre a base da verdade?”, questionou, antes de voltar a atacar o atual presidente norte-americano, Donald Trump: “Existem fake news. O problema é que elas vêm das pessoas que chamam fake news a tudo o resto”.

John Kerry falava no encerramento da conferência “O Futuro do Planeta”, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela Fundação Oceano Azul, durante o qual partilhou o palco com a oceanógrafa norte-americana Sylvia Earle, considerada a decana dos oceanos e a primeira mulher a assumir o cargo de cientista-chefe na Administração Oceânica e Atmosférica Nacional — que falou da importância da exploração marítima e dos Açores enquanto “ponto de esperança” do oceano global.