O Partido Conservador britânico está a colocar em marcha uma estratégia digital inovadora, com recurso a um equipa australiana e orientação do estratega Dominic Cummings, que pretende ajudar o partido a vencer as próximas eleições. O objetivo é construir uma “fábrica de memes a funcionar 24 horas”, conclui o jornal Daily Telegraph, que iniciou esta quarta-feira a publicação de uma série de trabalhos sobre “as táticas e as artes negras utilizadas pelos partidos” para tentar vencer uma eleição que todos pensam estar para breve.

A aposta no digital é clara: “Antes de 2010, o digital ainda não tinha amadurecido como algo que se pudesse usar de forma eficaz em campanhas políticas no Reino Unido”, declarou ao jornal uma fonte da campanha dos tories. “Mas todos olhámos para o outro lado do oceano para ver o que estava a acontecer com [Barack] Obama e dissemos ‘também quero aquilo'”.

Para colocar esse plano em marcha, o Partido Conservador, sob orientação do estratega Dominic Cummings, delineou uma nova tática. Cummings é o conhecido autor de grande parte das ideias bem sucedidas da campanha pela saída da União Europeia no referendo, como o slogan Take Back Control (qualquer coisa como “Assuma o controlo novamente”), e inspirou inclusivamente a personagem principal do telefime Brexit: The Uncivil War.

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Sob a batuta de Cummings, os tories contrataram dois estrategas políticos australianos, Sean Topham e Ben Guerin, para delinear uma nova estratégia online para o partido. Topham e Guerin estiveram por trás da estratégia do Partido Liberal australiano, que venceu as eleições legislativas em maio, com recurso a táticas nas redes sociais que faziam referências a elementos da cultura popular como o jogo Monopólio ou a série Guerra dos Tronos. 

Um dos instrumentos que a dupla australiana mais utilizou foram os chamados memes, imagens ou vídeos humorísticos partilhados na Internet — e é essa estratégia que os conservadores querem agora repetir no Reino Unido, de olhos postos numa eleição próxima. Para isso, têm apostado numa espécie de marketing de guerrilha contra os políticos da oposição, em particular contra o líder trabalhista Jeremy Corbyn.

Um dos memes mais virais que a equipa fez foi uma montagem com o rosto de Corbyn colado no corpo de uma mascote de galinha e uma legenda a fazer referência à marca de fast food KFC: “Encontrámos uma galinha ainda maior do que vocês”, dizia o Partido Conservador, recorrendo à expressão chicken, que no inglês é utilizada para se referir a alguém assustado. O meme foi partilhado depois de o primeiro-ministro Boris Johnson ter chamado chicken a Corbyn no Parlamento, dizendo que ele não queria ir a eleições por estar com medo de as perder.

“As características típicas de Dom Cummings estão a transparecer no digital”, analisou ao jornal o professor de Comunicação da London School of Economics Damian Tambini. “Gira tudo em torno da forma como as pessoas se relacionam com a mensagem, seja numa referência a filmes antigos, seja à KFC.”

O Facebook e o Instagram são as plataformas preferenciais — o primeiro porque é aquele que reúne mais utilizadores, o segundo porque é a plataforma que tem utilizadores mais jovens. Mas a campanha também se foca no Twitter, embora tenha muito menos utilizadores. O objetivo, diz uma fonte, é “criar a narrativa de Westminster” — ou seja, influenciar uma série de utilizadores intensivos do Twitter como jornalistas, analistas e académicos, na esperança de que assim a informação que eles produzem seja influenciada pela mensagem dos tories.

A investigação do Telegraph não é o primeiro sinal de que o Partido Conservador está a investir fortemente no digital. Desde que Boris Johnson se tornou líder do partido que os tories têm reforçado a mensagem online, como concluiu a Deutsche Welle: a 1 de agosto, por exemplo, o partido lançou 841 anúncios de Facebook. Ao carregar nesses anúncios, os utilizadores eram instados a fornecer o seu email e localização, naquilo que os especialistas interpretam como sendo uma tentativa de alargar a base de dados de eleitores do partido.

A recolha de dados de eleitores através das redes sociais foi uma das estratégias vencedoras de Cummings durante a campanha para o referendo à saída da UE. A VoteLeave gastou inclusivamente mais de três milhões de euros em anúncios no Facebook e a sua estratégia nas redes sociais levou à abertura de um inquérito por parte da comissão parlamentar do Digital. Esta comissão, como relembra a New Statesman, recomendou ao Governo que “procure formas de a lei definir as campanhas digitais, incluindo as definições sobre o que são anúncios políticos online e os tipos de palavras que surgem recorrentemente em anúncios que não estão ligados diretamente a partidos políticos específicos”.

Dominic Cummings foi, inclusivamente, chamado a responder a perguntas da comissão parlamentar, mas recusou comparecer. Por essa razão, o Parlamento considerou que o estratega político tinha desrespeitado o órgão de soberania nacional.