Entre 2002 e 2008, o Lyon foi campeão francês sete vezes. Ou seja, entre 2002 e 2008, França não conheceu outro campeão nacional que não o Lyon. Os anos passaram e desde 2008, desde a confirmação do heptacampeonato, que o Lyon não conquista a liga francesa: a hegemonia do PSG nos últimos anos ajuda a esconder ou mascarar os feitos desde Lyon da primeira década do novo milénio mas a verdade é que, feitas as contas, o antigo clube de Benzema, Malouda, Juninho e Abidal é mesmo o mais vitorioso do futebol francês no século XXI. E, muito provavelmente, é deste Lyon que a maioria dos adeptos que esta quarta-feira se deslocaram à Luz se recordam.

Ainda assim, já não é este Lyon que habita no Groupama Stadium. Depois de garantir um terceiro lugar na liga francesa que segurou a presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, Bruno Génésio deixou o clube que orientou durante três temporadas e meia e foi substituído pelo brasileiro Sylvinho, até aí adjunto de Tite na seleção brasileira. Depois de alcançar apenas uma vitória em nove jogos para todas as competições e o pior arranque do Lyon desde 2011, Sylvinho foi despedido há duas semanas e substituído pelo francês Rudi Garcia na semana passada (que ainda não conseguiu fazer melhor e empatou sem golos com o Dijon no fim de semana).

Ficha de jogo

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Benfica-Lyon, 2-1

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Ivan Kruzliak (Eslováquia)

Benfica: Vlachodimos, Tomás Tavares, Rúben Dias, Ferro, Grimaldo, Gedson, Florentino, Gabriel, Cervi (Raúl de Tomás, 78′), Seferovic (Carlos Vinícius, 59′), Rafa (Pizzi, 20′)

Suplentes não utilizados: Zlobin, Jardel, André Almeida, Taarabt

Treinador: Bruno Lage

Lyon: Anthony Lopes, Dubois, Denayer, Marcelo, Koné, Terrier (Thiago Mendes, 56′), Aouar (Reine-Adélaïde, 88′), Tousart, Cornet (Traoré, 66′), Dembélé, Depay

Suplentes não utilizados: Tatarusanu, Andersen, Rafael, Tete

Treinador: Rudi Garcia

Golos: Rafa (4′), Depay (70′), Pizzi (85′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Marcelo (10′), Dembélé (26′), Koné (38′), Pizzi (41′), Gedson (59′)

Era este Lyon, um Lyon ferido no orgulho e a atravessar uma fase de convulsão interna, que o Benfica encontrava esta quarta-feira na Luz. Praticamente obrigado a ganhar para manter aspirações europeias, o grupo de Bruno Lage recebia os franceses assente em duas derrotas, uma com o Leipzig e outra com o Zenit, mas com a motivação habitual de quem regressa às competições depois da pausa para as seleções e de um encontro pouco equilibrado para a Taça de Portugal. No momento em que entrou no relvado, o Benfica já sabia que o Leipzig tinha vencido o Zenit — o que significava, logo à partida, que uma vitória encarnada esta quarta-feira com o Lyon deixava a equipa portuguesa a um ponto dos russos, que ainda têm de vir jogar a Portugal. Resultados exteriores à parte, Lage deixava Pizzi no banco de suplentes e apostava num 4x3x3 com Cervi e Rafa no apoio a Seferovic na frente de ataque; no meio-campo, Gedson e Florentino eram titulares depois de terem sido suplentes utilizados contra o Cova da Piedade e formavam o trio intermédio com Gabriel; mais atrás, Tomás Tavares era o dono da direita da defesa.

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Depois de uns minutos iniciais em que o Lyon tentou surpreender a defesa encarnada com lances rápidos pela faixa central que acabaram por não ter concretização ou finalização, o Benfica chegou à vantagem ainda antes de estarem cumpridos cinco minutos. Num lance veloz de insistência, Rafa conduziu sobre a esquerda e acabou por movimentar-se sem bola para a direita, deixando em Cervi, que devolveu ao internacional português: com um remate forte, rasteiro e na diagonal, Rafa bateu Anthony Lopes, colocou o Benfica a ganhar e ainda se estreou a marcar nas competições europeias com a camisola encarnada (4′). Entrada de sonho para a equipa de Bruno Lage, que garantiu uma vantagem precoce e que ditava desde logo que iria realizar o resto da partida a tentar defender e aumentar um resultado importante. A estratégia que o treinador tinha delineado para esta receção aos franceses, porém, alterou-se logo aos 20 minutos — e novamente devido a Rafa.

O jogador português sentiu dificuldades musculares ao passar do minuto 20 e não conseguiu continuar em campo, sendo substituído por Pizzi. A saída de Rafa, que estava a ser o melhor do Benfica até àquele momento, não só retirou à equipa um necessário poder de explosão na saída para o ataque como obrigou Lage a reformular o 4x3x3 e passar para um 4x4x2 mais tradicional. Gedson subiu no terreno e passou a atuar ao lado de Seferovic, enquanto que Pizzi entrou para ocupar o lado do direito do meio-campo, com Cervi no corredor oposto e Florentino e Gabriel numa zona mais central. Quanto ao Lyon, se até à saída de Rafa e à alteração tática encarnada estava a procurar desequilibrar a partir da faixa interior, a verdade é que o encurtar do espaço entre Florentino e Gabriel retirou margem de manobra a Depay e levou os franceses a procurar a largura. A equipa de Rudi Garcia privilegiou o corredor esquerdo do ataque — não só porque Grimaldo estava imperial do outro lado mas também porque Tomás Tavares estava a cometer alguns erros no primeiro terço — e acabou por ficar perto de empatar com um remate de Cornet que o lateral espanhol desviou ao fechar no meio (30′).

Seferovic ainda ficou perto de aumentar a vantagem antes do final da primeira parte, ao rematar por cima depois de um cruzamento de Tomás Tavares (37′), mas o Benfica foi mesmo para o intervalo a ganhar pela margem mínima. As duas equipas terminavam o primeiro tempo com apenas um remate enquadrado entre as duas — o do golo — e a equipa de Bruno Lage parecia assumir desde logo a postura de quem precisa de defender o resultado, recuando as linhas e temporizando as ocorrências quando tinha posse de bola.

Na segunda parte, que começou sem alterações, Seferovic confirmou uma exibição pobre que já tinha ficado visível até ao intervalo: o avançado suíço, que além de falhar oportunidades de golo esteve pouco envolvido na construção da equipa e somou erros de definição e critério no último terço, tinha aos 55 minutos perdido oito das 20 posses de bola que tinha tido e ainda não tinha feito qualquer remate enquadrado. Face ao escasso fluxo ofensivo do Lyon, e numa substituição que teve como claro objetivo chegar ao segundo golo e descansar na partida, Bruno Lage trocou Seferovic por Carlos Vinícius e pediu ao avançado a tremenda eficácia que tem tido nas últimas intervenções.

Mesmo sem criar muitas ocasiões e com dificuldades em chegar com perigo junto da baliza de Vlachodimos, o Lyon estava a conseguir reter a posse de bola no corredor central e ia empurrando o Benfica para o próprio meio-campo: os encarnados estavam sem ideias e não eram capazes de avançar de forma controlada e ponderada, saltando o setor intermédio e lateralizando sempre a construção quando queriam chegar ao último terço. Prova disso era não só a ausência de passes efetuados na zona do meio-campo como também a baixa eficácia de passe de Gabriel, algo pouco habitual. O pior período da equipa de Lage no jogo coincidiu, de forma normal e compreensível, com o melhor momento do Lyon, que assentou a linha inicial no meio-campo e abriu um espaço de tempo em que asfixiou os encarnados com bola, acabando por levar um remate à trave (64′).

Adivinhava-se o empate na Luz e o golo acabou por aparecer por intermédio de Memphis Depay, que respondeu de primeira e ao segundo poste a um cruzamento de Dubois a partir da direita (70′). A ausência de marcação ao avançado holandês, que surgiu sozinho a rematar e sem nenhum defesa encarnado a incomodar, foi a personificação do nervosismo do Benfica, que não conseguia manter a tranquilidade e quase sofreu o segundo golo através do mesmo Depay, que obrigou Vlachodimos a uma grande defesa com um remate em jeito a partir da esquerda (79′). Nesta altura, a equipa de Bruno Lage ainda não tinha rematado na segunda parte, Pizzi ainda não tinha tido qualquer ação relevante e Carlos Vinícius e Raúl de Tomás, as soluções ofensivas lançadas pelo treinador para resolver o problema, estavam totalmente isolados na frente de ataque sem ligação aos setores anteriores.

Num lance isolado em toda a segunda parte, Pizzi atirou um remate forte de fora de área que esbarrou com estrondo no poste da baliza de Anthony Lopes e a Luz pensou que tinha acabado de assistir ao único fôlego encarnado rumo à vitória. Até que, a cinco minutos do apito final, o guarda-redes português tentou lançar a equipa de forma rápida e acabou por oferecer a bola a Pizzi, que rematou de primeira para uma baliza totalmente deserta (85′). Até ao final — e mesmo com direito a cinco minutos de tempo extra –, o Lyon pouco ou nada fez para chegar novamente ao empate e acabou por permitir que o coração e as emoções tivessem supremacia sobre a mente e o discernimento.

O Benfica ganhou pela primeira vez nesta edição da Liga dos Campeões, conquistou os primeiros pontos na Europa, permanece no último lugar do Grupo G mas está agora a um ponto do Zenit e do Lyon. Num jogo nem sempre bem jogado, em que nenhuma das equipas mostrou o que de melhor sabe fazer, os encarnados saíram pela porta grande de uma segunda parte muito apagada em que o primeiro remate apareceu a cinco minutos do final. Pizzi, muitas vezes criticado por desaparecer nos jogos de especial importância, foi fulcral depois de ter saído do onze inicial — o que não mascara o facto de ter estado escondido das ocorrências até ao minuto 85. Num rendimento que pode ter sido fruto de uma paragem competitiva de quase três semanas, se tivermos em conta o baixo nível de dificuldade com o Cova da Piedade, Bruno Lage — e Rafa, que apesar de ter saído aos 20 minutos foi o melhor da equipa — bem pode agradecer a Anthony Lopes a prenda de Natal antecipada.