A Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) defende em parecer enviado à Direção-Geral de Educação (DGE) que as mudanças propostas para o currículo da Matemática podem “colocar em causa o futuro do ensino” da disciplina, “alargando desigualdades sociais”.

Em parecer enviado à DGE, e esta quarta-feira divulgado pela SPM, a propósito das “Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática” propostas pelo grupo de trabalho criado para a disciplina, a sociedade científica classifica o estudo da equipa criada pelo Governo como “pouco rigoroso”, defendendo que encerra opiniões e conclusões “não fundamentadas” e que é “potencialmente gerador de instabilidade na comunidade educativa”.

“Este estudo pode colocar em causa o futuro do ensino da matemática em Portugal, alargando desigualdades sociais e empobrecendo o currículo, comprometendo assim os bons resultados que temos vindo a alcançar”, afirma a SPM.

O parecer é divulgado poucos dias depois de ser conhecido o programa do Governo e no dia em que este começou a ser discutido na Assembleia da República, sendo que a criação de uma estratégia integrada de ação sobre a aprendizagem da matemática está entre as prioridades na Educação, tendo esta quarta-feira o primeiro-ministro, António Costa, defendido que o insucesso a Matemática é uma das principais causas do abandono escolar.

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Um novo currículo de Matemática a pensar no sucesso académico dos alunos e com a possibilidade de se desenharem currículos locais adaptados aos estudantes são recomendações do relatório pedido pelo Ministério da Educação que apresentou 24 recomendações sobre o ensino, a aprendizagem e a avaliação da disciplina. Defende uma “elaboração urgente de um currículo de Matemática para todos os ciclos de escolaridade”, desde o 1.º ao 12.º ano de escolaridade, que substitua todos os programas e metas em vigor.

Na análise crítica que fazem do documento, os especialistas da SPM apontam como um dos maiores problemas a vontade de criar currículos locais. “A adotar-se esta recomendação, pela primeira vez na história do ensino no nosso país o currículo efetivamente lecionado aos alunos portugueses seria essencialmente desconhecido e não-escrutinado. Esta proposta, se fosse aplicada, seria geradora de profundas desigualdades nas matérias lecionadas, na aprendizagem dos alunos e consequentemente nas suas oportunidades futuras”, refere a direção da SPM no comunicado que acompanha o parecer.

Para a sociedade de Matemática, “em regiões mais deprimidas do ponto de vista socioeconómico os “currículos regionais” tenderão a ser menos exigentes e completos”, pelo que se cria “uma inaceitável situação de desigualdade das oportunidades de aprendizagem, que agravará e perpetuará a situação de desigualdade pré-existente”.

Este modelo criaria ainda dificuldades ao nível da avaliação das aprendizagens, “não permitindo sequer aplicar provas de avaliação externa com a equidade que se impõe”, pelo que a SPM pede “currículos inclusivos que ofereçam a todos os alunos as mesmas oportunidades”.

Sobre a proposta de criar todo um novo currículo para a disciplina de Matemática a partir do zero, a SPM diz que o grupo de trabalho recomenda “a obliteração quase caricata de todos os documentos curriculares em vigor, com a agravante de nem se propor nada de concreto em troca, apenas princípios muito gerais e em grande parte discutíveis”.

“Há uma lição que parece não ter sido aprendida: é por sucessivos melhoramentos que se conseguiu, entre os finais dos anos 90 e 2015, inverter dramaticamente um quadro nacional em tudo deplorável, transformando-o num sistema de ensino de sucesso e de referência a nível internacional”, acrescenta, acusando ainda o grupo de trabalho de ignorar as estatísticas que apontam as melhorias recentes dos alunos portugueses nos resultados dos testes internacionais como o PISA, da OCDE.

A SPM critica também que este grupo de trabalho seja dirigido pelo coordenador do Programa de Matemática A de 1997, alvo de uma reformulação em 2001 e revogado em 2015, tendo na altura da sua implementação recebido críticas da comunidade científica “por conter insuficiências científicas e pedagógicas amplamente reconhecidas como nefastas por um grande número de instituições idóneas”.

Dificilmente uma equipa com estas características conseguiria fazer um estudo técnico objetivo, o que se veio infelizmente a confirmar”, defende a direção da SPM no comunicado.

O parecer deixa ainda críticas à extensão de bibliografia ignorada, defendendo que aquela que é citada “é datada, encontra-se estagnada no tempo, e corresponde às opiniões de uma fação das ciências da educação que não é de todo representativa em Portugal e diverge dos grandes movimentos internacionais modernos”, acrescentando que “deixa de fora literatura oriunda da psicologia cognitiva e das neurociências, áreas fundamentais para uma abordagem científica e moderna do problema da aprendizagem”.