Cheira a Passos, cheira a Lisboa. No Hotel Fénix, junto à rotunda do Marquês, onde festejos costumam ser mau sinal para o clube de Luís Montenegro, várias figuras do passismo e os principais apoiantes lisboetas do antigo líder parlamentar disseram ‘presente’. O candidato à liderança do PSD quer ser primeiro-ministro como foi Passos Coelho, mas com uma diferença para o antigo líder: sem troika. E já só pensa em derrotar António Costa, mesmo que ainda tenha Rui Rio pela frente. E fisicamente perto, já que o atual líder do PSD estava apenas dois quilómetros, num hotel na zona do Saldanha. “Quero deixar muito claro: o meu adversário é António Costa“, disse Montenegro numa sala com mais de 200 apoiantes.

As diretas são, para Montenegro, apenas a primeira etapa. O que o candidato quer mesmo é ser primeiro-ministro e para isso conta com os dois outros candidatos às eleições diretas de dia 11 de janeiro. Já a pensar no day after,  Luís Montenegro insiste que não está focado em derrotar os adversários internos: “O dr.Rui Rio e o eng. Miguel Pinto Luz são meus parceiros, são meus companheiros, e os que os apoiam estarão ao meu lado para irmos à conquista do país”.

A confiança era generalizada entre os apoiantes, mas há até quem tenha ousado expo-la no palanque. O antigo vice-presidente da Assembleia da República, José Matos Correia, também deu a vitória no PSD como dado adquirido. Em tom de brincadeira, explicou que aceitou o convite de Montenegro porque achou que “não era boa ideia dizer que não ao futuro líder do PSD”. Depois, mais a sério, fez um repto para que tudo seja resolvido à primeira volta: “É importante que possamos resolver isto no próximo sábado, para que a partir da noite de dia 11, Luís Montenegro se possa concentrar no que é relevante. No dia 11 façam a escolha a pensar nisto. Cada dia que demorarmos é um trunfo acrescido ao dr. António Costa.”

Voltando ao discurso de Montenegro — que acabou de falar no hotel Fénix ainda David Justino falava no Hotel Vip Executive — tentou também bipolarizar a eleição entre a sua candidatura e a de Rui Rio. Para Montenegro há “dois caminhos alternativos para o futuro do PSD“. E acrescenta: “Olho para o PSD como olho para Portugal. Dentro do PSD há 2 caminhos e em Portugal também vai haver dois. Queremos fazer cá dentro o que as pessoas percebem que queremos fazer lá fora”.

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No dia em que Rui Rio anunciou que votará contra o Orçamento do Estado para 2020, Luís Montenegro — na mesma estratégia de afrontar mais Costa do que Rio — apontou baterias ao governo. Disse só que o voto do PSD “não foi surpreendente”, mas preocupou-se antes em não deixar “passar em claro” o primeiro-ministro ter dito que “apresentou ao país o seu melhor orçamento”. Ora, é no entender de Montenegro inaceitável dizê-lo, já que é “um orçamento que tem a maior carga fiscal de sempre” e “onde os serviços públicos vão continuar caóticos”. Por isso deixa um apelo: “Se é este o melhor que António Costa tem para apresentar a Portugal, então Portugal tem rapidamente de ter uma alternativa ao dr. António Costa.”

O discurso era mais apontado ao primeiro-ministro embora, de forma indireta, lá estivesse a farpa a Rio, de não ser uma verdadeira alternativa. Montenegro alertou ainda que “o PS e António Costa andam com tiques de se transformarem nos donos disto tudo”. E acrescenta: “Andam mesmo com tiques”. E aí ensaiou tiros a Centeno: “Quando o ministro das Finanças acha que não há conflito de interesses de sair do ministério das Finanças para governador do Banco de Portugal, então o conceito de conflito de interesses e de uso e de abuso de poder é diferente do que temos no PSD.” Até ao fim ainda haveria tempo de atacar a ministra da saúde, Marta Temido.

Como já seria de esperar, foram várias as caras do passismo na despedida de Luís Montenegro de Lisboa nesta campanha interna. Desde membros do gabinete de Passos no governo e no partido (casos de António Valle, que está a apoiar a campanha de Montenegro, e de Rudolfo Rebelo), até antigos ministros (como Paula Teixeira da Cruz), passando por vários deputados que liderou nesses tempos. Autarcas vieram de zonas diferentes do país (caso de Almeida Henriques, de Viseu, ou Vasco Estrela, de Mação). Rodrigo Gonçalves, considerado um dos maiores caciques de Lisboa e antigo apoiante de Rio, também marcou presença.

Luís Montenegro quer mesmo chegar a primeiro-ministro. E Matos Correia diz que não ficará atrás de Passos Coelho ou Durão Barroso: “Se um dia ele chegar ao governo, ficaremos tão bem servidos com Luís Montenegro como ficámos com os anteriores”. Mas o atual candidato não quer só ganhar a Rio e depois a António Costa, quer governar em tranquilidade. E por isso pede: “Não quero votos de ocasião, quero votos de convicção. Quero o PSD mobilizado, unido. Com capacidade de divergir para construir. Liderante para que, no futuro, nós não voltemos ao governo para resolver pântanos e bancarrotas. Não somos o partido da austeridade, não somos o partido da troika. Temos o direito de sonhar com isso em tempos de normalidade.”