Isabel e Laura, ambas de 17 anos, não pertencem a nenhum movimento anti-eutanásia ou pró-vida. São duas estudantes que aproveitaram a hora do almoço para participarem na concentração, agendada para as 12h30, em frente à Assembleia da República, em protesto contra as propostas de despenalização da morte assistida em discussão e votação do Parlamento.Vestem t-shirts alusivas ao tema, com a palavra Life & Love, porque não tiveram tempo para preparar cartazes.
O teste de matemática, para o qual tiveram de estudar na véspera, roubou-lhes tempo livre para o ativismo político. “Com ou sem cartazes, o mais importante é estarmos aqui e fazer com que as nossas vozes sejam ouvidas. Talvez mudem alguma coisa”, diz Isabel, que assume a liderança da conversa porque está mais habitada a “falar sobre os temas que interessam aos jovens”, como o clima, os direitos dos animais ou, agora, a eutanásia. E se é verdade que as duas amigas ainda não votam, quando o fizerem não vão optar pelos partidos que “escondem dos portugueses as suas verdadeiras intenções”, diz a estudante.
O que toca, assim, num dos pontos mais ouvidos durante os discursos: a legitimidade dos deputados de legislarem sobre esta matéria. Foi esse também um dos temas que foram animando a concentração até às 14h30, altura em que a maioria dos manifestantes que estavam na rua, muitos pertencentes a movimentos católicos, se dirigiram para as galerias da Assembleia da República, para acompanhar o debate.
Em menos de 20 minutos, a rua em frente ao Parlamento, retomou a normalidade. Desmontado o palanque, também os populares começaram a dispersar. Assim como muitos estudantes, que regressaram às aulas. Só a chegada do deputado André Ventura, do partido Chega, é que fez ficar para trás quem já se preparava para ir embora. Jovens, sobretudo.
Imediatamente gerou-se uma fila de pessoas a pedirem para tirar uma foto com o deputado. Muitos agradeceram-lhe estar “lá dentro” a defender a vida, numa “casa onde se quer legislar a morte”.
Por ali ficaram também alguns grupos de jovens a recolher assinaturas para que o tema da eutanásia seja referendado. “Concorda que matar uma pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”, é a pergunta que consta desta iniciativa popular. Mas ali, no meio da rua, quase nem havia tempo para ler o papel. Era assinar e pronto. “O objetivo final é que conta”, resume um dos jovens.
José Maria Seabra Duque, da direção da Federação Portuguesa pela Vida, seguiu na mesma lógica, quando disse que “hoje é o princípio deste processo legislativo. Ninguém nos vai travar. Vamos a todos os lados recolher assinaturas. E às igrejas também. Uma assinatura recolhida à porta de uma igreja não vale menos do que uma recolhida à porta do Bloco de Esquerda”.
“Os deputados que visitem uma unidade de cuidados paliativos”
Lurdes Oliveira arruma os cartazes – onde se lê “Stop Eutanásia” – na bagageira do carro e prepara-se para a viagem. Vem acompanhada por três amigas. Vai até ao Cartaxo e só para estar na manifestação tirou um dia de férias no escritório onde trabalha. Há dois anos, fez o mesmo porque acredita que vale sempre a pena “lutar pela vida e defender os cuidados paliativos”. “O PS e o Iniciativa Liberal não escreveram uma linha sobre a Eutanásia nos seus programas eleitorais. Mas apresentaram projetos de lei e estão lá dentro a debatê-los. Isso não é legítimo. Esta é uma matéria para referendo. E se não dão voz ao povo, vou voltar aqui até que a voz me doa”, garante.
No último cartaz que atira para a mala do carro lê-se: “E se ajudássemos os outros a VIVER?”. Voluntária num lar de terceira idade, conhece bem o rosto da dor e do sofrimento. “Vejo-o sempre que lá vou, dar carinho e apoio aos que mais precisam e que, às vezes, não têm ninguém. Isso é que está mal na sociedade. A solidão e a depressão andam de mãos dadas”, reconhece.
Antes de fechar a porta e arrancar, já desiludida por antecipação (mesmo nessa altura já tudo indicava que a votação, desta vez, ia mesmo permitir a despenalização da morte assistida), lança um repto aos deputados que compõem o hemiciclo: “Eles que visitem um lar ou uma unidade de cuidados paliativos e falem com quem lá está. Sem câmaras ou jornalistas. Perguntem-lhes se querem morrer. Ou se querem ser tratados com dignidade até ao último suspiro. Matar não é amar. Matar é egoísmo”. E arrancou.