A tarefa era difícil, mas não impossível. Quando o Benfica soube que o seu adversário nos dezasseis-avos-de-final da Liga Europa seria o Shakhtar Donetsk pairou uma sensação que nem era bem uma coisa nem outra: os ucranianos liderados por Luís Castro não eram um colosso, mas também não eram aparente presa fácil. Isso entusiasmou, até certo ponto, as hostes encarnadas, tanto que até mesmo depois da derrota na primeira-mão do encontro na Ucrânia, nada parecia perdido. “Com 2-1 basta meter uma lá dentro em Lisboa que a coisa fica resolvida“, pensaram, seguramente, muitos adeptos. A realidade, porém, seria muito menos positiva. Mas lá chegaremos.

Quando o onze de Bruno Lage entrou em campo — com Dyego Sousa como grande novidade — o futebol português já estava em maus lençóis. Minutos antes, FC Porto e Sporting tinham sido eliminados. Um dia antes tinha sido o Braga a cair. Mau presságio?  Talvez. Mesmo assim, quando a bola rolou pela primeira vez no Estádio da Luz, só se sentia determinação a emanar das camisolas encarnadas e isso via-se no futebol da equipa da casa. Pressão alta, boa circulação de bola e um funcionamento geral do coletivo que parecia já ter na mão a passagem na eliminatória.

Logo aos dois minutos o Benfica ganha o primeiro canto; aos sete Dyego Sousa remata de fora da grande área para Pyatov agarrar tranquilamente; um minuto depois Taarabt motiva o primeiro arrepio na espinha dos ucranianos, no seguimento de um canto batido na direita do ataque encarnado em que a bola sobra para o marroquino, junto ao segundo poste. O médio rematou forte para a intercetação de Ismaily (ex-Olhanense, Sp. Braga entre outros clubes portugueses) na hora H. Um minuto depois, novo momento de aflição, com Rúben Dias a falhar por milímetros um cruzamento venenoso de Pizzi. Já cheirava a golo no Estádio da Luz quando finalmente o mesmo “Luís Miguel”, um dos suspeitos do costume, fez gosto ao pé: numa jogada pela esquerda, o capitão encarnado cortou para a área na diagonal e do limite da mesma, rematou muito colocado. Pyatov esticou-se, mas em vão. Estava feito o 1-0 e o Benfica assumia a liderança da eliminatória graças ao golo marcado na Ucrânia.

Ficha de jogo

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Benfica-Shakhtar Donetsk 3-3 (5-4 no conjunto das duas mãos)

Segunda mão dos 16 avos de final da Liga Europa

Estádio da Luz, em Lisboa, Portugal

Árbitro: Björn Kuipers (Países Baixos)

Benfica: Vlachodimos, Francisco Ferro, Grimaldo, Tomás Tavares, Rúben Dias, Rafa Silva, Pizzi (Carlos Vinicius, 79′), J. Weigl, Chiquinho (Seferovic, 67′), A. Taarabt, Dyego Sousa (Jota, 79′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Nuno Tavares, Cervi e Florentino

Treinador: Bruno Lage

Shakhtar Donetsk: A. Pyatov, S. Krivtsov, Dodô, Ismaily, M. Matviyenko, T. Stepanenko, Alan Patrick (Khotcholava, 90+2), Marlos (Mateus Matrins, 62′), Marcos Antônio, Júnior Moraes, Taison (Konoplyanka, 86′)

Suplentes não utilizados: A. Shevchenko, S. Bolbat, Maycon e Fernando

Treinador: Luís Castro

Golos: Pizzi (9′), Rúben Dias (AG, 12′), Rúben Dias (36′), Rafa Silva (47′), Stepanenko (49′) e Alan Patrick (71′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Ismaily (43′), a Rafa Silva (50′), a Taison (83′) e a Konoplyanka (87′)

“Na primeira parte a nossa equipa foi horrível”, disse Luís Castro na conferência de imprensa após o apito final. Sem assumir as palavras do treinador português ipsis verbis, a verdade é que os ucranianos estavam sem norte, falhavam marcações como quem falha o prazo de validações no E-fatura e pareciam desorientados. Felizmente para eles, porém, a defesa benfiquista estava em igual ou pior estado. A prova disso demoraria pouco a aparecer, somente três minutos depois da inauguração do marcador. Um belíssimo passe em profundidade vindo de Marcos Antônio encontrou Dodô na direita do ataque do Shakhtar e este meteu a primeira, deixando Grimaldo pelo caminho e cruzando rasteiro na direção de uma molhada composta por Júnior Moraes, Ferro e Rúben Dias. Tal foi a confusão que Rúben Dias acabou por pôr a bola na própria baliza e as coisas começaram a mudar.

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O 1-1 já punha os ucranianos à frente na eliminatória, mas o Shakhtar não abrandou, mostrando sempre um pouco mais de serviço, principalmente pelas laterais, através das combinações de Taison (sempre muito ativo nas manobras ofensivas) e Ismaily, pela esquerda, e Dodô com Marlos (ainda que este último estivesse mais apagado, em comparação com o jogo da primeira-mão), pela direita. Foi precisamente Ismaily quem – pouco depois do golo – atirou ao poste de Vlachodimos, na sequência de uma desatenção de Grimaldo.

Aos poucos o Shakhtar ia crescendo, mas o Benfica ainda dominava, procurando sempre criar situações de desequilíbrio e tendo em Taarabt um dos principais motores criativos da ofensiva encarnada. Dyego Sousa ia dando uns ares de sua graça, mas nunca o suficiente para fazer esquecer a falta de minutos e, naturalmente, de entrosamento com os seus colegas. Ainda fez um cabeceamento perigoso, na sequência de um canto batido por Pizzi, por exemplo. Os ucranianos, à frente na eliminatória, criavam perigo através do contra-ataque.

O relógio batia nos 36 minutos quando Pizzi, de novo através de canto, colocou a bola, redonda, na cabeça de Rúben Dias, que sobiu ao segundo andar para se redimir do auto-golo ao obrigar Pyatov a ir buscar o esférico ao fundo da baliza. Com um cabeceamento cheio de classe o Benfica fixava o 2-1 e empatava a eliminatória. Daí ao intervalo pouco ou quase nada de importante aconteceu.

A segunda-parte começou com um estrondo: Com apenas uns dois minutos passados desde o apito de recomeço, a defesa ucraniana deu uma fífia, Dyego Sousa intercetou uma bola destinada a Pyatov, segurou-a com o corpo virado para o meio-campo, encontrou Rafa e o talentoso deu um golpe ultra colocado, enviando a bola num bonito arco rumo ao ângulo superior da baliza adversária. Que belo golo que foi e que bela parecia, mais uma vez, a eliminatória. O problema é que a história tem tendência a repetir-se e mais uma vez, em pouco mais de dois minutos, o Shakhtar marcou outra vez: um cruzamento perfeito de Taison encontrou Stepanenko e este fez o seu trabalho, chutando para golo. Balde de água fria em cima dos rapazes de vermelho.

Foi a partir deste momento que o jogo mudou radicalmente. O Benfica pareceu resentir-se bastante depois do 3-2 e tudo ficou diferente. Apesar de nenhum treinador ter decidido fazer alterações no onze, a verdade é que a turma de Luís Castro deve ter levado um bom puxão de orelhas no balneário porque assumiu uma atitude completamente diferente. Passou a conseguir pressionar mais em cima, acertar marcações e fazer a vida negra a Weigl (ainda muito tenrinho) e Taarabt, que passaram a ter mais dificuldade a criar e distribuir. Os mineiros não subjugaram a águia mas claramente limitaram-lhe a capacidade de voo.

O jogo ficou mais dividido e só por volta dos 66 minutos é que voltou a haver uma clara ocasião de golo, com Taison a atirar para defesa apertada de Vlachodimos, primeiro, e depois Ismaily a acerta na barra. O árbitro acabou por levantar a bandeirola mas, mesmo assim, o lance ficou na retina. Lage já começava a ver o cronómetro a andar e decide pôr Seferovic em campo, tirando Chiquinho (exibição apagada do médio) e apostando mais no ataque. bastou um minuto para o suíço criar uma situação de perigo, com um cabeceamento que ficou a meio metro das redes ucranianas. Porém, a estocada final surgiu em menos de nada. Aos 71 minutos, Ismaily aparece em velocidade no lado esquerdo da área e cruza atrasado. Grimaldo ainda lá foi cortar em esforço, mas isso não foi suficiente — a bola sobrou para Alan Patrick e o médio, em posição frontal, só teve de rematar para o fundo da baliza. A partir daqui o jogo começou a partir, começaram a escassear as situações de golo — o Shakhtar não precisava delas e o Benfica estava demasiado em baixo para as conseguir criar com facilidade –, apareceram as substituições em catadupa, acompanhadas de algumas faltas e bolas paradas inconsequentes, mas nada mais se alteraria e os rapazes de Lage, depois de já terem caído da Champions, deixavam a Liga Europa no retrovisor.

E agora, o que retirar de tudo isto? Bem, por um lado o Benfica viu novamente a Europa fugir-lhe pelos dedos e o “projeto europeu” de Vieira continua a parecer cada vez mais uma fábula em vez de realidade. Por outro, esta que foi a quarta eliminação de uma equipa portuguesa numa prova internacional num único dia (!!!) seguramente diz muito sobre o estado atual do futebol praticado em território nacional. O que causa isto? Isso é demasiado complexo para se dissecar por aqui. É mais fácil isolar o caso deste Benfica de Bruno Lage que parece ter tido uma quebra de qualidade defensiva grande, especialmente desde dezembro até agora, somando nesse período 22 golos sofridos, valor elevado para os padrões habituais de uma equipa como o SLB. A vantagem no primeiro lugar do campeonato reduziu a olhos vistos e já só sobra a Taça de Portugal e a Liga. Se pretendem garantir uma história feliz em ambas as frentes, é melhor começarem a tentar corrigir os erros que teimam em surgir.