Corria 1919 quando Sylvia Beach abriu a Shakespeare and Company na capital francesa, sendo então raro e dispendioso encontrar livros em língua inglesa, lacuna que a casa haveria de suprir quando a cidade-luz assistia ao modernismo e atraía os mais famosos literatos. Nomes como Hemingway, Gertrude Stein, Aimé Césaire, Simone de Beauvoir, Jacques Lacan, Walter Benjamin e James Joyce tornar-se-iam membros da livraria e assíduos frequentadores deste verdadeiro oásis parisiense para amantes dos livros.

Beach, que publicou o controverso “Ulisses”, de Joyce, em 1922, era uma anfitriã meticulosa e manteve as portas as portas abertas até 1941, quando a recusa em vender um volume de “Finnegans Wake” a um oficial nazi ditou o encerramento. Em 1951 a Shakespeare and Company conheceria uma nova etapa na sua vida, agora sob a liderança de George Whitman, e os cadernos e outros apontamentos da fundadora seriam comprados já em 1964 pela Universidade de Princeton, que em 2014 começou a digitalizar este vasto arquivo, descreve o The Guardian.

No total, o Shakespeare and Company Projet explora 180 caixas que assim deverão ficar disponíveis online pela primeira vez, que permitem perceber a relação de compras, empréstimos e outras afinidades mantidas por alguns dos nomes mais sonantes das letras do século XX. “Alguns dos registos contam histórias surpreendentes ou comoventes”, confirma Joshua Kotin, professor associado de Princeton, que recorda como pouco antes de morrer Walter Benjamim levou dois livros emprestados: um dicionário de alemão-inglês e os Trabalhos Físicos e Metafísicos de Lorde Bacon.

Uma das listas de compras de Hemingway © Shakespeare and Company

Mas há muito mais a descobrir nas pilhas e mais pilhas de papel. Os documentos mostram como Ernest Hemingway pediu emprestados mais de 90 títulos, da biografia de PT Barnum a “O Amante de Lady Chatterley”. Além disso, comprou nesta mesma loja um volume da sua autoria:  “Adeus às Armas”. São ainda identificadas curiosas ligações, adianta o professor, como Jacques Lacan e a sua inclinação por um obscuro livro de poesia irlandesa, à conta da leitura de Joyce; ou Claude Cahun a ler Henry James usando o pseudónimo de Lucie Schwob, e ainda Gertrude Stein adepta dos enredos de fantasia.

Informação deliciosa para os leitores de hoje e que apenas viu a luz do dia porque Sylvia Beach, e ao contrário do que seria suposto, não destruiu os seus ficheiros — procedimento exigido pela American Library Association a fim de proteger a privacidade dos clientes. “Ainda bem que não o fez”, agradece no entanto o investigador.

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