António Costa disse-o logo na intervenção inicial que fez esta noite perante a comissão política nacional do PS: quer o PS focado no “essencial” e com “a energia concentrada” na resposta à crise. Mas foi quando as portas se fecharam que esclareceu o que queria dizer: o tema das eleições presidenciais, que ele próprio lançou na célebre visita à Autoeuropa, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa, deve ficar em stand by pelo menos até ao fim do ano, altura em que o PS irá reunir a comissão nacional. O congresso, que seria em maio, afinal só será depois das presidenciais. Mas nem por isso o partido deixou de falar do assunto. Houve quem defendesse Ana Gomes, quem defendesse Marcelo e quem defendesse ‘alguém’ da área socialista. Quem? Ninguém sabe.

A direção alargada do PS reuniu esta noite, metade em versão presencial e metade em versão digital, numa altura em que, em plena pandemia, o governo acaba de sair de uma mini-crise com o ministro das Finanças e numa altura em que, para se desviar dessa crise, António Costa rebentou a bomba do possível apoio do PS à muito provável recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. Foi com este cenário como pano de fundo que a direção do PS se reuniu e questionou o secretário-geral (e primeiro-ministro). Só que, sobre Mário Centeno, nem uma palavra se ouviu. E sobre presidenciais, ouviram-se palavras para todos os gostos.

Ao que o Observador apurou junto de fontes presentes na reunião, o PS teve esta noite representantes de todas as alas a fazer-se ouvir, no que a presidenciais diz respeito. Primeiro, Daniel Adrião, o crítico de serviço de António Costa que, para gáudio de António Costa, esta noite “foi mais crítico de Marcelo Rebelo de Sousa” do que do próprio António Costa. Daniel Adrião, segundo relatou ao Observador, defendeu que o PS “não se pode demitir” de ter um candidato da área socialista nas presidenciais, sob pena de “haver mais abstenção” (entre os socialistas que não se reveem em Marcelo), e, consequentemente, “isso favorecer os extremos, por peso relativo”, favorecendo, neste caso André Ventura. Mas não só: defendeu mesmo que o PS deve apoiar a candidatura de Ana Gomes (formal ou informalmente), porque é “desempoeirada”, “transparente” e luta pela “transparência do sistema”.

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Foi também Daniel Adrião quem pediu explicações a António Costa sobre o suposto apoio que deu à candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, questionando-o sobre o “erro” que isso seria. Foi, contudo, Porfírio Silva quem saiu em meia-defesa de António Costa nesta matéria, dizendo que as declarações de Costa sobre a provável recandidatura (e reeleição) de Marcelo não “condicionam” o PS em termos de apoios presidenciais. Em todo o caso, o dirigente socialista, e vice-presidente da bancada parlamentar, é da opinião de que o PS tem de discutir o tema e tem de ter um candidato próprio, uma vez que se o PS e o PSD se unirem em torno do mesmo candidato, isso abre espaço aos extremos (leia-se, André Ventura).

Porfírio Silva, contudo, não acha que o candidato do PS deva ser Ana Gomes, porque “não se combate o populismo de direita com populismo de esquerda”. Quem devia ser, então? Não disse.

Para fazer o pleno do estado de espírito do PS quanto a apoios presidenciais, houve ainda quem tenha dado a entender que concordava com Costa quando disse que Marcelo Rebelo de Sousa estaria “cá” para o ano. Ao que o Observador apurou, o dirigente socialista José Abrão, da FESAP, sublinhou que era “desejável” que assim fosse, dando, portanto, a entender que apoiaria o candidato Marcelo. No final, contudo, Costa chutou para canto. Não só não respondeu ao pedido de explicações sobre as declarações de suposto apoio a Marcelo, na Autoeuropa, como não esclareceu sobre o que deve o PS fazer em matéria de apoios a candidaturas presidenciais. Levantou a lebre, e escondeu-se na toca.

O calendário agora é claro. Apesar de as presidenciais serem em janeiro, Costa quer o PS concentrado na resposta à crise económica. Pediu humildade e consenso político, e empurrou as presidenciais para o fim do ano. Foi Carlos César, presidente do partido, quem, falando à distância, nos Açores, ditou os timings: o congresso do partido, que estava marcado para o fim deste mês, será empurrado para o primeiro trimestre de 2021, ou seja, depois das presidenciais, e no final deste ano haverá uma reunião da comissão nacional (órgão máximo entre congressos) para debater o tema.

“Onde está o Mourinho?”

O desentendimento, ou descoordenação, entre António Costa e Mário Centeno, que fez correr tinta na última semana, foi o grande tema que passou ao lado da reunião da cúpula socialista. Nem uma palavra sobre o ministro das Finanças nem sobre a polémica em torno da injeção de capital no Novo Banco, que levou o ministro a altas horas a São Bento para esclarecer as coisas com o primeiro-ministro. Centeno ficou no governo, mas ao que tudo indica, ficou a prazo.

À falta de Centeno, que não tem sequer assento no órgão da direção socialista, quem não faltou à reunião foi Ricardo Mourinho Félix, o secretário de Estado das Finanças que faz as vezes de Centeno na representação de Portugal no Eurogrupo. Sempre entre a sala e a rua, para fumar um cigarro, foi Mourinho Félix quem António Costa procurou assim que saiu da reunião, já depois da 00h30. “Onde está o Mourinho?”, perguntou. Estava ali ao lado, à espera dele, e os dois entraram juntos no mesmo carro. Coincidência?