Com o título The Room Where It Happened: A White House Memoir (“A Sala onde Tudo Aconteceu – um Livro de memórias da Casa Branca”), há alguns meses que o livro do ex-conselheiro de segurança nacional, John Bolton, de 592 páginas, prometia revelar o “caos na Administração Trump”. O lançamento, que chegou a estar agendado para março, está previsto para a semana. No Departamento de Justiça norte-americano, começou uma corrida contra o tempo para travar a publicação que, segundo a Casa Branca, contém “informações secretas”.

Esta quarta-feira, segundo o Wall Street Journal, foi revelado que Donald Trump pediu ao presidente chinês, Xi Jinping, ajuda política para a sua reeleição nas presidenciais de novembro, durante a guerra comercial que os dois países travaram, no verão passado. A história está nas páginas do livro de John Bolton, que alega, ainda, que Trump apelou a Xi Jinping, à margem da cimeira do G-20 no Japão, para que a China comprasse produtos agrícolas aos produtores americanos, já depois das negociações para um novo acordo comercial entre os dois países terem estagnado.

Xi, escreve Bolton, chegou a comentar com Trump, durante a cimeira, o facto de alguns políticos norte-americanos estarem interessados numa nova Guerra Fria. Foi nessa altura, segundo o ex-conselheiro de segurança nacional, que Trump, “surpreendentemente, virou a conversa para as próximas eleições presidenciais dos EUA, aludindo à capacidade económica da China e implorando a Xi que o ajudasse a vencer”. O presidente, acrescenta Bolton, “enfatizou a importância dos agricultores americanos e do aumento de compras chinesas de soja e trigo no resultado eleitoral”. E deixou claro que “imprimia as palavras exatas de Trump, mas o processo de revisão de pré-publicação do governo decidiu o contrário”.

Já o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, presente na reunião, negou que o episódio tenha ocorrido quando questionado, várias vezes, sobre a acusação de Bolton durante uma audiência no Senado.

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Este não é o único episódio relatado por Bolton a inquietar a Casa Branca. De acordo com a editora, Simon & Schuster, a obra evoca “o processo de tomada de decisão incoerente e desarticulado do Presidente e o seu comportamento junto dos aliados, tratados como inimigos, da China à Rússia, passando pela Ucrânia, Coreia do Norte, Irão, Reino Unido, França e Alemanha”. Segundo a imprensa norte-americana, o ex-conselheiro de segurança nacional trata, com detalhe, do chamado caso ucraniano, em que Trump pediu ao Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, para investigar a família do rival e ex-vice-presidente, Joe Biden, o que levou a um processo de destituição no Congresso. Em fevereiro, a maioria republicana no Senado acabou por o absolver.

Para Bolton, Donald Trump estava, ainda, disposto a interromper investigações criminais para “fazer favores pessoais aos ditadores quem gostava”. Isto indica, como descreve o ex-conselheiro, “um padrão de corrupção no qual Trump, por norma, tenta usar o poder dos Estados Unidos, noutros países, em benefício próprio”. A obstrução da justiça como um “modo de vida”, algo que John Bolton não podia aceitar, levou-o a consultar o procurador-geral William Barr. Nas páginas do livro, Trump é retratado como sendo indiferente às violações graves dos direitos humanos na China, incluindo o encarceramento de mais de um milhão de uigures e outros muçulmanos na província de Xinjiang.

“No jantar de abertura da reunião do G20 de Osaka, em junho de 2019, com apenas os intérpretes presentes, Xi explicou a Trump o que o levava a construir campos de concentração em Xinjiang”, escreve Bolton, de acordo com o artigo publicado no Wall Street Journal . “Segundo nosso intérprete, Trump disse que Xi deveria continuar a construir os campos, porque essa era a decisão mais certa a tomar”.

Episódios como estes levaram o Departamento de Justiça norte-americano, na terça-feira, a processar John Bolton, pedindo o adiamento da publicação deste livro. A ação cível, que deu entrada no tribunal federal de Washington, segue-se a avisos do Presidente norte-americano, Donald Trump, de que John Bolton poderia enfrentar um “problema criminal” se não suspendesse os planos da publicação do livro.

A Simon & Schuster defendeu que o processo é “o último de uma longa série de esforços do Governo para anular a publicação de um livro que considera pouco lisonjeiro para o Presidente” – e garantiu que Bolton colaborou com funcionários da Casa Branca para responder às suas preocupações, afirmando que “apoiava plenamente o direito à Primeira Emenda”, que garante a liberdade de expressão.

O advogado do ex-conselheiro, Chuck Cooper, disse que Bolton trabalhou durante meses com especialistas para evitar a publicação de informações consideradas secretas, acusando a Casa Branca de utilizar a segurança nacional como pretexto para censurar o livro.

Na ação judicial, o Departamento de Justiça alegou que o ex-conselheiro não concluiu a revisão de pré-publicação para garantir que o manuscrito não contém segredos, e pediu ao tribunal federal que “incite ou solicite” o adiamento da publicação do livro, e que “recupere e elimine” os exemplares existentes.