Alerta, emergência, contingência ou calamidade. Ou, antes, um estado de grande confusão. Durante a pandemia, o país já passou e avançou no que diz respeito a estados de prontidão. E, atualmente, várias zonas do país estão em estados diferentes. Esta quinta-feira, o país passou de estado de calamidade para estado de alerta. Mas a Área Metropolitana de Lisboa apenas reduziu de calamidade para estado de contingência, que é um estado intermédio. E há um terceiro “mas”: 19 freguesias de Lisboa permanecem em estado de calamidade.

Mas, afinal, o que diferencia os estados uns dos outros? Qual o peso que as medidas têm nos portugueses? Quem decide essas restrições?

O estado de calamidade, contingência e alerta e o que os distingue

Primeiro, é preciso separar as águas: estado de sítio e de emergência para um lado; estado de calamidade, contingência e alerta para o outro. Desde logo, os dois primeiros têm de ser uma iniciativa do Presidente da República e precisam de ser aprovados pela Assembleia. Os outros três podem ser decretados pelo Governo.

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Calamidade, contingência e alerta são regulados pela lei de bases da Proteção Civil e são as forças de Proteção Civil que estão em prontidão e têm responsabilidade pelas operações — e não as Forças Armadas como acontece nos estados de sítio e emergência. Mais: estes três estados não têm “respaldo constitucional”, ou seja, “são subconstitucionais e por isso não permitem a restrição de direitos fundamentais”, diz ao Observador o constitucionalista José Moreira da Silva.

São estados menos graves, que não possibilitariam restrições de direitos fundamentais. Possibilitam, no entanto, alguma intervenção pública para salvaguardar as situações de calamidade ou de alerta ou contingência”, descreve.

Tudo isto é para o constitucionalista “um pouco teórico” porque, mesmo que a restrição de direitos fundamentais não esteja prevista nestes três estados, “as pessoas sentem-se um pouco restringidas”. Por outro lado, para José Moreira da Silva, a passagem para um estado menos gravoso também serve para “dar a ideia à população em geral que se baixou de nível”. 

Das três, a situação de alerta — a atual na maioria do país — é a menos gravosa das três previstas na lei de bases da Proteção Civil. As outras duas que se seguem são o estado de contingência e de calamidade. Vai subindo, por esta mesma ordem, o peso das medidas que a Proteção Civil pode tomar, mas também vai mudando quem toma essas medidas e como são punidos quem não as cumpre. O que os distingue?

As medidas. Não há nenhum tipo de medidas estipulado que se possa tomar em cada estado: o que há é uma diferença do seu peso à medida que o estado aumenta ou desce. Só a escala mais elevada, a calamidade, pode restringir alguns direitos dos cidadãos: pode exigir, por exemplo, o acesso a propriedade privada, a requisição de bens e serviços. Mas sempre sem tocar em direitos, liberdades e garantias que estão inscritos na Constituição. A atuação do Estado é mais limitada na imposição de restrições. Já o estado de alerta permite apenas “adotar medidas preventivas e ou medidas especiais de reação”. Mas é limitado nas restrições às liberdades dos cidadãos, por exemplo, à sua mobilidade.

Se, com o estado de sítio ou emergência, a Assembleia podia decidir que as pessoas não saem de casa, o mesmo não acontece com estes três estados, diz o constitucionalista José Moreira da Silva. É certo que se alguém sair de casa não apanha nenhuma multa, mas se contaminar alguém pode ser punido, já que o Código Penal prevê, no artigo 283.º, que quem propagar uma doença contagiosa e “criar deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem” pode ser punido com pena de prisão de um a oito anos.

Do crime de desobediência à propagação da doença. Se sair de casa, posso ir preso?

A competência. Segundo explica ao Observador o constitucionalista, “num estado mais básico, [a competência] é deixada muito às autarquias locais”. “É muito o presidente da Câmara que é no fundo o responsável máximo da Proteção Civil na sua área geográfica. É muito ele que tem as competências e que pode dizer o que se pode ou não fazer”, esclarece, adiantando: “Num estado superior já passa para o ministro da Administração Interna e depois para o Conselho de Ministros. A competência de quem pode ou não pode fazer alguma coisa também se vê aqui o aumentar de grau. Nos outros dois estados [sítio e emergência], passa para o Presidente da República e para a Assembleia da República”.

As consequências. Todos os estados permitem a aplicação de contraordenações, mas apenas o de sítio e de emergência preveem a prisão. “Se estiver no estado menos grave de todos, que é o de alerta, não posso ter as coimas com o mesmo valor que o estado mais grave que é o de calamidade. Tem de haver uma gradação relativamente à fixação se não estou a violar a lei geral que prevê a fixação das coimas, que exige que elas sejam fixadas de acordo com a gravidade, a proporcionalidade, etc.”, lembra o constitucionalista

O estado de sítio e de emergência ou quando os direitos podem ser restringidos

O estado de sítio — só foi declarado uma vez na região de Lisboa em 1975 — e o de emergência estão previstos na lei 44/86, na qual se lê que “só podem ser declarados nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública”. E ambos podem determinar “a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias”.

O que é o estado de emergência e como funciona?

Entre eles existem diferenças. O estado de sítio “é declarado quando se verifiquem ou estejam iminentes atos de força ou insurreição que ponham em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional democrática e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na Constituição e na lei”. Já o estado de emergência “é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública“. Foi este estado que, a 18 de março de 2020, foi declarado, pela primeira vez desde 1976, por Marcelo Rebelo de Sousa, tendo sido renovado duas vezes e terminou a 2 de maio de 2020.

Os dois “permitem a restrição de direitos fundamentais”, diz ao Observador o constitucionalista José Moreira da Silva. Por exemplo, “se a Assembleia fixar que as pessoas não podem circular, não podem mesmo circular”, mas “se for fixado pelo presidente da Câmara ou pelo Ministro da Administração Interna já não tem o mesmo valor”.

Lei de bases da Proteção Civil “não podia ser aplicada a esta pandemia”

José Moreira da Silva defende que a lei de bases da Proteção Civil “não podia ser aplicada a esta pandemia”. E explica porquê: “Essa lei é feita para outras coisas. É feita claramente para um incêndio, um furacão, um tsunami, uma chuva torrencial de granizo…etc. No fundo, algo que acontece de repente, ninguém estava à espera, provoca um distúrbio enorme. É preciso pôr as leis todas de parte e tentar resolver a situação“.