Uma foto que mostra o embaixador chinês em Kiribati a caminhar por cima das costas de habitantes locais está a gerar polémica. No britânico The Guardian explica-se que o acontecimento faz parte de uma cerimónia tradicional de boas-vindas à ilha mas acendeu o debate não só sobre a interpretação externa dos costumes locais mas também sobre a influência crescente da China no Pacífico.

O episódio terá acontecido no início deste mês quando o embaixador chinês Tang Songgen visitou a ilha de Marakei. A fotografia, que foi tirada no momento da sua chegada, mostra-o a andar sobre as costas de rapazes que se deitaram no chão à sua frente, isto enquanto é amparado por duas mulheres em trajes tradicionais que lhe seguram nas mãos.

Embora nas redes sociais muitos tenham argumentado que a imagem representa a crescente influência da China na nação insular (o governo de Kiribati esteve no centro de uma controvérsia ao repentinamente mudar a sua aliança diplomática de Taipé para Pequim em setembro do ano passado), muitos naturais do Kiribati argumentaram que a prática é tradicional e a foto foi intencionalmente mal interpretada.

O adido de defesa dos Estados Unidos para as ilhas do Pacífico, o comandante Constantine Panayiotou, disse na sua conta de Twitter que simplesmente não conseguia “imaginar qualquer cenário em que andar nas costas de crianças seja um comportamento aceitável por um embaixador de qualquer país (ou qualquer adulto). No entanto, aqui estamos nós, graças ao embaixador da China em Kiribati.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de outros diplomatas como Bruce Cowled, o responsável australiano para o Pacífico, afirmar que nunca participou em cerimónia semelhante (Dave Sharma, ex-diplomata que serviu na missão australiana na Papua Nova Guiné, afirmou o mesmo), habitantes do Kiribati salientaram também pelas redes sociais que este ritual é comum em muitas ilhas do arquipélago e que o gesto formal de boas-vindas foi descontextualizado.

Katerina Teaiwa, professora associada do Colégio da Ásia e do Pacífico da Universidade Nacional da Austrália, disse ao Guardian que, embora o simbolismo seja poderoso, o povo de Marakei está a mostrar honra e hospitalidade e não qualquer tipo de subjugação.

O povo Marakei pode receber dignitários da maneira que quiser, é sabido que eles seguem muitos dos costumes da sua terra. Todos deveriam ser menos histéricos sobre isso e mais respeitosos com a diversidade dos costumes do Pacífico. Os ilhéus deveriam ter autodeterminação cultural”, afirma a investigadora. “Os povos do Pacífico podem decidir por si quais os costumes que devem ser mantidos, quais devem ser repensados à luz dos nossos tempos e quais devem ser mudados caso impliquem algum tipo de violência ou discriminação”, reforçou.

Tang, nomeado embaixador da China em Kiribati no passado mês de março, emitiu um comunicado online sobre a sua visita a Tabiteuea North, Tabiteuea South e Marakei no início deste mês. “A equipa da embaixada foi calorosamente acolhida e recebida nestas ilhas pelos seus anciãos, conselhos das ilhas e também pela população local. Fomos recebidos com cortesias tradicionais e fomos convidados para participar em cerimónias locais onde toda a equipa foi inundada por uma cultura e hospitalidade únicas”, afirmou. A mesma declaração diz ainda que o principal objetivo da diplomacia chinesa nesta ilha do Pacífico é “fazer com que a relação China-Kiribati beneficie mais pessoas de Kiribati”.

Os EUA temem o desenrolar da situação no Kiribati e a aparente aproximação à China porque é possível que a superpotência asiática queira construir instalações de uso duplo (militar e civil) na maior ilha deste arquipélago, Christmas, que fica a apenas dois mil quilómetros do sul do Havai, e do coração da frota norte-americana do Pacífico.