Depois de anos a comercializar o e-up! e o e-Golf, os primeiros eléctricos da Volkswagen, essencialmente veículos convencionais que nasceram para montar motores de combustão e que depois foram electrificados, a marca alemã vai finalmente iniciar amanhã, 18 de Setembro, as entregas do novo ID.3 em Portugal, o seu primeiro eléctrico da nova vaga. Concebido de raiz, sobre uma nova plataforma (a MEB) para optimizar o potencial desta tecnologia, o ID.3 é o modelo mais importante da VW nas últimas décadas, juntamente com o SUV que irá ser revelado de seguida, o ID.4.

Entre os construtores tradicionais, especializados em veículos com motores de combustão, a VW foi quem investiu de forma mais decidida, com o objectivo de alcançar entre os modelos eléctricos a liderança que já possui, enquanto grupo, no mercado global. Para o conseguir, “atirou-se de cabeça”, concebendo uma plataforma específica, com tracção traseira para ser mais eficiente (solução que não utiliza nos veículos tradicionais), e fábricas específicas para produzir os novos modelos alimentados exclusivamente por bateria.

Tão amigos que nós somos!

Sempre parece ter existido um certo respeito, e até admiração, entre o CEO da Volkswagen AG, Herbert Diess, e o seu homólogo da Tesla, Elon Musk. O segundo sempre gabou o primeiro pelo empenho que colocou na electrificação, visando ser líder a prazo, enquanto o primeiro nunca se furtou a reconhecer e a elogiar o trabalho realizado pelo seu colega, provando que os veículos eléctricos poderiam ser rápidos, velozes e com grande autonomia, quando poucos acreditavam que isso seria possível.

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„Thanks for the visit, Elon! Hope you like the video. It was great driving the ID.3 with you! You were just quite critical with the available torque at higher speed. I told you: "Yes, we are on the runway – but no need for take off – its not a sports car.” For this you should try our Porsche Taycan. Looking forward to our next meeting!“Yours Herbert Diess

Posted by Tesla S3XY-News on Monday, September 7, 2020

Sempre houve (e vão continuar a existir) reuniões ao mais alto nível entre os responsáveis dos diferentes construtores, que disputam o mercado entre si. O que é menos vulgar é fazerem questão em admitir que analisaram e conduziram os modelos da concorrência. Menos comum ainda é deixarem-se fotografar ou filmar no processo. Nada disso existe entre Musk e Diess. Tanto que o responsável pela Tesla fez um desvio na viagem de regresso à Califórnia, exclusivamente para estar com Diess e experimentar o ID.3, enquanto o alemão não só voluntariava selfies ao lado de Musk junto ao ID.3, como confessava ter conduzido o Model Y, confirmando ainda que estava na companhia do seu colega da administração Frank Welsch – nem mais nem menos que o responsável pelo desenvolvimento técnico da VW. Mas, no meio de tanta informação partilhada, ficou por perceber qual a origem do SUV mais pequeno da Tesla que Diess conduziu, não tendo sido revelado se foi cedido pela marca norte-americana, ou se a VW voltou a importar um modelo da Tesla dos EUA para realizar reverse engineering.

Podem existir explicações adicionais para este encontro. Primeiro, porque Musk anunciou que a Tesla estaria aberta a licenciar motores, baterias e software à concorrência (o que já fez para a Toyota e Daimler). Ora, se há áreas em que a VW parece ser hoje deficitária, é exactamente no software. Segundo, porque a Tesla teria muito ganhar com a marca alemã, especialmente ao nível da produção, um pouco à semelhança do que a Mercedes fez com a Renault na produção do Espace e Talisman.

Crescer com os olhos postos na Tesla

Independentemente de todo este (aparente) bom relacionamento entre os respectivos CEO, a Tesla lidera folgadamente nos veículos eléctricos e essa é uma posição que a VW ambiciona. Diess louvou o Model Y que testou, considerando-o “uma referência numa série de domínios, mas não em todos”. Segundo salientou, terá ficado impressionado com a experiência de utilização, a capacidade de ter o software actualizado à distância, características da condução, performance das versões topo de gama, rede de carga própria e autonomia – o que basicamente engloba tudo o que é importante, à excepção da qualidade de construção… Mas, a avaliar pela análise ao ID.3 realizada pela publicação alemã Auto Motor und Sport, também o eléctrico da VW tem alguns detalhes a melhorar neste domínio.

Enquanto isto, o representante dos trabalhadores na administração da Volkswagen AG, Bernd Osterloh, garantiu ao jornal alemão Die Welt que o objectivo do construtor de Wolfsburg é ultrapassar a Tesla na produção anual de veículos eléctricos já em 2023. O que obviamente é exequível para uma empresa que fabrica mais de 6 milhões de veículos por ano, dentro de um grupo que ultrapassa os 10 milhões. Nessa mesma entrevista, Osterloh estimou que a Tesla produza então entre 900 mil e 1,5 milhões de veículos, valor que a marca alemã deverá igualmente atingir nesse ano, ou até antes, segundo ele.

3 fotos

Apesar de a VW afirmar que a Tesla não é um dos seus concorrentes directos, a realidade é que a falta de concorrência faz com que todos os modelos disputem o mercado contra tudo o que já está à venda, ou que se aproxima rapidamente. A prova está no facto de uns documentos internos do fabricante alemão terem sido tornados públicos através do Reddit, com uma comparação aprofundada entre o ID.4 e o Model Y. Ali são analisadas as dimensões de ambos, por dentro e por fora, capacidade da bateria, autonomia e rapidez, entre outros.

Amigos ou inimigos?

Nem uma coisa nem outra. Face às diferenças entre ambas as marcas, a VW que figura entre as maiores do mundo (é a segunda, logo atrás da Toyota) por aquilo que já fez e faz, e a Tesla que é a mais valiosa globalmente por aquilo que os investidores acreditam que possa vir a fazer, a realidade é que ambas têm mérito. Poderá a VW ultrapassar a Tesla na produção e venda de eléctricos? Claro que sim. Poderão os alemães ultrapassar a marca norte-americana com a mesma facilidade em tecnologia associada às baterias, aos sistemas de ajudas à condução, software e performances? Nada é impossível nesta indústria, mas não será tão fácil. Que o diga a Porsche, mesmo depois de recorrer à ajuda tecnológica da Rimac.

A VW, além de não ter uma rede de carga própria e a Ionity – de que é uma das accionistas – ainda continuar numa fase embrionária e fora de alguns países, como Portugal –, converteu para a produção de eléctricos apenas a fábrica de Zwickau, que vai servir igualmente a Audi, a Seat e a Cupra, esperando em 2022 estar igualmente apta a fabricar veículos a bateria nas instalações de Emden, igualmente na Alemanha. Entretanto, no final de 2021, a Tesla já terá a operar em pleno a suas fábricas na Califórnia, Texas, Berlim e Xangai. Além disso, Musk já afirmou que os seus carros ainda estão muito caros, pelo que irá lançar um Model 3 mais pequeno, provavelmente hatchback e fabricado em Berlim, para concorrer directamente com o ID.3 em mercados como o europeu.

VW e Tesla parecem estar de boas relações e é assim que deve ser. Mais importante do que isso é que a concorrência entre ambas faz maravilhas à indústria e aos veículos que chegam ao mercado, que irão evoluir a um ritmo ainda maior quando Mercedes, BMW, Renault, Nissan e os sul-coreanos da Hyundai/Kia apresentarem os seus novos veículos eléctricos. Com a certeza que o único vencedor desta “guerra” serão os clientes, que terão acesso a carros eléctricos cada vez melhores.