Há sempre um statement quando, num calendário de uma semana de moda, um designer opta por não apresentar uma coleção. Este sábado, essa foi a opção de Nuno Gama, resultado da paragem que o mundo sofreu e, consequentemente, dos braços atados perante a falta de perspetiva de uma inversão. No dia em que Portugal registou um novo recorde no número de infeções diárias pelo novo coronavírus, o criador não perdeu a oportunidade. Convidou Olga Roriz a coreografar Bruno Pardo, convocou 14 modelos para o seu corpo de baile e bordou um único casaco. Em quatro atos, que se desenrolaram em torno do monumento de Jorge Cutileiro ao 25 de Abril, Portugal suplantou o medo e, no final, abraçou o fado.

“Gostava que todos nós pensássemos — por um lado, na função do vestuário, e depois na forma como temos ultrapassado tudo isto. Tem sido através da nossa resiliência e isso vem daquilo que somos em Portugal, da nossa essência”, explica ao Observador.

Portuguese fashion designer Nuno Gama show at the Lisbon Fashion Week, in Lisbon, Portugal, 10 October 2020. The Lisbon Fashion Week 'ModaLisboa' runs from 07 to 11 October. MÁRIO CRUZ/LUSA

Modelos e bailarino entraram no pequeno lado do Miradouro do Parque Eduardo VII © Melissa Vieira/Observador

O momento foi o ponto alto do dia, pelo menos no que toca ao volume de público. No final, contactámos com um Nuno Gama expectante, que tenta usar a própria ferramenta de trabalho, o design, na procura de um desfecho. “Ainda estou a pensar nisto tudo. Há algum tempo, achava que as coisas iam ser desta ou daquela maneira, porque fazia sentido na minha ciência, na minha matemática. Perdi essa matemática que me ajudava a ter certezas. É isso que tenho de reencontrar de alguma forma”, continua.

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Mesmo depois do confinamento, o cenário não deixou de ser desfavorável. Depois da paragem, os clientes começaram de novo a surgir em junho e no final de julho. Em agosto e setembro, segundo conta o criador, “as coisas estavam ligeiramente animadas”. “Com o regresso das férias e países a voltarem ao confinamento, foi-se toda a gente embora”, conclui. Sem fim à vista, a crise gerada pela pandemia inviabiliza previsões, nomeadamente a mais pertinente de todas: vamos ver a coleção de Nuno Gama para o próximo verão desfilar em março? “Não sei responder, neste momento”.

Uma tela em branco onde pintaram mãe e filha

O Miradouro do Parque Eduardo VII é sinonimo de luz. Sob o sol alto do meio-dia, refletido pela pedra branca, Kolovrat fez soar o sinal de partida neste terceiro dia de desfiles. E o sinal é dado pela própria criadora, uma mensagem sobre pausa, tempo e novos hábitos e para garantir que, através da voz, Lidija está presente no primeiro desfile do pós-confinamento. “Aconteceu uma situação na família e ela não pôde estar presente”, explica Tara Li Amber, a filha de 30 anos que se apresenta também como braço direito.

Final do desfile de Kolovrat © Melissa Vieira/Observador

Findo o desfile, toma a palavra na habitual ronda de entrevistas. “Iceberg” fala do sobre o isolamento — um dos estampados da coleção é com aglomerados de pequenas pessoas –, embora seja o processo, partilhado por mãe e filha, o que realmente reflete esta noção de pausa necessária. “Há menos pressão. Tínhamos sempre de fazer tanta coisa que, de repente, saiu-nos um peso de cima, especialmente da Lidija. Foi um alívio para ela poder sentar-se e desfrutar de fazer isto. E a coleção é esta fusão entre o que queremos vestir, o que os outros gostam e esta fluidez que existe entre mim e a minha mãe”, contextualiza.

Sobre a “tela branca”, como Tara define a coleção, ambas quiseram desenvolver sobretudo um trabalho artesanal — estampados resultantes de aguarelas feitas no estúdio e uma nova parceria com a Humana, loja de roupa em segunda mão, cujas peças foram pintadas e transformadas. Este é um dos caminhos que a marca Kolovrat quer explorar: pequenas coleções cápsula a partir de upcycling de roupa que já existe.

Andrez e o diário do confinamento

O chamado lockdown está no centro da coleção apresentada por Ricardo Andrez, nesta tarde de sábado. Por muitas voltas que a criatividade dê, o atual contexto continua presente na memória coletiva e a de um designer de moda e da sua equipa não é exceção. “Ficámos todos um bocado perdidos, sem saber como iríamos fazer, se iríamos fazer. A falarmos, nós equipa, percebemos que o interessante era fazer um tributo aos artistas que nos fizeram avançar criativamente”, explica o criador.

O rol é extenso, mas Andrez dá algumas pistas — Cher, música eletrónica, clássicos do cinema e drag queens, tudo isto colocado numa misturadora com uma dose generosa daquela que é a linguagem do designer. Através de um nylon preto, tecido que como quase todos os outros era stock parado de uma fábrica, recorda o momento catártico de sair de casa para ir despejar o lixo. Quanto aos seis cónicos, não há grande explicação a dar — simplesmente, o criador não conseguiu resistir-lhes.

Final do desfile de Ricardo Andrez © Melissa Vieira/Observador

“A marca sobreviveu, mas ainda está a ser muito complicado”, assinala. Com uma coleção de apenas 20 coordenados, a decisão de fazer menos roupa surgiu cedo, já que Andrez não voou até Paris para a habitual temporada de feiras. Sem uma “coleção imensa”, é este o caminho cauteloso escolhido por Ricardo, a meio gás, mas com um desfile como manda a tradição.

Sangue Novo: uma semifinal à distância

O habitual desfile de Sangue Novo foi, nesta edição, substituído por uma apresentação em vídeo, com realização de Tiago Ribeiro e coreografia de Cláudia Barros. Numa transmissão feita em ecrã gigante no Resort, o espaço que, este sábado, se abriu ao público que se registou previamente na plataforma da ModaLisboa, conheceram-se os dez candidatos a passar à próxima fase do concurso. Foram 99 candidaturas num processo que decorreu durante o primeiro pico da pandemia em Portugal.

Andreia Reimão, Ari Paiva, Arndes, Fora de Jogo e Rafael Ferreira — foram cinco os jovens designers que garantiram acesso à final, em março do próximo ano. Contudo, o dia não terminou sem que prémios fossem entregues. Bolota Studio, outro dos concorrentes, foi o eleito da Feeting Room e terá a sua coleção à venda na reputada concept store portuguesa. Pilar do Rio foi quem reuniu o maior consenso do público, conquistando um prémio de 1.500 euros.

Na fotogaleria, veja as imagens que marcaram este terceiro dia de desfiles da ModaLisboa. Domingo, o último dia, reserva os desfiles de Carolina Machado, Gonçalo Peixoto, Hibu, Olga Noronha e Carlos Gil.