Quando se fala com alguns treinadores da formação do Sporting, todos têm um ponto em comum: quando eram mais novos, entre os infantis e os iniciados, Cristiano Ronaldo e Ricardo Quaresma tinham tanto potencial que se tornava complicado dizer qual dos dois daria melhor jogador. Juntos, cada um na sua ala, seriam uma dupla de sonho – essa aposta era de olhos fechados. Nunca chegou a acontecer porque Fernando Santos, quando entrou em Alvalade para substituir Laszlo Bölöni, ficou sem Quaresma vendido ao Barcelona e, após o jogo de inauguração do novo José Alvalade, ficou sem Ronaldo vendido ao Manchester United. E esse verão “inquinou” o caminho.

Trincão, o Mahrez do Minho que precisou de autorizações para viajar com o Sp. Braga e agora vai ser reforço do Barcelona

Que o agora capitão da Seleção fazia coisas como mais ninguém e que tinha uma vontade de se tornar melhor como poucos ou nenhuns, todos sabiam. Mas houve um outro ponto importante no início desse trajeto que foi o clube que escolheu, o contexto de crescimento que teve e os técnicos que trabalharam consigo (neste caso o técnico, Sir Alex Ferguson). Em contraponto, claro, com o agora ala do V. Guimarães, numa época com treinador novo (Frank Rijkaard), com presidente novo (Juan Laporta), com uma base nova repleta de holandeses, com uma estrela nova chamada Ronaldinho. Um ano depois, Quaresma saiu e mudou-se para o FC Porto. E daí sobra mais um ‘se’ entre tantos que vão ficando na história do futebol: se tivesse outra escolha, teria outra carreira?

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A introdução vem a propósito do papel de Francisco Trincão, nova coqueluche da Seleção que mereceu a chamada de Fernando Santos ao conjunto A depois da transferência de mais de 30 milhões do Sp. Braga para o Barcelona, em Camp Nou. Em condições normais, pelo talento, pela qualidade e pelo potencial, o esquerdino tinha todas as possibilidades para ir evoluindo numa equipa repleta de talento e que dava margem para uma adaptação com o tempo necessário. Ainda tem. No entanto, o momento que os catalães atravessam não é o melhor, como se viu na última derrota frente ao Getafe e no arranque do encontro diante dos estreantes húngaros do Ferencvaros. E se o português tem passado ao lado de tudo o que acontece à sua volta, a equipa ressente-se disso mesmo.

Em menos de meia hora, o Barça marcou três golos, podia ter marcado outros tantos e arrumou a questão. Todavia, se em termos institucionais continua a convulsão com o presidente Josep Maria Bartomeu a enfrentar uma moção de censura assinada por cerca de 20 mil associados (e que no limite poderá levar a uma saída antecipada do clube), em campo ainda se vê um Messi empenhado mas sem alegria a jogar, um meio-campo à procura dos melhores automatismos entre a falta de intensidade e uma defesa várias vezes a ser ultrapassada na profundidade. As opções no mercado não foram as melhores, a começar pela saída de Suárez sem substituição direta (e a presença desse jogador mais de corredor central, que poderia ser Depay, fará falta), e a equipa ainda procura adaptar-se à nova ideia de jogo. E foi neste contexto que Trincão foi titular pela primeira vez, sempre de sorriso nos lábios.

Com a mesma equipa do meio-campo para trás em relação ao último jogo e um novo conjunto daí para a frente à exceção de Messi, onde entraram Pjanic, Coutinho, Trincão e Ansu Fati (que é como quem diz, o elo francês foi o mais fraco com as saídas de Dembelé e Griezmann), o Barcelona teve uma entrada demasiado apática em campo, com pouca velocidade na frente e várias fragilidades na transição defensiva. Mesmo com linhas muito recuadas, o Ferencvaros aproveitou essa passividade para explorar a profundidade e chegou mesmo a marcar, com Tokmac Nguen a ganhar metros, a entrar na área, a rematar em jeito mas a ver o golo anulado por estar em posição mais adiantada no início do lance (10′). Messi, o inevitável e eterno – pelo menos por mais uma temporada – Messi, teve uma tentativa travada por Dibusz mas foram de novos os húngaros a chegar com perigo à baliza de Neto, neste caso com Isael Barbosa receber descaído na direita para Nguen para acertar uma bomba no poste (20′).

Mesmo sem a alegria de outros tempos no jogo, Messi percebia que a reação blaugrana teria de passar pelos seus pés e foi ao meio-campo inventar um lance onde passou por alguns adversários antes de ser carregado de forma evidente na área, num penálti sofrido e convertido pelo argentino (27′) que mudaria por completo aquelas que seriam as principais características do encontro: Ansu Fati ameaçou uma primeira vez com um remate de meia distância (32′), obrigou depois Dibusz a uma fantástica intervenção após assistência de Trincão (36′) mas não falhou à terceira, aproveitando um grande passe de Frenkie de Jong para, de canela, aumentar para 2-0 (42′). E também o português ficou perto de marcar, em nova defesa do guardião que segurava a equipa nessa fase.

Acabou com o esquerdino a tentar o golo, começou com o esquerdino a tentar o golo. Trincão percebia que o golo estava perto e não era por falta de tentativas que não surgia num passeio que deu o 3-0 a Coutinho, após um lance coletivo que passou pelos pés de Messi e Ansu Fati até ao remate rasteiro do brasileiro (52′). Se dúvidas ainda existissem sobre o vencedor do encontro, a história estava fechada e o próprio jogo entrou num outro ritmo, com Koeman a tirar Sergi Roberto, Trincão e Ansu Fati já tendo em vista o clássico com o Real Madrid no próximo sábado. E nem mesmo o 3-1 por Kharatin de penálti, que motivou o vermelho direto a Piqué por falta sobre Nguen quando seguia isolado (70′), impediu uma goleada fechada por outro jovem da formação, Pedri (82′), e por Dembelé, em mais uma jogada com o carimbo de Messi que levou ao 5-1 final (89′).

Lionel Messi tornou-se o jogador com mais golos na Champions enquanto capitão, o primeiro a marcar na prova em 16 edições consecutivas, o que tem mais “vítimas” na Liga milionária (36) e o que apontou mais golos em jogos da fase de grupos (69). Ansu Fati, ainda com 17 anos, é o primeiro desta idade com dois golos na Champions. E Pedri, que tem também 17 anos, tornou-se o mais novo a marcar no jogo de estreia da competição. O Camp Nou teve uma chuva de recordes e também Trincão merecia o seu pelo que fez. No entanto, e ao longo de 62 minutos, o português mostrou o que pode ser o seu recorde: criar um contexto para se ir afirmando em Barcelona.