A violência no desporto sobre as crianças é encarada como natural em Portugal, denuncia um relatório europeu, segundo o qual a violência psicológica e verbal é a que ocorre mais frequentemente por parte de treinadores e famílias.

O relatório foi feito no âmbito do projeto ACTIVE, cofinanciado pela Comissão Europeia, cujo objetivo é promover a implementação de políticas de proteção das crianças nas organizações desportivas.

Além de Portugal, participaram a Grécia, Itália e Chipre não só para caracterizar a situação atual em cada um dos países e identificar possíveis lacunas, como também para desenvolver uma ferramenta online de autoavaliação para permitir às organizações desportivas identificar o que pode ser melhorado em matéria de políticas de proteção das crianças.

O relatório para Portugal, elaborado pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), revela que “muitas crianças, famílias e profissionais entendem a violência como natural ou inevitável em contexto desportivo e desconhecem os seus direitos ou onde pedir apoio”.

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“As situações de violência vividas por crianças no contexto de atividades desportivas são sobretudo de violência psicológica e verbal, podendo esta ser exercida por profissionais, por familiares ou por outras crianças“, dizem as investigadoras Ana Cardoso e Paula Carrilho. Acrescentam que “as crianças como sujeitos de direitos é uma noção ausente na maioria das organizações desportivas e nas famílias” e que “as crianças no desporto são consideradas como alguém que deve apresentar resultados e dar satisfação por esses resultados à família e ao/à treinador/a”.

“A ideia do desporto como promotor de bem-estar e de desenvolvimento de competências é subestimada face à possibilidade de haver o acesso (rápido) ao sucesso“, apontam as investigadoras. Por outro lado, referem que a “maior evidência” está na pressão exercida pelos próprios familiares como forma de violência contra as crianças, que “vêm o desporto não como uma atividade que promove o desenvolvimento (físico, social e emocional) e o bem-estar das crianças mas, sobretudo, como uma atividade que cria campeões, vencedores e, como isso, reconhecimento social e visibilidade”.

As investigadoras defendem, por isso, mais formação para dirigentes de organizações desportivas, bem como para os formadores, de modo a que estas pessoas saibam o que defende a Convenção sobre os Direitos das Crianças e reconhecerem que as crianças são sujeitas de direitos. Apontam também a necessidade de um trabalho multidisciplinar e uma avaliação consistente que envolva crianças e famílias, em que seja tido em conta não só os resultados desportivos alcançados, mas também o modo como a organização desportiva trabalha pelo bem-estar da criança. No total dos quatro países participaram 244 pessoas, entre 85 crianças, 65 famílias e 52 profissionais de organizações desportivas, além de outras 42 pessoas ligadas a instituições relevantes.