As galerias de arte e artistas visuais estão a fazer face à quebra de vendas, ao cancelamento e ao adiamento de feiras internacionais provocadas por uma pandemia “altamente prejudicial” para o setor, segundo fontes contactadas pela agência Lusa.
A comunidade das artes plásticas e visuais também não é alheia à crise que atingiu a cultura, como afirmou o presidente da Exhibitio, Jorge Viegas, representante da associação que congrega 22 galerias em Lisboa, Porto, Braga e Açores.
“Ainda não temos registo de encerramento de galerias de arte, mas são muito visíveis as quebras de visitantes [nestes locais], e, consequentemente, nas vendas”, disse à Lusa, sobre as restrições determinadas pelo confinamento, para diminuir a progressão do vírus que causa a covid-19.
Muitas das galerias adaptaram horários, sobretudo aquelas que funcionam durante a tarde, para poder acolher os potenciais colecionadores no período da manhã, ao fim de semana, exigindo uma mudança dos hábitos dos clientes do mercado da arte.
A feira de desenho Drawing Room, realizada em outubro, em Lisboa, “correu muito bem para os galeristas e artistas, o que prova que a presença física e o contacto direto com as obras de arte continua a valer muito neste setor”, avaliou o presidente da Exhibitio, acrescentando que, no entanto, as galerias, tal como teatros, museus e outros espaços culturais continuam a apostar no formato ‘online’, para compensar as limitações presenciais.
A realização da Drawing Room, porém, foi uma exceção, porque um pouco por todo o mundo as feiras de arte contemporânea têm sido consecutivamente adiadas, como a próxima edição da mais importante para os galeristas e artistas portugueses – ARCOmadrid -, que passou de fevereiro para julho do próximo ano.
“As galerias vivem com muita incerteza para as suas programações, e já ninguém está a arriscar datas antes de abril do próximo ano”, disse, ainda, o também diretor da Galeria 3 + 1 Arte Contemporânea, prevendo um “engarrafamento” de feiras internacionais em 2021.
Toda esta situação “é muito prejudicial para os artistas visuais, sobretudo os mais jovens, que já têm menos vendas e são cotados a preços mais baixos”, descreve o responsável, lamentando que “os apoios públicos tenham sido dirigidos sobretudo às artes performativas”.
Também o artista plástico Pedro Portugal considera que a pandemia tem sido “altamente prejudicial” para o setor das artes plásticas e visuais: “Não se fala muito nos artistas plásticos, mas sei que há pessoas que também não podem pagar a renda das suas casas e precisam de apoio”, disse, contactado pela Lusa.
Pedro Portugal estava entre os 200 artistas que, há dois anos, enviaram uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, a pedir uma intervenção do Governo para a “situação preocupante” da arte contemporânea em Portugal, envolvendo mercado, crítica, galerias, coleções, instituições e museus.
Na altura, consideravam que o mercado da arte em Portugal era “uma falácia”, e pediam um fundo do Estado para aquisições, a criação de uma agência para a arte contemporânea separada da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e alterações fiscais.
Já nesse ano, em que consideravam a situação crítica, foram, depois do protesto e alerta, recebidos na residência oficial pelo primeiro-ministro, tendo conseguido a promessa de um programa de dez anos para aquisição de obras de arte contemporânea, com uma dotação orçamental mínima de 300 mil euros, por ano.
Com este valor foram adquiridas 21 obras de arte em 2019, e, com um orçamento de 500 mil euros, mais 65 este ano, para incluir na Coleção de Arte Contemporânea do Estado, anteriormente conhecida como “Coleção SEC”, da Secretaria de Estado da Cultura.
Estas iniciativas do Governo para apoiar o setor mediante a aquisição de novas obras de arte contemporânea – com o anúncio de mais 650 mil euros para 2021 — “pouco mudaram” as circunstâncias de há dois anos, segundo Pedro Portugal.
“Sei que a Culturgest e a Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento voltaram a comprar algumas obras de arte, mas tudo isto é insuficiente, porque são anos acumulados de desinvestimento, desde a crise de 2008. Esta falha das instituições também foi crucial para o colapso que a pandemia acelerou”, disse, acrescentando que o Museu de Serralves e o colecionador José Berardo também deixaram praticamente de comprar.
Sobre o mercado de arte, Pedro Portugal considera que “está praticamente parado”, com as galerias a “venderem quase nada, e só esporadicamente, peças muito pequenas”. E “não têm surgido novos colecionadores” de arte contemporânea no país, garante.
“Portugal não tem a dimensão de outros países, como a Alemanha, que tem 200 museus de arte contemporânea, ou França e Suíça, onde este setor é muito mais valorizado e estimulado”, exemplificou.
Na mesma linha, Ângela Ferreira, uma das fundadoras da recém-criada Associação dos Artistas Visuais em Portugal, lançada em setembro para defender os interesses e direitos da criação artística, falou a título pessoal à Lusa: “Na verdade sempre foram muito poucos os artistas em Portugal que puderam viver do seu trabalho”.
“Eu dou aulas na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e há muitos artistas que fazem o mesmo. Têm outras atividades para subsistir, mesmo aqueles que já têm um trabalho sólido, reconhecido e premiado no meio artístico”, comentou a criadora, vencedora do Prémio Novo Banco Photo em 2015, e que representou Portugal na Bienal de Arte de Veneza, em 2007.
Dos contactos que tem, sabe que “há muitos artistas a viver de biscates, do que vão encontrando, como assistentes em serviços educativos ou nos museus, nas visitas guiadas, na produção de espetáculos, o que conseguem encontrar”.
“Conheço artistas que estão realmente aflitos porque trabalham na área do turismo, que também foi muito afetada pela pandemia. Muitos estão em situação de ´lay-off´”, acrescentou ainda, sobre uma crise que “afeta muitas áreas, ligadas entre si, e está a criar problemas gravíssimos” na vida quotidiana das pessoas do setor, algumas a receber apoios das famílias que os podem ajudar.
Com quebras no rendimento, Ângela Ferreira diz que a principal preocupação é conseguir pagar a renda de casa ou o atelier. E viver em Lisboa “tornou-se realmente difícil, com a especulação imobiliária” dos últimos anos, sublinhou.
Acresce que “os colecionadores não estão a investir no mercado de arte, e o Estado não compra arte através dos museus”, lamenta.
“Estamos aflitos financeiramente, e há uma incerteza enorme sobre o futuro, somada à já habitual incerteza da vida de um artista, porque mesmo que um artista beneficie de um reconhecimento numa dada altura, pode deixar de o ter nos tempos seguintes. A instabilidade já fazia parte da nossa vida, mas nesta dimensão ninguém esperava”, conclui.
Conseguir ‘ateliers’ temporários gratuitamente para os artistas poderem continuar a trabalhar tem sido uma das iniciativas da Plataforma P’la Arte, liderada pelo gestor cultural Carlos Moura-Carvalho, além de orientação e esclarecimentos para acesso a linhas de apoio disponíveis para o setor.
“A maior dificuldade que nos tem chegado é essa, de não poder pagar a renda do ‘atelier’, mesmo quando se juntam em grupos para dividir os custos”, confirma, contactado pela Lusa.
A plataforma – que resultou de uma cisão, do Movimento SOS Arte PT criado este ano – tem feito contactos com autarquias e empresas na região de Lisboa e arredores, para conseguir espaços em cedência precária, mas gratuita, nomeadamente em Braço de Prata e em Alvalade.
“Os artistas também querem estar ativos por razões psicológicas. Essa possibilidade de poder criar dá-lhes uma estabilidade mental e emocional muito importante”, sublinhou o jurista e ex-diretor-geral das Artes, indicando que a plataforma recebe cinco a seis pedidos por semana.
Outra iniciativa mais recente visa realizar um Mercado de Arte Contemporânea, que funcionasse como feira expositiva e para venda, e a entidade já pediu autorização à Direção-Geral da Saúde, para saber se pode efetivar-se no quadro das atuais restrições sanitárias.
Sobre a reação dos artistas a esta situação de crise, varia, consoante a geração: “Muitos artistas mais jovens não conhecem bem os apoios que existem, e procuram outras saídas de trabalho, desde o design à fotografia não artística. São sobretudo aqueles com 40 e mais anos que perguntam por esses apoios disponíveis”, indicou.
No entanto, “o panorama é de angústia geral, face a uma situação de imprevisibilidade extrema”, alerta, acreditando, porém, que este “é um bom momento para refletir e procurar mudar certos paradigmas”.