Depois da polémica criada pelo relatório da Transport & Environment, os veículos com motores híbridos plug-in (PHEV) ficaram no centro das atenções, acusados de não serem tão amigos do ambiente e da carteira como prometiam. O Observador já aqui escalpelizou as vantagens e inconvenientes deste tipo de tecnologia, que tem efectivamente os seus trunfos, desde que seja utilizada como foi concebida – isto é, recarregando a bateria sempre que possível –, mas a Ford vem agora colocar mais umas achas na fogueira, ao anunciar para os seus dois PHEV mais recentes os consumos reais, alegadamente conseguidos num ciclo iniciado com a bateria já vazia.

A acreditar nos valores de homologação anunciados para os PHEV à venda no mercado europeu, estamos perante uma solução que promete ser a melhor de dois mundos: por um lado, disponibiliza as vantagens de um carro eléctrico, ainda que com uma autonomia muito pequena, por outro, oferece a possibilidade de encarar deslocações mais longas sem o drama de ter de encontrar um posto de carga (livre e a funcionar).

Consumo sobe 542% no Kuga e 306% no Explorer

Ao anunciar os novos valores de consumos e emissões, alegadamente conseguidos partindo para o ciclo de avaliação com a bateria descarregada, juntamente com os valores homologados segundo o método europeu WLTP, a Ford ajuda mais à confusão do que ao esclarecimento. Simultaneamente, dando munições aos que atacam os modelos que recorrem à tecnologia PHEV.

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Segundo os valores de acordo com o método WLTP, o novo Ford Explorer 3.0 V6 PHEV, um SUV com cinco metros de comprimento e 2,5 toneladas de peso, equipado com um motor 3.0 V6 sobrealimentado a gasolina com 363 cv, associado a uma unidade eléctrica com 102 cv alimentada por bateria com apenas 10,3 kWh de capacidade, anuncia um consumo de 3,4 l/100 km, a que correspondem emissões de 78g de CO2/km. O que a Ford parece agora afirmar, através da informação que divulga no seu site (que pode ver na galeria), é que no mesmo ciclo, mas partindo sem energia na bateria, o consumo ascende a 10,4 l/100 km e as emissões disparam para 237g de CO2. Face aos valores em WLTP, a que a Ford recorre para homologação, liquidação de impostos e recolha de benefícios fiscais nos mercados europeus, isto representa um incremento de 306% no consumo e sensivelmente o mesmo nas emissões, uma vez que as segundas dependem directamente do primeiro.

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Se estes valores do gigantesco Explorer impressionam, então o que dizer do mais pequeno Kuga, com 1844 kg, cujo motor a gasolina é um 2.5 de quatro cilindros com 152 cv, enquanto o eléctrico fornece 132 cv, associado a uma bateria com 10,6 kWh úteis. Em WLTP, o Kuga 2.5 Duratec PHEV reivindica 1,2 l/100 km e 26g de CO2/km, mas segundo os novos dados da Ford divulgados na ficha técnica do modelo, o consumo salta para 6,5 litros e as emissões para 148g, ou seja, um aumento de 542%.

Como explicar o enorme incremento do consumo?

Para perceber as enormes diferenças entre dois valores, os conseguidos segundo o método WLTP e estes agora avançados pela Ford, alegadamente sem energia na bateria, temos de recuar um pouco e recordar que, perante a impossibilidade de a esmagadora maioria dos construtores cumprirem o limite das emissões, fixadas numa média por gama de 95g de CO2/km durante 2020, evitando multas milionárias, falências e despedimentos, a União Europeia ofereceu alguns “miminhos” aos fabricantes para os ajudar a ficar abaixo da fasquia. Com ênfase no facto de as emissões zero dos veículos eléctricos contarem a dobrar e os valores relativos aos PHEV serem calculados apenas para os primeiros 100 km, partindo do princípio que a bateria está com 100% de carga.

O que está bem (e mal) no ataque do PAN aos PHEV

Explicado os motivos que levam os PHEV a declararem valores tão irrealistas, por serem impossíveis de reproduzir em condições reais de utilização, há igualmente que ter em conta que estes modelos foram pensados para o condutor recarregar a bateria diariamente, se percorrer distâncias inferiores a 50 km (o que inclui a maioria dos utilizadores), e até mais do que uma vez caso percorra distâncias superiores. No entanto, não há forma de obrigar os condutores a proceder desta forma, com estudos a confirmarem que, especialmente os modelos mais potentes e mais caros, raramente são recarregados.

Fantasia dos híbridos plug-in condenada a acabar?

Tão pouco ajuda à causa dos PHEV o facto de muitos fabricantes utilizarem motores de combustão e caixas de velocidades nada adaptados ao objectivo desta tecnologia, que não consiste em dar mais potência (é sempre bom lembrar), mas sim em reduzir consumos e emissões. Enquanto alguns (poucos) fabricantes montam motores menos potentes e específicos para gastar e poluir pouco, funcionando segundo o ciclo Atkinson (se forem atmosféricos) ou Miller (se sobrealimentados), outros recorrem a motores normais (ciclo Otto), muitas vezes com características desportivas, que são muito menos eficientes.

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Como se não bastasse as diferenças nos motores, as caixas de velocidades também importam, uma vez que se alguns construtores montam caixas automáticas convencionais electrificadas, outros há que investem para ter soluções com menos fricções internas e capazes de garantir que o motor funciona sempre dentro da gama de regimes onde é mais eficiente sob o ponto de vista energético, ou seja, gasta e polui menos. E se mais fabricantes adoptassem esta abordagem de “total transparência” da Ford, passaria a ser evidente quais os PHEV que utilizam mecânicas mais eficientes, com vantagens para os utilizadores.