Mais de 200 médicos e internos da Saúde Pública assinam hoje um documento com várias reivindicações. Entre elas está o respeito pela autonomia técnica destes profissionais.

No texto os clínicos alertam para “carências críticas” na área que “nunca foi verdadeiramente alvo de investimento”. Lamentam também a “enorme assimetria nos recursos disponíveis face às necessidades”.

O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, é o primeiro subscritor do texto. Em declarações à Rádio Observador explica que há imposições dadas aos médicos que vão contra o que os profissionais consideram boas práticas.

“Foram uma sucessão de situações que foram acumulando ao longo deste ano de resposta pandémica. São atentatórias do que é a dignidade profissional e a sua autonomia técnica. Desde limitações à intervenção pública até à reversão de decisões tomadas pelas autoridades de saúde no sentido de proteger as pessoas. Outro aspeto, por exemplo, é a imposição de um modelo de resposta em que as unidades de saúde pública não se reveem tecnicamente. Mas como não veem reforçados meios para responder de outra forma, ficam obrigadas a respeitar essas imposições.”

Os signatários lamentam que se vão “multiplicando as situações em que é colocada em causa a resposta, com a implementação de soluções, supostamente colaborativas e expeditas, que vão ao arrepio” das boas práticas e orientações destes especialistas, e que “apenas visam dar uma aparente normalização de processos, sem garantias de proteção da saúde dos cidadãos e sem ter em consideração as diferenças geográficas”.

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Ricardo Mexia denuncia situações em que, por exemplo, os profissionais não podem intervir p ara aconselhar a população a tomar comportamentos mais seguros.

“Por diversas vezes os meus colegas têm tido necessidade de passar informação de forma a que a população adote comportamentos mais seguros e mais saudáveis e isso tem lhes sido limitado do ponto vista da hierarquia administrativa.”

As horas extraordinárias é outro dos problemas apontado por Ricardo Mexia. Considera que não faz sentido os profissionais só serem remunerados por trabalho suplementar a partir das 200 horas extraordinárias.

São várias as reinvidicações dos médicos de saúde pública, mas o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública põe de lado a ideia de que os clínicos venham a fazer greve para as verem cumpridas.

“Os médicos de saúde pública não abandonam nem os outros profissionais nem os cidadãos neste momento tão difícil para todos. Estão absolutamente empenhados no combate pandémico, não é isso que está em causa. Oportunamente estas situações têm que ser resolvidas, os médicos de saúde pública não podem ver atropelados os seus direitos.

No documento, os profissionais reforçam que nunca vão deixar de prevalecer os direitos da profissão e que vão continuar a estar do lado de todos os profissionais de saúde e de todos os cidadãos durante a pandemia.

Repudiam ainda que, no meio da luta contra a pandemia, “mais uma vez” os especialistas, nomeados como Autoridades de Saúde, sejam obrigados a desempenhar funções burocráticas como “atestar as limitações físicas de um cidadão para efeitos de voto acompanhado, tarefa que em nada contribui para o objetivo da Saúde Pública de evitar doença, promover a saúde e melhorar a saúde física e mental da população”.

Criticam também o facto de não serem pagas às Autoridades de Saúde as horas de trabalho para a emissão desses atestados, sendo os únicos elementos em serviço em dia de eleições que não são remunerados pela Comissão Nacional de Eleições, com o argumento de terem disponibilidade permanente.

Também rejeitam a decisão, ainda que transitória, de deixar de ser necessária a “qualificação médica” para o exercício das funções de Autoridade de Saúde. “Suavizar esta exigência é mais um atentado à dignidade profissional das Autoridades de Saúde, abrindo um precedente inaceitável, a pretexto da situação pandémica que atravessamos”, advertem.

No seu entender, “é uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada” e avisam que utilizarão, “quando oportuno, todos os seus meios ao seu dispor para defender os seus direitos”. Apesar destas situações, os médicos reiteram “a sua absoluta dedicação e empenho no combate pandémico”, estando ao lado dos profissionais de saúde e dos cidadãos.

“Médicos não podem ver atropelados os direitos e autonomia técnica”, alerta o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública