A Ásia não é propícia à Disney. Depois da versão em imagem real de “Mulan” lhe ter valido violentas críticas, por ter sido rodada numa região da China em que o governo tem campos de concentração para a minoria uigure, o estúdio é agora atacado por “representação incorreta de asiáticos” na sua nova longa-metragem animada, “Raya e o Último Dragão”, de Don Hall e Carlos López Estrada, estreada na Disney+. O filme passa-se numa terra de fantasia, vagamente inspirada no Sudeste Asiático. Isso não demoveu os polícias da correção política de acusar a Disney de, para dar voz às personagens, usar atores asiáticos cuja origem nacional não corresponde à zona em que a história supostamente se passa. (Ninguém disse a esta gente que uma animação não é um documentário da National Geographic.)

[Veja o “trailer” de “Raya e o Último Dragão”:]

Se há uma crítica a fazer à Disney por causa de “Raya e o Último Dragão”, ela é muito mais prosaica e evidente. Este é um dos filmes animados menos conseguidos pelo estúdio nestes últimos anos, abaixo até dos títulos menores da sua subsidiária Pixar. A história ambienta-se em Kumandra, um mundo imaginário de civilização asiática formado por cinco clãs, onde dragões e humanos viviam em harmonia, e que após vários acontecimentos foi devastado pelos maléficos Druun (uma espécie de neblina roxa em torvelinho que transforma toda a gente em estátuas de pedra), com o sacrifício dos dragões, o estilhaçar da Joia do Dragão, cuja magia mantinha os Druun fora de jogo, e a desunião dos clãs.

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[Veja uma entrevista com as três principais atrizes:]

A Disney carrega no “girl power” neste “Raya e o Último Dragão”. Além da heroína, a jovem guerreira Raya (Kelly Marie Tran), uma princesa na tradição da casa, há uma vilã, Namaari (Gemma Chan), a filha da chefe de um dos clãs inimigos do de Raya, e Sisu (Awkwafina), o dragão que volta à vida, é uma fêmea, que tem o poder de se transformar numa rapariga. O elemento masculino fica reservado para as figuras secundárias (o pai de Raya, o pequeno barqueiro Boun, o assustador mas bondoso Tong). E o enredo é de juntar por números e monotonamente previsível, um “déjà vu” de temas, situações e lances característicos das narrativas de demanda.

[Veja uma entrevista com os realizadores e um dos argumentistas:]

Montada num bicho de conta gigante e “cute”, Raya parte numa jornada para recuperar e juntar os estilhaços da Joia do Dragão, derrotar os Druun, devolver a Kumandra o seu esplendor original e unificar o reino. Pelo caminho, ela “ressuscita” Sisu (que tem muito menos piada que o dragão parceiro de Mulan na animação homónima), faz uma série de aliados fofinhos e destemidos que fornecem alívio cómico e alguns momentos lacrimais, e depois de uma série de peripécias, todos os intervenientes descobrem que antes de vencerem os Druun, têm que derrotar outro inimigo: a desconfiança que nutrem uns pelos outros.

[Veja uma cena do filme:]

https://youtu.be/hi3UVAXe58A

“Raya e o Último Dragão” é estandardizado de cabo a rabo e falta-lhe capacidade para empolgar, deslumbrar ou surpreender, as personagens são completamente convencionadas e, sobretudo as principais, dotadas de um discurso irritantemente anacrónico (Raya e Sisu falam como se fossem duas adolescentes de Brooklyn) e a “lição de vida” final é simplória. E desta vez, nem sequer a animação, com aspetos francamente pirosos (os dragões parecem saídos do universo do Meu Pequeno Pónei) e um ar geral de jogo de vídeo melhorado, é suficiente para compensar ou aliviar as fraquezas do filme. O velho Walt Disney teria mandado tudo para trás e dado ordens para fazer de novo, e melhor. 

“Raya e o Último Dragão” está disponível na Disney+