Ao longo dos últimos meses têm chegado alguns exemplo de criação audiovisual feita em tempos de pandemia. Exemplos de criação por via das limitações impostas da distância social, ou promovidas pela intensa utilização de ecrãs e da comunicação digital (como o filme de terror “Host”, inspirado pelas conversas Zoom). “COVID Diaries NYC”, o documentário de cinquenta minutos que chegou à HBO Portugal, é uma espécie de “O Projeto Blair Witch” sobre a pandemia numa grande cidade (Nova Iorque). É real, não é ficção nem é terror. É composto por cinco curtas assinadas por jovens realizadores (entre os 17 e os 21 anos) e aí também entra uma certa componente amadora, que dá um tom bem vivo ao documentário.

Este é um filme sobre os realizadores e as respetivas famílias. Sobre o seu dia-a-dia. Sobre quem teve de ficar em Nova Iorque, as famílias que continuaram a trabalhar nos serviços essenciais ou os adolescentes/jovens-adultos que ficaram a perder a vida em casa, em quarentena. Os cinco mini-documentários foram filmados durante os primeiros meses de pandemia e registam a fadiga existencial de estar fechado num mundo aparentemente vazio, estar quieto para conseguir fugir. As histórias são únicas, mas são também lugares-comuns de quem teve de viver confinado em algum momento durante o último ano. O que muda é a perspetiva, a visão jovem, de quem por momentos sente que tem tudo a perder: seja por se expor, pelos pais estarem expostos ou porque a não exposição acelera problemas mentais.

[o trailer de “COVID Diaries NYC”:]

Continuamos a viver a pandemia e a tentar ultrapassá-la, a lidar com tudo o que acontece e com o que vamos descobrindo, Mas há um ano sabíamos ainda menos. A rudeza e o amadorismo de “COVID Diaries NYC” mostram, por isso, uma realidade próxima, mas, ao mesmo tempo, distante daqueles primeiros momentos em que a incerteza causava tanto medo e ansiedade como o vírus que já sabíamos estar à solta. É esse nervo que domina as cinco obras de formas muito diferentes. Os sentimentos que nos atravessavam há cerca de um ano estão bem refletidos nestes cinquenta minutos. São sentimentos distintos daqueles que nos acompanham agora e voltar a eles cria alguma confusão. A fadiga é imensa, a dos realizadores e a dos espectadores.

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Queremos voltar a essa realidade? “COVID Diaries NYC” diz-nos que sim. Se há umas semanas “Vitals”, também na HBO Portugal, mostrava o dia a dia na linha da frente e o sofrimento num hospital perto de Barcelona, este documentário expressa a dor silenciosa, a individual e a familiar, a angústia dos que ficam em casa e a daqueles que se têm de expor para trabalhar (e o medo que habitava e que habita quando se regressa). “COVID Diaries NYC” diz nas entrelinhas que é urgente ter isto presente. Para percebermos as dificuldades do isolamento atual mas também o futuro.

“Vitals”. Um hospital, dois meses no pico da pandemia na Catalunha e um documentário para mostrar tudo

A série de cinco curtas arranca com “The Only Way To Live In Manhattan”, em que Marcial Pilataxi fala do seu dia-a-dia feito sobretudo de ajuda à avó com a limpeza de um prédio onde gente de classe média-alta vive. De como têm de estar expostos ao lixo dos outros. E de como Marcial não deve sair para não colocar a vida da avó em risco. Aracelie Colón conta uma história bem diferente em “My Covid Breakdown”, uma descrição dos seus problemas mentais e de como é viver com isso isolada dos amigos, do mundo. “No Escape From New York”, de Shane Fleming, mostra uma família a cair aos bocados, por via da fragilidade da mãe, a sucumbir aos poucos à exaustão da pandemia.

Todos os pequenos filmes são gerados a partir do momento, de um registo cru e vivo da realidade dos realizadores. Há amadorismo técnico – que é irrelevante para o caso – e há outro tipo de amadorismo, que está evidente na ingenuidade de quem expõe as suas vidas. Essa é a grande força de “COVID Diaries NYC”, aquilo que marca estes quarenta minutos como um documento essencial sobre o último ano e um dos exercícios mais inteligentes sobre a pandemia. Doloroso, mas obrigatório.