A emissora pública de televisão e rádio de Macau assumiu esta sexta-feira que vai manter a atual política editorial alinhada com o “princípio do patriotismo e do amor por Macau”.

A Teledifusão de Macau (TDM) não irá alterar a sua política atual em matéria de cobertura noticiosa“, indicou a emissora, num comunicado em chinês, sem nunca se referir à reunião de quarta-feira onde foi lida uma diretiva que proibia os jornalistas de português e inglês de divulgarem informações e opiniões contrárias às políticas da China, confirmada à Lusa por vários jornalistas da empresa e veiculada pelos ‘media’ locais.

“Enquanto organismo público de radiodifusão, a TDM continuará a cumprir a sua responsabilidade social nos meios de comunicação social e a aderir ao princípio do patriotismo e do amor por Macau“, lê-se na mesma nota. A TDM aponta ainda, sem especificar, que “relativamente às especulações e rumores na internet a TDM reserva-se o direito de exercer as responsabilidades relevantes de acordo com a lei”.

Um jornalista da TDM, que pediu para não ser identificado, disse na quinta-feira à Lusa que pelo menos um editor já colocou o lugar à disposição. O não cumprimento das novas diretrizes dá despedimento por justa causa, adiantou. A Lusa procurou na quinta-feira obter esclarecimentos junto da comissão executiva da TDM, mas ainda não obteve resposta. Os cerca de 40 jornalistas de língua portuguesa e inglesa foram notificados para comparecer na quarta-feira de manhã para uma reunião com a direção de informação.

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Entre os pontos que foram transmitidos verbalmente pela direção de informação na reunião constam diretrizes como: A TDM divulga e promove o patriotismo, o respeito e o amor à pátria e a Macau; A TDM é um órgão de divulgação da informação do Governo Central da República Popular da China e de Macau; O pessoal da TDM não divulga informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China e apoia as medidas adotadas por Macau. A Teledifusão de Macau assegura o serviço público no território, cuja língua portuguesa também é a oficial, conta com canais de televisão em português, inglês e chinês e ainda com rádio em língua portuguesa e chinesa.

Tal como foi defendido na Assembleia Nacional Popular chinesa, na semana passada, e apoiado publicamente pelo poder executivo de Macau, a carta que foi lida aos jornalistas aponta ainda que a TDM apoia o princípio fundamental de que a Região Administrativa Especial de Hong Kong é governada por patriotas.

Em duas entrevistas consecutivas no início da semana, a primeira à televisão estatal chinesa, CCTV, e a segunda à China News Service, a segunda maior agência de notícias estatal da China, a tónica do discurso do chefe do Governo, Ho Iat Seng, foi a garantia do patriotismo em Macau, ensinado desde a infância, e que a base da educação no território e em Hong Kong tem de ser patriota para não ser influenciada pelo estrangeiro.

Durante a reunião na TDM foi dito ainda que para a concretização destes objetivos, a Comissão Executiva fará os ajustamentos necessários ao nível da sua estrutura, pessoal e programação.

Até agora o único deputado que criticou as novas diretivas foi o pró-democrata Sulu Sou: “as mãos das autoridades já esperavam chegar ao mundo português e inglês como [fizeram com] os meios de comunicação chineses há cerca de 8/10 anos”, criticou.

O mais jovem deputado de Macau, de 29 anos, disse ainda que, apesar de a TDM receber dinheiro público, o “Governo deve respeitar altamente o profissionalismo e a autonomia dos meios de comunicação”.

Deputado de Macau critica diretiva da TDM que impede divulgação de informações anti-China

Num site de divulgação oficial do Governo assegura-se que “Macau é um território onde existe liberdade de imprensa, expressão e edição” e que há legislação específica que garante que os profissionais dos órgãos de comunicação social têm o direito de informar, de se informar e de ser informados, e gozam de autonomia no exercício das suas funções”

A transferência da administração de Macau ocorreu no final de 1999, pouco mais de dois anos depois de a China ter recuperado a soberania sobre a antiga colónia britânica de Hong Kong. Na lei básica de Macau, miniconstituição do território que deverá estar em vigor até 2049, lê-se que “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação”. As duas regiões têm autonomia em todas as áreas, exceto na diplomacia e na defesa.

Associação de jornalistas de Macau preocupada com o livre exercício do jornalismo na emissora pública

A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau mostrou-se esta sexta-feira preocupada com o livre exercício do jornalismo na emissora pública, devido às novas diretrizes que proíbem jornalistas de português e inglês de divulgarem opiniões contrárias às da China.

A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) “manifesta enorme preocupação pela gravidade das implicações de alguns aspetos referidos (…) no que diz respeito ao livre exercício do jornalismo e às condições dos jornalistas para exercerem a sua atividade com profissionalismo e dignidade“, apontou a associação em comunicado.

Entre os vários pontos transmitidos às redações portuguesa e inglesa numa reunião de quarta-feira onde foram comunicadas as novas diretivas, a AIPIM demonstrou muita preocupação com “uma indicação de impossibilidade do pessoal da TDM de ‘divulgar informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da RPC‘” e ainda o apoio às medidas adotadas por Macau.

“O ponto em questão é particularmente preocupante na medida em que colide com o pluralismo informativo e a busca do contraditório – princípios basilares da atividade profissional dos jornalistas”, para além de gerar “um clima de incerteza e receio, o qual tem um impacto muito negativo no trabalho do jornalista”.

Demonstrando respeito pela autonomia da linha editorial dos orgãos de comunicação social, a AIPIM considera também que o ponto em questão pode entrar em colisão com o parte do Manual Editorial da TDM: “A ‘regra das duas fontes’ deve ser aplicada rigorosamente pelos [nossos] jornalistas quando transmitem uma notícia ou informação importante”, citou a associação.

Sindicato dos Jornalistas de Portugal solidário com profissionais da Teledifusão de Macau

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal manifestou “enorme preocupação” e “solidariedade” com os jornalistas em língua portuguesa e inglesa da Teledifusão de Macau (TDM), após diretivas proibindo-os de divulgar informações contrárias às políticas da China.

Numa nota enviada hoje à agência Lusa, o SJ disse que “acompanha a ‘enorme preocupação’ manifestada pela AIPIM”, a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, em relação às “novas orientações editoriais a serem implementadas nos serviços em português e inglês da Teledifusão de Macau (…), transmitidas aos jornalistas da TDM numa reunião que teve lugar no dia 10 de março”.

Na nota enviada à Lusa, o Sindicato dos Jornalistas de Portugal alertou “para as implicações de tais orientações para o livre exercício do jornalismo em Macau, onde trabalha um número significativo de profissionais portugueses”. De acordo com a nota, a presidente da Direção do SJ, Sofia Branco, “já falou ao telefone com o presidente da AIPIM”, José Carlos Matias, “tendo este assegurado que existem canais de diálogo internos para tentar resolver a situação reportada”. O SJ expressou igualmente “a sua solidariedade com os profissionais dos serviços em português e inglês da TDM”, através da AIPIM.