“Estou farto de vitórias morais e estes árbitros, que foram os mesmos que no Europeu de 2020 nos apitaram o jogo para o quinto lugar, na altura sabiam as regras. Hoje parece que já não sabiam tão bem, especialmente quando a Croácia parecia que ia perder… Ainda não temos a força suficiente nestas batalhas e a Croácia tem e sempre teve”. Portugal chegou a ter seis golos de vantagem no início da segunda parte. O improvável bilhete para Tóquio estava na mão. Depois, tudo mudou. O ataque bloqueou, a arbitragem começou a ter critérios diferentes nas exclusões, o jogo ofensivo dos balcânicos errou menos e aumentou a eficácia. De forma inglória, a Seleção perdeu por um golo e em vez de fazer um encontro de consagração frente à França tinha uma missão quase impossível.

Inglório: Portugal perde seis golos de vantagem frente à Croácia e tem de ganhar à França para ir aos Jogos Olímpicos

“O Duvnjak devia ter visto o cartão vermelho. Já vimos as imagens. Os árbitros entenderam que não foi nada. Ainda por cima, ficámos sem o Rui Silva em três ataques, porque aqui no andebol, para não acontecer como no futebol, somos mais nobres. Mas se ele tivesse levado o vermelho, como devia, eles ficavam com menos um e, como haveria essa sanção, mesmo assistido, o Rui não teria de sair. Agora? Agora vamos ver como esta gente está. Vamos tentar juntar os cacos e fazer uma obra de arte amanhã [domingo]”, acrescentou Paulo Pereira. Como aconteceu no Europeu de 2020 ou no Mundial deste ano, o selecionador recusou focar-se no momento inédito de discutir uma qualificação olímpica e assumiu a frustração por ter ficado com esse objetivo mais longe sem ser por culpa própria mas sim de terceiros mas nem por isso recusava continuar a sonhar com o apuramento.

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Depois da vitória histórica no arranque do Europeu de 2020, a derrota pesada no Mundial deste ano mostrou que existe ainda uma diferença grande entre França e Portugal. Era essa a diferença que a Seleção tentava esbater ou até mesmo anular, com Alfredo Quintana no coração (e os gauleses tiveram uma enorme atenção pela memória do guarda-redes considerado por todos um dos melhores da atualidade) mas sem os lesionados Humberto Gomes, Gilberto Duarte, Alexis Borges e Miguel Martins, baixa este domingo após o encontro com a Croácia. Portugal teria sempre uma tarefa muito difícil, as ausências tornavam a missão quase impossível mas um jogo de completa superação após 15 minutos de entrada em falso deu um lugar na história a um grupo que justificou o porquê da alcunha dos Heróis do Mar e que deixou a melhor homenagem possível ao companheiro e amigo Alfredo Quintana. Conforme prometido, todos irão tatuar os anéis dos Jogos. Mas essa imagem representará bem mais do que isso.

À semelhança do que aconteceu no último encontro do Europeu, e talvez de forma mais acentuada, o início revelou uma diferença entre as duas equipas que nesta altura até parece ser menor do que o resultado expressava. E tudo porque, no plano ofensivo, a Seleção teve o pior arranque de encontro não só do torneio pré-olímpico mas das últimas grandes competições: poucas soluções, algumas falhas técnicas, fraca percentagem de concretização, um Vincent Gerard gigante na baliza. Paulo Pereira ainda parou o encontro quando a França ganhava por 7-2 mas nem por isso o rumo da partida mudou, com os gauleses a encontrarem sempre soluções para marcar em contra-ataque ou ataque organizado perante uma defesa mais permeável exposta por Luc Abalo e N’Guessan.

Os gauleses chegaram a ter seis golos de vantagem, dobrando a primeira metade do tempo inicial com 11-5 e uma percentagem de 79% de eficácia de remate contra apenas 42% de Portugal. A retoma parecia complicada perante aquilo a que se assistia em Montpellier e a facilidade com que a França dominava por completo o encontro mas o coração da Seleção foi maior, a equipa transcendeu-se, foi em busca de melhor sorte e aproveitou o minuto 18, o primeiro em que conseguiu marcar dois golos seguidos sem resposta, para iniciar uma retoma que permitiu que a equipa reduzisse a desvantagem para apenas um golo ao intervalo (13-12) com quatro golos de Luís Frade, que marcou os quatro remates tentados, e três de Pedro Portela. Mais do que o resultado, Portugal recuperou de uma entrada falhada e mostrou que ganhou nos últimos anos uma competitividade assinalável nos melhores palcos. E ter deixado o conjunto da casa mais de seis minutos sem marcar dava esperança para o segundo tempo.

António Areia empatou a abrir o segundo tempo de sete metros, Portugal conseguiu resistir depois da melhor forma à primeira exclusão (Alexandre Cavalcanti) e começou depois a arriscar o 7×6 de forma mais regular, tirando Frade do encontro para dar algum descanso a um leque de opções espremido em quantidade e com dois encontros seguidos em cima para arriscar Iturriza e Salina em simultâneo. Era um risco, qualquer falha poderia dar um golo com remate direto, mas estes minutos poderiam ser históricos dentro de uma presença que já era inédita. E até com o encontro apenas por um de distância (17-16), Paulo Pereira parou o jogo para deixar um toque a reunir à equipa: para ganhar era preciso defender melhor, com mais agressividade e com maior intensidade. Logo no lance seguinte, a França não marcou. E, pela primeira vez, André Gomes colocou Portugal na frente (18-17).

O jogo andaria assim durante vários minutos: a França em 6×6 e a conseguir criar situações de superioridade através de desequilíbrios individuais que procuravam depois o elemento sem defesa, Portugal em 7×6 a trabalhar para a segunda linha entre pivôs e pontas com António Areia em destaque sem nunca perder a confiança mesmo depois de ter visto um livre de sete metros travado. Essa era a principal tónica: se no ataque a superioridade numérica fazia diferença, na defesa o desgaste físico era demasiado evidente e a França aproveitou da melhor forma a superioridade pela exclusão de Iturriza para chegar aos dois golos de diferença. Mais uma grande defesa de Gerard a um remate da ponta esquerda de Branquinho parecia ser o fim mas nova intervenção de Capdeville, um golo de Iturriza e uma recuperação com golo de Rui Silva a cinco segundos do final carimbou o inédito apuramento para os Jogos Olímpicos. Sem Quintana, por Quintana, para Quintana. No fecho, com Quintana.