Em três anos foram vendidas mais de 40 portefólios de créditos e imóveis, considerados ativos não produtivos, por instituições financeiras em Portugal. A maioria destas vendas foi protagonizada por bancos e o valor nominal dos ativos alienados ultrapassa os 15 mil milhões de euros, de acordo com um levantamento enviado pelo Novo Banco à comissão parlamentar de inquérito às perdas registadas pelo banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

A listagem das operações surge em anexo a uma carta enviada pelo presidente da instituição ao líder da comissão de inquérito na qual António Ramalho responde às críticas feitas por João Costa Pinto, ex-vice-governador do Banco de Portugal, à forma como o Novo Banco tem vindo a misturar “alhos e bugalhos” (ativos bons e maus) nas carteiras que coloca em venda acelerada junto de fundos, algo que é uma “receita para o desastre”.

Na missiva, Ramalho explica os fundamentos que estão por trás da venda de ativos não produtivos (de má qualidade) e sublinha que visam “assegurar o cumprimento do quadro regulatório” e a proteção dos balanços dos bancos. Pede ainda a Fernando Negrão – que preside à comissão de inquérito – que a informação que enviou por carta seja transmitida aos deputados da comissão a “fim de evitar a valorização de opiniões imprecisas e totalmente desfasadas da realidade”.

Costa Pinto foi chamado na qualidade de coordenador da avaliação à ação Banco de Portugal no BES, mas deu a sua opinião sobre a forma como estão a ser geridos, e vendidos em “fire-sale” (vendas aceleradas), os ativos problemáticos do Novo Banco, e como geram perdas que depois justificam chamadas de capital ao Fundo de Resolução, tema que é aliás central neste inquérito parlamentar.

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Costa Pinto ataca vendas do Novo Banco. “Misturar alhos com bugalhos é receita para desastre” e só podia dar perdas

Para enquadrar as polémicas vendas de ativos do Novo Banco no quadro da “boa gestão bancária” a qual “aconselha desde há muito a venda rápida de ativos não produtivos de forma a não onerar os balanços dos bancos”. o presidente do Novo Banco remete uma lista de 173 operações realizadas nos últimos três anos por instituições ibéricas em Portugal e Espanha, incluindo 11 portuguesas.

Olhando apenas para as vendas feitas de carteiras em Portugal, verificam-se que os ativos associados a estas vendas tinham um valor nominal de 15,2 mil milhões de euros. Um terço deste valor nominal (valor de balanço que não inclui imparidades ou descontos associados à venda) corresponde às carteiras alienadas pelo Novo Banco entre 2019 e 2020 avaliadas em 5,1 mil milhões de euros.

A lista identifica os nomes dados aos portefólios — quase sempre em inglês e com várias referências a animais — Tiger, Lion, Eagle, Wolf, Snipe, Confidential, Indian, Crown, Guincho Finance, Atlas, Brick, Neptune — mas não especifica os ativos que os compõem, nem nos impactos que as transações tiveram no balanço das instituições. Este tipo de limpeza dos ativos ditos não produtivos, por exemplo créditos em incumprimento, só pode ser feito quando há folga de capital para cobrir os buracos (perdas) que a sua transferência a um preço de desconto deixa no balanço das instituições.

Caixa Geral de Depósitos e BCP foram os bancos portugueses que maior número de vendas realizaram, com a Caixa a ser o grande vendedor de 2018, ao ceder carteiras de mais de três mil milhões de euros, o que corresponde à fase de implementação do plano de reestruturação do banco público após a recapitalização de 2017. Apesar de ter realizado menos operações, o Novo Banco surge como a instituição que protagonizou a alienação de carteiras com o maior valor nominal, sobretudo em 2019, quando foram vendidos três portefólios — Nata I e Nata II (créditos) e Sertorius (imóveis) de 4.300 milhões de euros, quase metade do valor nominal das vendas de carteiras nesse ano em Portugal.

Na missiva aos deputados, o presidente do Novo Banco destaca o “caso específico” da instituição em que “os compromissos assumidos pelo Estado português perante a Comissão Europeia no contexto do processo de auxílios de Estado no âmbito da venda do Novo Banco implicaram um processo de reestruturação entre 2017 e 2020 definindo um quadro temporal muito preciso para a execução da sua reestruturação”. Recorda regulamentos,  recomendações e as inspeções do Banco Central Europeu, bem como a lei bancária que impede um banco de manter por mais de dois anos um imóvel que resultou de uma recuperação de crédito.

E acaba a citar a Danièle Nouy que, enquanto responsável pela supervisão do Banco Central Europeu, defendeu em 2018 a necessidade de uma redução drástica de créditos não produtivos (NPL).

“E eu pergunto, se não agora quando? A minha primeira mensagem para os bancos é esta, fazer muito pouco demasiado tarde não é uma opção viável”.

Em 2020, há uma clara travagem nas alienações de carteiras, sendo referidas apenas quatro com um valor nominal inferior a mil milhões de euros, num ano de crise económica, mas também de grande pressão sobre o Novo Banco. A instituição foi mesmo impedida de vender ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente pelo Fundo de Resolução, face às suspeitas levantadas sobre perdas ampliadas por vendas a desconto, de forma a maximizar o cheque dos apoios públicos. O banco ainda não revelou os resultados de 2020 quando se vai saber a dimensão das perdas nestes ativos e qual o valor a pedir ao Fundo de Resolução.

Já este ano, o Novo Banco anunciou a venda de outra carteira que deixou de fora ativos protegidos.

Novo Banco vende créditos de má qualidade, mas afasta impacto negativo nos resultados