O Novo Banco devia ter começar a ter lucros logo em 2016, segundo as projeções feitas na sequência da resolução do Banco Espírito Santo, mas as imparidades começaram a aparecer de forma “inesperada” e que “foram-nos surpreendendo”, indicou José Berberan Ramalho, ex-administrador do Banco de Portugal.

As imparidades inesperadas surgiram na carteira do legado do antigo BES afirmou Berberan Ramalho esta segunda-feira na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. Foi neste quadro que o antigo administrador do Banco de Portugal explicou o fracasso da primeira tentativa de venda do banco em 2015, ainda com o Governo de Passos Coelho. “Para vender é preciso arranjar um comprador”. Berberan Ramalho afirmou que o Banco de Portugal não conseguiu chegar à fase decisiva da venda com nenhum dos três interessados.

“Em 2015 estava previsto ter lucros e o banco teve prejuízos (muito avultados) e os compradores sabiam que e isso era muito perturbador por causa da incerteza das necessidades de capital e dum novo supervisor (Mecanismo Único de Supervisão) que exercia a sua autoridade com grande poder discricionário”.

“Em 2015 pensávamos que isto estava resolvido e com a situação limpa e depois logo em 2016 começaram a aparecer problemas. Foram constantes surpresas negativas.”

O ex-responsável confirmou ainda que administração do Novo Banco previa que as perdas em ativos problemáticos para os quais a Lone Star queria garantia pública rondavam os 1,5 mil milhões de euros. Mas isso não queria dizer que houvesse lugar a injeções do Fundo de Resolução na mesma proporção. Tudo dependia de como essas perdas se materializasse no tempo e penalizassem os rácios de capital, esclareceu já no final da audição ao deputado do PCP, Duarte Alves.

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Deputados estranham saída de Ramalho do Fundo um mês antes de assinar contrato com a Lone Star

José Berberan Ramalho assumiu a pasta da supervisão em 2014 já depois da resolução do Banco Espírito Santo (BES) e esteve no Fundo de Resolução até fevereiro de 2017, um mês antes do contrato ser assinado com a Lone Star para a venda do Novo Banco. O ex-presidente do Fundo afasta qualquer ligação entre a sua saída e o contrato, explicando que já tinha pedido para sair várias vezes depois do ter terminado o mandato. Esta coincidência temporal suscitou estranheza em vários deputados. Ramalho justificou que não sabia quando é que o contrato ia ser assinado.

Para ex-presidente do Fundo de Resolução, sublinhou que o banco tinha uma “tenaz”. “As imparidades estavam a consumir capital e o supervisor (que já estava nas instâncias europeias) a exigir mais capital. Bruxelas proibia nova injeção de capital pública e os privados que sabiam desta situação “retraíam-se”. O antigo administrador do Banco de Portugal lembra a crise das bolsas chinesas no verão de 2015, e dois dois interessados — a Anbang e a Fosun — eram chineses — e abandonaram o processo sem sequer assinar um memorando de entendimento, explicou ao deputado Miguel Matos do PS.

Ex-Diretora-Geral do Tesouro absteve-se na nomeação de António Ramalho para o Novo Banco

O antigo responsável foi questionado como acionista inicial do Novo Banco. E reconheceu que o objetivo então anunciado de obter um encaixe com a venda que permitisse compensar os 4.900 milhões de euros colocados no banco, com fundos públicos, era pouco realizável, pelo menos de uma só vez. E não sabe porque é que Elsa Roncón, ex-diretora-geral do Tesouro e representante do Estado para o Novo Banco, se absteve na nomeação de António Ramalho em 2016 para a presidência do banco, como revelou Mariana Mortágua. Também algumas questões levantadas por Duarte Alves do PCP sobre o processo de venda da Tranquilidade, ficaram sem respostas. Houve aindae respostas de microfone desligado sobre o processo de venda falhado em 2015 por causa de cláusulas de confidencialidade.

Lone Star queria garantia do Estado para ativos de 7,8 mil milhões. José Ramalho diz que solução final foi melhor

Já em relação ao segundo processo de venda à Lone Star, Berberan Ramalho defende que a solução adotada para cobrir perdas pelo mecanismo de capital contingente foi melhor para o Estado do que a proposta da Lone Star que queria uma garantia para perdas nos ativos herdados do BES no valor nominal de 7,8 mil milhões de euros. Na segunda alternativa havia uma garantia dada sob a forma de proteção dos rácios de capital. Acabou por ser melhor que a primeira. As perdas nesses veículos já ultrapassaram os 4 mil milhões de euros. E até agora pagou-se menos (cerca de 3.000 milhões de euros) e e está limitado aos 3.890 milhões de euros.

De onde vieram as imparidades, pergunta da deputada do PSD Sofia Matos? O antigo responsável assumiu que os ativos foram mal avaliados no quadro da resolução bancária. A avaliação inicial dos ativos transferidos foi excessiva e as imparidades foram aparecendo ao longo de 2015 e de 2016, foi isso que levou o Banco de Portugal realizar uma segunda fase da resolução com a transferência das obrigações seniores de dois mil milhões de euros do Novo Banco para o BES no final de 2015.

E apontou ainda o dedo à supervisão europeia que tinha um poder discricionário e à mudança de regras de capital. No entanto, admitiu também que as obrigações de reestruturação impostas pela Comissão Europeia e que resultaram na necessidade de vender ativos rapidamente, também contribuíram para essas perdas.

Exposição aos grandes devedores não disparou em 6 meses, perímetro das dívidas analisadas é que foi alterado

Pedro Duarte Neves não sabe explicar aumento de exposição a grandes devedores 6 meses após resolução do BES

Nesta audição, Berberan Ramalho deu ainda explicação para os aumentos de exposição do Novo Banco a grandes devedores que ocorreram num espaço de apenas seis meses (em alguns casos mais de cem milhõs de euros), de acordo com as duas auditorias que fizeram a avaliação em agosto e dezembro de 2014. A deputada do Bloco de Esquerda tinha confrontado o ex-administrador do Banco de Portugal, mas Pedro Duarte Neves remeteu para a entidade de Resolução. José Ramalho foi estudar o tema e tem uma justificação para Mariana Mortágua.

A principal razão será o perímetro das dívidas e empresas avaliadas pela PwC em agosto e pela EY em dezembro. O trabalho da EY foi uma espécie de consultoria para o Banco de Portugal para apoiar as negociações de venda em 2015 e tinha já a perspetiva de realização e não apenas contabilísticas. O âmbito dos devedores era diferente, o perímetro das empresas e dívidas era distinto. “Em seis meses, o Novo Banco não tinha possibilidade, nem meios (estava com a corda na garganta) para aumentar essa exposição.”