Se não tivessem sido os computadores próprios dos funcionários públicos, o teletrabalho no Estado durante a pandemia “ter-se-ia revelado de execução muito mais difícil“, concluiu a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) com base num inquérito sobre o regime à distância, divulgado esta terça-feira. Mas há funcionários do Estado que tiveram de recorrer mais do que outros aos seus meios pessoais: 40,09% dos trabalhadores não dirigentes afirmam ter tido que usar exclusivamente os meios próprios para poder trabalhar, mas no caso dos dirigentes este valor não ultrapassa os 15,93% — porque o Estado lhes atribuiu mais meios.

O inquérito foi feito entre os dias 5 e 22 de janeiro de 2021, tendo sido obtidas 4.445 respostas de trabalhadores e dirigentes da Administração Pública (uma pequena amostra dado que, no primeiro confinamento, chegaram a estar 68 mil trabalhadores em teletrabalho, número que está atualmente nos 60 mil). As conclusões do estudo podem, portanto, apenas ser indicativas da atribuição dos instrumentos tecnológicos no regime à distância.

Entre os trabalhadores inquiridos que estiveram em teletrabalho, 37,02% dizem que a entidade empregadora não lhes disponibilizou quaisquer meios essenciais para exercerem a atividade à distância e 28,28% afirmaram que apenas o fez de forma parcial. Já 34,70% adiantam que houve essa disponibilização. Mas há diferenças significativas entre o fornecimento de meios aos trabalhadores e aos dirigentes. É que os segundos foram privilegiados, conclui o estudo.

Olhemos para os dados quando é feita uma desagregação entre dirigentes e não dirigentes. “As entidades empregadoras privilegiaram a disponibilização integral de meios tecnológicos aos dirigentes (59,54%), comparativamente aos trabalhadores (31,08%)”, nota a DGAEP.  Já “40,09% dos trabalhadores afirma ter tido que recorrer exclusivamente a meios próprios para poder trabalhar“, mas no caso dos dirigentes este valor não ultrapassa os 15,93%.

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“Dos dados recolhidos resulta evidente que sem os meios tecnológicos particulares fornecidos pelos próprios teletrabalhadores, o teletrabalho na administração pública central durante a pandemia ter-se-ia revelado de execução muito mais difícil“, atesta o estudo.

Como o Observador já tinha escrito na semana passada, equipar os funcionários públicos com os equipamentos para o regime do teletrabalho custou, em 2020, 10,8 milhões de euros, segundo os dados da Direção-Geral do Orçamento (DGO). Deste valor 9,7 milhões tiveram como destino “aquisições de equipamento informático”, o que inclui computadores e equipamentos para videoconferências (como monitores, auriculares ou câmaras). Os restantes 1,1 milhões serviram para equipamento de software.

O inquérito da DGAEP só abrange os primeiros dias do novo confinamento, não refletindo eventuais investimentos feitos em fevereiro ou março. Porém, os dados da DGO ajudam a ter uma ideia: até fevereiro foram gastos mais 100 mil euros para equipar a função pública.

O Observador questionou o Ministério da Administração Pública sobre quantos trabalhadores do Estado efetivamente receberam equipamentos tecnológicos durante a pandemia para estarem em teletrabalho. Fonte oficial respondeu que como “a identificação e disponibilização dos equipamentos necessários compete a cada empregador público, esta área governativa não dispõe de dados centralizados sobre esta matéria“.

Equipar a função pública para o teletrabalho custou 10,8 milhões em 2020

O estudo da DGAEP mostra também que a carreira com maior distribuições de meios tecnológicos foi a de informática, seguida pela carreira de inspeção. “Com efeito, apenas cerca de 18% dos respondentes de ambas as carreiras alegam não ter recebido qualquer equipamento por parte dos serviços.”

Dois em cada 3 consideram custos do teletrabalho como um dos pontos mais negativos

Até março de 2020, o primeiro mês da Covid-19 em Portugal, o teletrabalho no Estado tinha uma expressão muito residual. Antes da chegada da pandemia, 17 das 29 entidades inquiridas tinham 1% ou menos de trabalhadores em teletrabalho (6 das quais sem qualquer experiência). “Os valores apresentados traduzem uma inexperiência quase absoluta destas entidades em matéria de teletrabalho“, aponta a DGAEP. Os principais fatores de resistência ao teletrabalho, “apesar de não se apresentarem com exuberância”, eram “essencialmente decorrentes de um “desconforto” dos dirigentes relativamente à adoção desta nova forma de organização do trabalho”.

Mas com a pandemia, e a obrigatoriedade do teletrabalho, este regime generalizou-se e chegaram a estar abrangidos 68 mil funcionários públicos, segundo um balanço feito em maio do ano passado. O número foi diminuindo a partir de junho, altura em que o teletrabalho deixou de ser obrigatório, mas voltou a subir com as novas regras implementadas em novembro (para os concelhos de risco) e em janeiro (para todo o país).

A DGAEP procurou perceber que avaliação fazem os funcionários do Estado sobre as vantagens e as desvantagens do teletrabalho. No lado positivo, destaque para o “ganho de tempo pelo facto de se evitarem deslocações” (identificado por 72% dos inquiridos como a principal vantagem), enquanto que o menos valorizado foi o “contributo para a diminuição da poluição em virtude de se diminuírem as deslocações”.

Já quanto aos pontos negativos, 78% dos respondentes identificam o “menor contacto presencial com os colegas” como o pior do teletrabalho, e 66% apontaram os gastos associados ao exercício do teletrabalho como um dos fatores mais negativos. De facto, na apresentação do estudo, a ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão, reconheceu que “em muitos casos não estarão a ser pagas” as despesas com internet e telefone aos funcionários públicos e remeteu para o Ministério do Trabalho “uma vez que esta é uma matéria regulada no Código do Trabalho e que não tem uma regulamentação específica na Administração Pública”. A tutela de Ana Mendes Godinho já esclareceu que os empregadores devem pagar os custos com internet e telefone, mas a lei não foi clarificada nesse sentido, o que deixa a porta aberta a interpretações díspares.

Além disso, o teletrabalho parece não ter afetado a perceção de produtividade dos trabalhadores. Cerca de 60% dos dirigentes inquiridos “avalia a qualidade do trabalho como sendo a mesma, independentemente dos seus trabalhadores estarem a trabalhar presencialmente ou em teletrabalho”. Mais: 27,27% dos dirigentes acham que “a qualidade do trabalho melhorou ou melhorou muito quando desempenhado em regime de teletrabalho e apenas 12,41% admitem que esta se tornou pior ou muito pior”.