Ao fundo do palco, uma casa de pés de madeira altos, aparentemente frágil, onde cabem tecidos, portas, instrumentos musicais. Cá em baixo, nas duas laterais, os intérpretes perfilam-se, antes de iniciarem um desfile estranho, um movimento que depressa denuncia que estas figuras não são bem humanas, movem-se de outra maneira, mais próxima dos abutres. O som é encantatório, que sugere vida sem velocidade, uma quase-dança que só aqui existe.
Estamos, afinal de contas, num novo território criado pelo Teatro Griot, estamos n’O Riso dos Necrófagos, título do novo espectáculo da companhia (que está em cena na Culturgest de terça a sexta, às 20h), que gerou um programa que ultrapassa o palco e que se compõe por uma conversa online entre Zia Soares e Raquel Lima, investigadora de estudos pós-coloniais chamada Que Ritual Entre a Vida e a Morte? E ainda Utopia Machim — Resistência no Lugar dos Tempos, a decorrer dia 27 de Abril, às 18h30, na Culturgest, com moderação e intervenção de Beatriz Gomes Dias (professora e deputada no Assembleia da República eleita pelo Bloco de Esquerda, bem como candidata do mesmo partido à Câmara Municipal de Lisboa para as próximas eleições autárquicas), Inocência da Mata (professora e investigadora são-tomense do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Miguel de Barros (sociólogo guineense e membro do Conselho para o Desenvolvimento da Investigação em Ciências Sociais em África) e António Pinto Ribeiro (investigador e programador cultural, que tem seguido o trabalho do Griot desde o início).
A mais recente criação do Griot — com direcção de Zia Soares — serve-se, como ponto de partida, da Guerra da Trindade (também conhecida por Massacre de Batepá), um conflito que decorreu em 1953 em São Tomé e Príncipe e que culminou com o assassinato de um número ainda hoje incerto de cidadãos locais — aponta-se por volta de 500 pessoas — ainda antes do deflagrar concreto da Guerra Colonial. Os corpos foram jogados ao mar ou depositados em valas comuns, tudo porque alguns forros (grupo etnocultural dominante nas ilhas de São Tomé e Príncipe) se recusaram a trabalhar nas roças de cacau e de café. Atualmente, a 3 de fevereiro, é feriado nacional em São Tomé e Príncipe, dia de celebração ritualística, uma espécie de trajeto onde os vivos homenageiam os mortos.
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