O Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) exigiu este domingo ao Ministério das Finanças o arquivamento imediato de um processo de inquérito disciplinar que está em curso contra um funcionário da Autoridade Tributária por alegado incumprimento dos deveres de exclusividade — e vais mais longe, exigindo um “pedido de desculpas” por parte do Governo àquele movimento cívico que se dedica à defesa dos interesses da histórica região da língua mirandesa.

Em causa está uma polémica que eclodiu na semana passada na sequência de uma denúncia feita pelo presidente do PSD, Rui Rio, no Parlamento.

A Autoridade Tributária abriu um processo de inquérito disciplinar a um funcionário, José Maria Pires, suspeitando de que o trabalhador do fisco tinha feito um parecer jurídico sobre o impacto fiscal da venda de um conjunto de barragens da EDP no Rio Douro à empresa francesa Engie. Esse parecer foi, no ano passado, distribuído por vários agentes políticos e órgãos de soberania. O problema? O parecer teria sido feito para o MCTM, de que José Maria Pires é membro, violando o dever de exclusividade a que os trabalhadores do fisco estão obrigados. (Pode ler aqui o documento em causa.)

O caso foi trazido a público por Rio Rio, que classificou o episódio como “inadmissível e pidesco”. O primeiro-ministro, António Costa, concordou que o caso, “se aconteceu, é absolutamente inaceitável“. Já o Ministério das Finanças viria a dizer ao Observador que não tinha originalmente conhecimento do processo em causa, mas acrescentou que o inquérito resultara de uma comunicação do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais onde foi identificada, entre os documentos, a tal nota jurídica elaborada pelo funcionário da AT — motivo pelo qual foi instaurado um inquérito para perceber se o documento fora realizado em circunstâncias legais.

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Fisco abriu processo disciplinar a funcionário para avaliar se fez parecer jurídico para fora sobre venda de barragens

Agora, o MCTM vem desmentir o Ministério das Finanças e exigir ao Governo um pedido de desculpa. O movimento explica que “tomou conhecimento pela Comunicação Social do ‘processo de inquérito’ instaurado pela Autoridade Tributária (AT) a propósito de uma conduta alegadamente praticada por um seu alto funcionário, o doutor José Maria Pires, nosso ilustre conterrâneo”. Num comunicado enviado às redações, o MCTM sublinha que também soube pela imprensa “que o Ministério das Finanças invoca como justificação para o dito ‘processo de inquérito’, a elaboração de um alegado ‘parecer jurídico’, relativo a impostos de venda do trespasse da concessão das barragens do Douro Internacional“.

Contudo, o MCTM diz que não pediu o parecer, pelo que José Maria Pires não deve ser sujeito a qualquer processo por ter realizado qualquer documento fora das suas funções.

O MCTM “nunca pediu, nem recebeu qualquer parecer ou nota jurídica do doutor José Maria Pires, nem de outra pessoa, pelo que desmente categoricamente as alegações do Ministério das Finanças”, lê-se no comunicado. “Os documentos apresentados pelo MCTM reúnem contributos de todos os seus elementos e de membros da comunidade em geral. O documento a que se refere o Ministério das Finanças é uma nota jurídica, elaborada a pedido do Ministro do Ambiente, na reunião que realizou com este Movimento, em 2 de setembro de 2020, tendo sido posteriormente entregue ao Senhor Presidente da República. Nesse documento o MCTM alertou para a probabilidade do negócio da venda das barragens do Douro Internacional ser sujeito a um planeamento fiscal agressivo e exortou o Governo a só autorizar a sua celebração depois de garantido o cumprimento de todas as obrigações fiscais. O documento foi entregue com espírito construtivo e teve como objetivo alertar o Governo a defender o interesse público neste negócio.”

O Movimento Terra de Miranda tem sido uma das entidades mais críticas do negócio das barragens no Douro, no valor de 2,2 mil milhões de euros, exigindo ao Governo que a transação seja sujeita aos impostos devidos — de que a EDP diz estar isenta.

“O MCTM é uma emanação da sociedade civil, é independente e apartidário, é inclusivo e construtivo, lutando pela defesa dos interesses das populações da Terra de Miranda e de Portugal, no exercício da democracia participativa”, afiança o comunicado, que termina com a recusa de “ações intimidatórias e persecutórias que atentem contra os direitos civis e democráticos” e com uma exigência tripla: “O arquivamento imediato do ‘processo de inquérito’ por não haver razões que o justifiquem; um pedido de desculpas ao MCTM; o máximo rigor e independência da administração fiscal na aplicação da lei fiscal ao negócio da venda das barragens“.