Baralhar para voltar a dar: é assim que os Sean Riley & Slowriders lidam com o processo criativo, contornando a linearidade de um caminho que já tem 15 anos nas pernas, nos pedais, nos teclados e nas guitarras. É assim também que lidam com a vida, com as suas doces e amargas partidas. Posto isto, é perfeitamente natural que um álbum como LIFE chegue agora, sacudindo a poeira acumulada de uma errância por desertos americanos que lhes estão no ADN e vestindo-lhes por cima da sua pele de coiote as purpurinas da eletrónica, como se de um colete kitsch se tratasse.

Não sendo uma extravagante bola de espelhos de um saudoso clube noturno dos anos oitenta, daqueles que têm neons na entrada, cocktails servidos em copos de Vodka Martini à James Bond e muitas permanentes esvoaçantes, LIFE é, porém, um álbum luminoso assente numa vontade de celebrar a vida sem entrar em euforias. “Queríamos um disco que fosse mais linear, mais de ambientes e menos acidentado, dinâmico e dramático como tinha sido o disco anterior. Tínhamos essa ideia de alguma estabilidade e luminosidade, por contaste com o que tínhamos feito antes”, diz Afonso Rodrigues, vocalista do projeto nascido das ondas hertzianas da RUC (Rádio Universidade Coimbra) e tornado banda já em palco, aquando da estreia no Teatro Académico Gil Vicente, corria o ano de 2006.

[“Every Time”:]

No trabalho agora apresentado, as guitarras foram sendo gradualmente substituídas por mais teclados e os beats assumiram um protagonismo nunca antes visto. Este processo teve duas fases distintas: já com o primeiro single “Every Time” cá fora e o álbum pronto para ser apresentado em 2020, a pandemia insurgiu-se descaradamente na vida da banda para reescrever a história de LIFE. A pandemia e, importante mencionar, um insólito e “estúpido” corte num dedo: “No dia 1 de janeiro de 2020, já a antecipar que iria ser um ano maravilhoso, cortei-me num dedo a lavar louça. Foi um golpe grande e de cada vez que tentava tocar guitarra, o golpe abria. Estive dois ou três meses sem tocar guitarra.”

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A banda decidiu dar ouvidos a estes sinais do universo, reinterpretando as canções que já estavam escritas e, inclusivamente, substituindo parte do elenco do disco por novas criações. “Pelo menos metade do álbum foi escrito depois de irmos para confinamento”, revela Afonso, enumerando as canções que surgiram depois do corte e do vírus fatídicos: “Never Lonely”, “Love Life”, DiCaprio from Russia” e “Baby Girl”: “Diria que o disco seria bastante diferente se tivesse saído em 2020. Acho que temos um disco mais interessante agora”.

A capa de "LIFE", o novo álbum de Sean Riley & The Slowriders

Interessante também é a surpresa de ver como LIFE acaba, fechando duas mãos cheias de temas vincadamente marcados pela eletrónica com “Last One”, uma canção de homem solitário na sua mais pura estética country: ou seja, sentado sobre as suas histórias que se desenrolam em acordes simples e versos cantados pela voz de Filipe Costa. “É a primeira vez que há uma música num disco de Slowriders que não sou eu a cantar”, constata Afonso, que a achou lindíssima quando ouviu Filipe Costa distraído a dedilhá-la e trauteá-la durante uma sessão de ensaios. “É uma música escrita há muitos anos, em Coimbra. Na altura, o Filipe escrevia várias canções, mas acabava por nunca fazer nada com elas”. Ganhou agora corpo em LIFE para terminar o álbum num sítio que, qual Ouroboros, simboliza a ciclicidade da banda e o retorno ao princípio. “Pareceu-me absolutamente ajustada e necessária”. Trocando por miúdos: apesar de uma nova abordagem estética, a identidade de Sean Riley & Slowriders está perfeitamente vincada em LIFE e é talvez isso que “Last One” queira efetivamente reforçar.

Nesta linha de continuidade com o passado é impossível deixar de olhar para este novo álbum sem pensar em Bruno Simões. É o primeiro que a banda faz sem o seu histórico baixista, que desapareceu na madrugada de 9 de junho de 2016, quando o seu carro foi encontrado no tabuleiro da Ponte 25 de Abril com a porta aberta e a chave na ignição, mas é curiosamente (ou talvez não) o trabalho que mais gravita em torno do seu universo musical. “Tudo aquilo que trouxemos para este disco – a cena mais dançável, os beats – são coisas que sabemos que o Bruno ia adorar. Não estou a dizer que o fizemos por isso, mas fizemo-lo muito conscientes de que este seria um disco que ele adoraria fazer”. Provavelmente, reforça Afonso, seria o disco preferido de Bruno, cujo contributo na história da banda é absolutamente inquestionável: “Ele vai ser sempre uma parte muito importante daquilo que somos.”

[“Hide”:]

A celebração que LIFE sugere é, neste sentido, algo terapêutica. É a reunião de um grupo de amigos e músicos que ainda têm coisas a dizer uns aos outros e que sentem prazer em compor e a tocar juntos, encontrando nas canções o antídoto que os ajuda a lidar com a dor. “Na verdade, este disco é um milagre, porque conseguimos voltar a fazer música que nos interessava. De uma coisa muito negativa acabámos por conseguir retirar algumas coisas bastante boas para nós.”

É, no fundo, a constatação de Afonso Rodrigues, Filipe Rocha, Filipe Costa e agora de Nuno Filipe, que veio assumir o baixo deixado por Bruno Simões, de que querem continuar a deixar obra feita, caminhando na direção “da luz, do sol, do amor e das coisas que nos salvam”: “LIFE é uma celebração de todas as coisas boas que consegues tirar da vida”.

Às vezes essas coisas estão presas num sorriso, tudo o que basta “para ganhares o dia”, ou em momentos de comunhão, como os concertos. “Provavelmente não vamos conseguir fazer tantos como gostaríamos, mas também não vamos adiar mais a saída do álbum à espera que as condições melhorem para os concertos.” Nesta “estrada possível” que se prevê para 2021 e 2022, os Slowriders têm já dois pit stops agendados: a 15 de junho apresentam LIFE no Teatro Maria Matos, em Lisboa (€10), e no dia 18 sobem ao palco do Teatro Académico Gil Vicente (TAGV), em Coimbra (€15). “Temos mais algumas datas para a frente, mas são nestas duas que estamos realmente focados”.