Rita Matias, dirigente nacional do Chega e principal rosto da Juventude do partido, copiou excertos de um discurso de Giorgia Meloni, líder do partido de extrema-direita Fratelli d’Italia, durante a sua intervenção no III Congresso do Chega. No sábado à noite, em Coimbra, Rita Matias até citou Sá Carneiro no início do discurso e falou dos problemas de emprego e habitação dos jovens portugueses, mas na segunda parte do discurso — quando falou em questões como família, aborto ou ideologia de género — utilizou frases iguais ou muito similares às que a italiana tinha proferido no Congresso das Famílias, a 30 de março de 2019.

Questionada pelo Observador sobre as acusações de plágio, a dirigente do Chega diz que “é ridículo e lamentável que se esteja a fazer este juízo de valor pois é bastante comum que partidos com matrizes idênticas defendam os mesmos valores, abordem as mesmas questões, naturalmente aplicadas às respetivas realidades”. Rita Matias justifica a proximidade das frases, com a proximidade de valores, acrescentando que “temas como a defesa da família, da natalidade, da segurança e da defesa da valorização salarial da mulher e respetiva autonomia financeira são transversais a vários protagonistas da direita europeia.”

“Quem ouvir atentamente o discurso e o da Giorgia Meloni facilmente se apercebe que a minha intervenção é muito mais abrangente, em termos de temas, do que a da Presidente do Frateli”, diz a dirigente do Chega. E acrescenta: “Não é segredo nenhum que existem sempre, especialmente neste meio, referências políticas sendo que, no que toca à defesa do papel da mulher, da dignidade da vida humana e da família tenho algumas como Rocio Monasterio, Giorgia Meloni ou Abby Johnson.”

Que partes do discurso foram plagiadas?

O Observador foi olhar para os dois discursos para comparar as diferenças e as semelhanças. De facto, nos primeiros quatro minutos de intervenção (que no total rondou os nove minutos), Rita Matias faz uma radiografia aos problemas dos jovens portugueses, que naturalmente não tem relação com o discurso de Giorgia Meloni no Congresso das Família, em Verona (Itália), a 30 de março de 2019. Depois disso é que vêm os excertos que levaram às acusações de plágio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Cópia 1. A família natural fundada no casamento e o ‘não’ à ideologia de género

Giorgia Meloni:

“Dizem que somos retrógrados, que somos loucos, que somos obscurantistas, que é um escândalo que haja alguém que queira defender a família natural fundada sobre o matrimónio, que queira incentivar a natalidade, que queira dar um valor apropriado à vida humana, que queira defender a liberdade educativa, que queria dizer ‘não’ à ideologia de género.”

Rita Matias:

“Falo de família porque não é possível conceber outra forma de organização da sociedade que não parta da família. A célula base da sociedade, o primeiro espaço de vínculo e de relação. E parece que hoje em dia é um escândalo falar da família e defender a família natural, fundada sobre o matrimónio, que quer incentivar a natalidade, que queria dar um justo valor à vida humana, que queira ter a liberdade educativa, que diga não à ideologia de género.”

Aqui a imitação é evidente já que são repetidas expressões inteiras como o “escândalo de defender a família natural, fundada sobre a natalidade”, bem como a própria ordem e conteúdo das frases que se seguem sobre o valor da vida humana, a liberdade criativa e a ideologia de género.

Cópia 2. Os retrógados e a censura

Giorgia Meloni: 

“Chamam-nos retrógados, mas retrógados são aqueles que querem o regresso da censura em Itália, fazendo com que um encontro como este não possa ser celebrado”

Rita Matias:

“Chamam-nos de retrógrados, mas o que é absolutamente retrógrado é a doutrinação ideológica levada a cabo nas escolas e nas universidades. E tudo isto pago pelos contribuintes portugueses. O que é absolutamente retrógrado é querer trazer de novo uma cultura de censura para Portugal e dizem que os loucos somos nós?”

Rita Matias utiliza exatamente o mesmo termo de Giorgia Meloni para definir o que os críticos dizem dos membros do seu partido: “Retrógados”. Depois disso, conclui o mesmo: que são esses críticos os “retrógados” por quererem impor um regresso da censura do país. Há algumas pequenas diferenças na frase, mas há também várias palavras iguais.

Cópia 3. Aborto aos nove meses, bloquear o desenvolvimento de crianças

Giorgia Meloni:

Quer dizer que os loucos somos nós, loucos são aqueles que sustêm práticas como as barrigas de aluguer, o aborto aos nove meses e a tentativa de bloquear o desenvolvimento de crianças de 11 anos através de medicamentos.”

Rita Matias:

Nós, não. Loucura é defender a banalização do assassinato de criança no ventre materno. Loucura é bloquear com hormonas o desenvolvimento das crianças. Loucura é roubarem a inocência das crianças tendo em vista interesses económicos para impor uma ideologia perversa.”

A palavra utilizada por Giorgia Meloni foi “impresentabili”, que textualmente se traduziria para “não-apresentáveis”, mas que numa tradução livre também poderia ser traduzido como loucos ou pouco dignos. A palavra utilizada por Rita Matias é “loucos” e repete duas referências da italiana a este propósito: o aborto (Meloni diz aos nove meses) e o bloquear o desenvolvimento de crianças de 11 anos (Rita Matias faz alusão a tratamentos hormonais).

Cópia 4. O papel da mulher

Giorgia Meloni:

Dizem que queremos limitar a liberdade das mulheres, que as queremos em casa a passar a ferro.Veem-me em casa a passar a ferro? Imaginem que eu, única secretária-geral mulher de um partido em Itália, que me apresentei como candidata em Roma grávida — e fui muito criticada por isso por dizerem que acho que as mulheres devem ser relegadas para não se sabe bem onde. É exatamente o contrário. Nós queremos garantir os direitos que hoje não existem. O direito de uma mulher ser mãe sem ter por isso de renunciar a um posto de trabalho. O direito de uma mulher ser mãe e decidir não trabalhar e não ter de morrer de fome por causa disso.

Rita Matias:

Mas sempre que falo destas coisas, dizem que quero limitar a liberdade das mulheres e que o que eu penso é que o lugar da mulher é na cozinha. Mas o que seria de mim? Estaria eu aqui se achasse que as mulheres devem estar relegadas a qualquer papel? (…) Chega de dissimulados porque estes dissimulados demitem-se também de direitos que ainda não existem em Portugal em pleno século XXI. Por exemplo, o direito de uma mulher ser mãe sem ter de renunciar à possibilidade de progressão na carreira. Ou então escolher não trabalhar, mas por isso ficar condenada à precariedade. É escandaloso que Portugal não tenha como líder prioritária o financiamento deste tema da natalidade porque efetivamente todos nós sabemos que é um drama, que compromete a continuidade da alma portuguesa, que compromete a sustentabilidade da economia nacional, que compromete a sustentabilidade da economia nacional e que só favorece, intencionalmente, a nossa fragilidade face aos poderes económicos internacionais e socialistas”

Na parte do papel da mulher Rita Matias volta a copiar a receita de Giorgia Meloni, que também disse que rebateu a ideia de querer menorizar as mulheres. A italiana diz que é acusada de querer a “mulher em casa a passar a ferro”, enquanto a portuguesa diz que a acusam de querer a mulher em casa a “passar a roupa”. Rita Matias repete também as ideias da líder do Fratelli d’Italia sobre os direitos que faltam conquistar: como ter direito a ser mãe sem renunciar a uma possibilidade de progressão na carreira. Meloni é mais dura e diz que a mulher não pode estar sujeita a morrer à fome se engravidar, enquanto Rita Matias diz que a mulher não pode ficar “condenada à precariedade”.

O que diz o resto do discurso de Rita Matias?

Afinal, o que diz a parte do discurso — “mais abrangente”, nas palavras da própria — que não teve origem nas ideias de Meloni? Logo no início do discurso, a dirigente nacional do Chega cita uma frase de Sá Carneiro de 1978, em que o então líder do PSD dizia: “Quem quer constituir família, procura casa e emprego e não encontra. Os que trabalham, no fim da vida, veem-se no fim da mesma condenados a morrer à míngua.” Rita Matias acrescentava que — apesar de muitos impostos e milhões em fundos comunitários — a frase “não só continua atual, como podemos dizer, sem medo, que estamos bastante pior.”

Depois disso, a vogal da direção do Chega alertava para o facto de a sua geração continuar “com dificuldade em estabelecer-se enquanto adultos”. “Vemo-nos sem acesso a crédito à habitação”, foi uma das queixas. Lembrou que dizem que a sua geração é a “mais bem qualificada” e “mais bem preparada de sempre”, mas que não existe “qualquer resposta política para o facto de ser a geração mais dependente e com menos perspetiva de futuro.” Atira-se depois aos governos PS, para dizer que “há 20 anos que a economia do nosso país não cresce (…) Portugal só retrocedeu e este retrocesso tem um nome: são 19 anos de desgovernação socialista”.

O discurso incluía ainda outras referências como as críticas a “partidos políticos dissimulados que preferem fazer cordões sanitários ao Chega em vez de aprovarem as tão necessárias propostas contra o casamento infantil ou contra a mutilação genital feminina”. Criticou ainda esses partidos por não defenderem “o agravamento de molduras penais para os crimes nojentos de pedofilia e violação.