O Governo português sabia desde março que a Câmara Municipal de Lisboa tinha enviado dados pessoais dos manifestantes anti-Putin (dois deles com cidadania portuguesa) para a embaixada russa e Negócios Estrangeiros.

A informação foi avançada pela RTP e confirmada pelo Observador, que teve igualmente acesso à troca de correspondência eletrónica. Num e-mail enviado a 18 de março, Pavel Elizarov, um dos promotores da iniciativa, queixava-se de ter visto os seus direitos constitucionais violados e pedia a intervenção das autoridades portuguesas.

O email, que tinha como principal destinatário o gabinete do presidente da Câmara de Lisboa, foi igualmente enviado para a secretaria-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna e a para a Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Nele pode ler-se:

“Excelentíssimo Presidente da CML Fernando Medina,

Excelentíssima Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna,

Excelentíssimo Ministério dos Negócios Estrangeiros,

Excelentíssimo Secretário-Geral Embaixador Álvaro Mendonça e Moura,

Excelentíssima Comissão Nacional de Proteção de Dados,

(…)

Os nossos dados pessoais foram partilhados com duas entidades governamentais externas à República Portuguesa, nomeadamente com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Embaixada da Federação Russa, sem o nosso consentimento e permissão, o que constitui uma grave violação dos nossos direitos constitucionais enquanto cidadãos Portuguesa (Artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa.)

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Esta partilha, agrava-se ainda mais por pôr em causa a nossa segurança face às conhecidas opressões que a Federação Russa tem sobre qualquer opositor ao seu governo.

Acresce que, esta partilha indevida dos nossos dados pessoais, compromete qualquer tentativa nossa de me deslocar à Federação Russa, atendendo às políticas Russas de entrada e saída do país. (…)”

Dos quatro entidades, no entanto, apenas a Câmara Municipal de Lisboa respondeu num email com a data de 20 de abril, onde, tal como explicava aqui o Observador, os serviços da autarquia responsabilizavam os ativistas por terem transmitido “informações pessoais” que excediam “o estritamente necessário”, explicavam que era uma “procedimento habitual adotado há vários anos” e, finalmente, que tinham pedido às autoridades russas para apagarem os referidos dados.

Quando foi confrontado com o caso, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, recusou classificá-lo de “incidente diplomático” mas antes um erro fruto de um “procedimento entretanto corrigido” e disse esperar que as autoridades russas que receberam “indevidamente” os dados cumprissem as leis internacionais e os apagassem”.

Eduardo Cabrita, por seu turno, ainda não se pronunciou sobre o caso — tal como António Costa. Já a Comissão Nacional de Proteção de Dados, quando reagiu ao incidente, anunciou que tinha “aberto um processo de averiguações com base numa queixa recebida”, escusando-se a fazer mais comentários.

Resta saber se abriu o inquérito na sequência da queixas recebida a 18 de março ou na sequência das notícias publicadas pelo Observador e pelo Expresso.

Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos