Sessenta e seis dias depois, ali num Algarve a pouco mais de 200 quilómetros de uma Sevilha de má memória para Portugal depois da eliminação frente à Bélgica no Europeu, Portugal voltava a entrar em campo. E não era propriamente a mesma coisa, ou não fosse a Seleção um dos grupos mais cobiçados sempre que abre uma janela de mercado. Porque Rui Patrício foi para a Roma, porque André Silva rumou ao RB Leizpig, porque o regressado João Mário trocou o Sporting pelo Benfica, porque Nuno Mendes vai juntar-se aos galácticos do PSG, porque Ronaldo voltou a uma casa que bem conhece e assinou pelo Manchester United.

Ronaldo bisa, faz (mais) história e dá vitória a Portugal frente à Rep. Irlanda nos minutos finais

O que não mudou? O selecionador e a sua forma de abordar qualquer jogo, em qualquer campo e contra um qualquer adversário. “Fácil? Isto não há jogos fáceis, não são favas contadas… Com mais ou menos dificuldade acredito que Portugal vai ganhar, os meus jogadores têm qualidade para isso mas precisamos de ser uma equipa. Se formos a equipa que costumamos ser, podemos resolver o assunto”, afiançou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Quando se joga com equipas ditas mais pequenas, às vezes parecem favas contadas, os jogos vão até ao fim e aquilo redunda em momentos de aflição… Hoje em dia isso já não existe”, reforçou, deixando também elogios à forma como esta Rep. Irlanda encara os jogos, de forma um pouco diferente ao que fazia de uma forma mais tradicional há alguns anos. “Jogam numa linha de cinco atrás mas não é uma equipa que recolhe só em ação defensiva. Conhecemos o padrão típico destas equipas britânicas, sendo que o jogo nunca termina, em qualquer circunstância ou com qualquer resultado. Os jogadores estão sempre muito ativos e vivos, dão sempre tudo, tentam chegar primeiro e rápido”, destacou Fernando Santos na antevisão do jogo.

Por aí, confirmou-se: a moda do pontapé para a frente à procura de lances aéreos foi sempre uma solução de recurso quando a posição de Portugal no terreno sem bola era mais alta e os irlandeses tentaram sair a jogar a partir de trás. Mas a Rep. Irlanda foi mais do que isso, aproveitando a falta de eficácia da Seleção para ir ganhando confiança, para arriscar ir mais longe no campo, para defender de forma organizada a vantagem. No entanto, e quando todos já pensavam que a surpresa era inevitável, apareceu aquele que faz o que já não surpreende. Ronaldo já tinha falhado um penálti, não estava a ter um jogo conseguido, não encontrava os espaços para finalizar. Em duas oportunidades a acabar, marcou dois golos e tornou-se o melhor marcador de sempre de seleções. Portugal não teve facilidades mas com ele, ou Ele, são sempre favas contadas…

As aparências acabaram por iludir no arranque do jogo, com a colocação dos criativos Bernardo Silva e Bruno Fernandes na zona de construção a não ter depois reflexos na capacidade da equipa no jogo com e sem bola: pouca ligação entre setores, quase nenhuma velocidade, ainda menos movimentação em posse. Até o jogo interior, que no plano teórico poderia ser a chave para desmobilizar a bem estruturada organização defensiva irlandesa, não conseguia fazer a diferença em ataque organizado ou nas transições, deixando também em algumas ocasiões João Palhinha sozinho no meio-campo contra dois ou três adversários. Ainda assim, e dentro desta realidade, Portugal poderia facilmente ter chegado à meia hora na frente do marcador.

Poderia porque Ronaldo, a 11 metros de entrar para a história como melhor marcador de sempre de seleções com mais um golo do que Ali Daei beneficiando de uma grande penalidade cometida sobre Bruno Fernandes, acabou por permitir a defesa de Bazunu (15′). Poderia porque, sozinho ao segundo poste após cruzamento largo na direita de João Cancelo, Diogo Jota desviou de cabeça ao poste (28′). Poderia porque, na tentativa de uma solução diferente das que tinham sido utilizadas até então, Bruno Fernandes arriscou a meia distância à entrada da área mas o remate saiu por cima (33′). Não sendo uma avalanche ofensiva, dava pelo menos para evitar que o encontro entrasse numa bola de neve de problemas mas foi isso que aconteceu.

Numa altura em que, mesmo sem criar perigo, a Rep. Irlanda conseguiu ter outra presença ofensiva no jogo muito por culpa das segundas bolas que ia ganhando no meio-campo português, Connolly apareceu na área descaído sobre a esquerda a obrigar Rui Patrício à primeira defesa do jogo com a perna para canto e, na sequência do lance, John Egan estreou-se a marcar pela seleção em cima do minuto 45. Até ao intervalo, Diogo Jota, por duas ocasiões, ainda ficou perto do empate mas Portugal saía mesmo a perder mais por culpa própria e pelo que não conseguiu materializar na área contrária perante uma eficácia 100% contrária.

A Seleção teria de encontrar novos caminhos para furar a força de bloqueio de uma Rep. Irlanda que iria perder necessariamente força para chegar à frente com o passar dos minutos. André Silva entrou logo ao intervalo para o lugar de Rafa, depois foram lançados João Mário e Nuno Mendes, a seguir João Moutinho e Gonçalo Guedes. Houve muitas vezes excesso de cruzamentos para zona de ninguém ou falta de critério de passe no último terço mas Portugal teve o mérito de, mesmo deixando o encontro partir, nunca deixar de acreditar que era possível fazer aquilo que Bruno Fernandes, Bernardo Silva, João Cancelo e tantos outros iam tentando sem sucesso: o golo. Ia por cima, ia ao lado, batia no adversário, não entrava.

Depois, apareceu o do costume. Apareceu com mérito de Gonçalo Guedes, que inventou espaço com uma grande mudança de velocidade na direita para cruzar, com mérito de João Mário, que soube cruzar de forma milimétrica na hora da verdade, com mérito daquele que ficará para sempre como o maior goleador de todos os tempos. Com dois cabeceamentos, dois gestos que nos habituou a achar banais mas que são poucos os que conseguem fazer com tanta eficácia, Ronaldo virou o encontro com o segundo golo a surgir aos 90+6′. Assim se escreveu mais uma história de glória. Assim foi mais um recorde para o museu, como disse o próprio.