Os especialistas envolvidos no aconselhamento científico ao Governo preparam-se para sugerir que praticamente todas as medidas de restrição contra a epidemia de Covid-19 sejam levantadas quando Portugal atingir uma cobertura vacinal de 85% — incluindo o fecho dos bares e das discotecas; e a necessidade de apresentar certificado digital ou um teste negativo para aceder a determinados espaços.

O argumento, que será apresentado na reunião no Infarmed entre a classe política, as autoridades de saúde e os peritos marcada para a próxima quinta-feira, é que o risco epidemiológico de uma pessoa infetar um dos seus contactos quando a cobertura vacinal atingir os 85% é semelhante àquele que foi calculado durante o primeiro confinamento em Portugal, em março de 2020.

No início da epidemia, calculou-se que, em média, cada português tinha 12 contactos por dia e que 12% deles eram contagiados se houvesse uma infeção pelo SARS-CoV-2. Como os sintomas da doença só se costumam revelar ao fim de quatro deles, isso traduz-se em 48 contactos nesse período e um número de contagiados que atinge os seis. O confinamento reduz o número de contactos diários para quatro e o número de suscetíveis à infeção para dois a três — tantas como as que os peritos calculam para uma situação sem medidas restritivas, mas com 85% da população vacinada.

Um dos especialistas envolvidos no processo explicou ao Observador que a epidemia está numa fase de transição em que a doença se vai tornar endémica. Na impossibilidade de atingir a imunidade de grupo — os peritos calculam que, com a variante delta, ela ronde os 98%, o que implicaria vacinar toda a população a partir dos dois anos — não há outro caminho senão o alívio máximo da economia.

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Outro dos peritos confirmou ao Observador que esta será a mensagem transmitida na reunião no Infarmed, que virá acompanhada de recomendações para o “levantamento da generalidade das medidas, não necessariamente de todas, nem de imediato”. O especialista confessou mesmo que, desta vez, o desafio é diferente: com Portugal na liderança da vacinação mundial contra a Covid-19, o país não se compara com mais nenhum país e não há referências a seguir. “Até agora podíamos olhar para os outros. Agora, se há alguém que pode desconfinar com um mínimo de confiança, somos nós“, resumiu.

A máscara pode continuar a ser obrigatória em espaços interiores e fechados, não arejados e com ajuntamentos, assim como no contacto com pessoas especialmente vulneráveis e em locais com mais tendência para serem palco de surtos— como em lares, escolas e transportes públicos. Aliás, estima-se que a utilização de máscara reduza para metade a probabilidade de ser infetado pelo SARS-CoV-2. Mas, fora essas situações, a ideia é que cada cidadão faça a sua própria avaliação de risco e tome as medidas que achar mais cautelosas em cada momento.

Isso implica, no entanto, uma vigilância ainda mais apertada da Direção-Geral da Saúde (DGS) para garantir que a incidência não ultrapassa os 120 casos por 100 mil habitantes nos 14 dias anteriores, o que se pode traduzir numa necessidade de melhorar o rastreamento de contactos e pelo menos manter (se não mesmo aumentar) a testagem. É sobretudo importante para evitar mais óbitos entres os idosos — um número que se tem mantido elevado por causa da elevada percentagem de pessoas mais velhas na população portuguesa.

Além disso, também se vai sugerir uma apertada vigilância das novas variantes que circulam em Portugal, em linha com o que o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) já tem feito. Mesmo nos casos das viagens, a obrigatoriedade de mostrar um certificado de vacinação ou teste negativo pode ser levantada, exceto quando os países de origem têm incidências muito elevadas. É que, quanto maior ela for, mais oportunidade o vírus tem de sofrer mutações e eventualmente originar uma variante mais transmissível que a delta.

As ideias que serão transmitidas na reunião no Infarmed estão ainda por afinar porque alguns peritos temem que, perante um alívio total das medidas, a situação epidemiológica se descontrole como aconteceu em Israel e no Reino Unido. Mas outros defendem que, mesmo quando o país atingiu os 70% de vacinados, já havia condições para abrir totalmente a economia porque a probabilidade de o R(t) subir acima de 1 (levando a uma expansão da incidência) é muito baixa.