Bráulio Moreira tem 41 anos, é candidato do Chega à Câmara Municipal de São Brás de Alportel, fala do Primeiro-Ministro como um “indiano vingativo” e levanta a possibilidade de “terem sacado segredos de estado a Jorge Sampaio”, enquanto o antigo Presidente da República esteve internado. As acusações do candidato do partido de André Ventura surgem durante um debate autárquico, promovido pelo jornal regional o Sambransense, realizado na sexta-feira, 10 de setembro — precisamente o dia da morte do antigo chefe de Estado. Ao que o Observador apurou o Chega deverá mesmo afastar o candidato nos próximos dias.

Durante as várias intervenções que vai fazendo ao longo do debate, Bráulio Moreira mantém um discurso confuso, com várias referências a episódios pouco claros e raramente é capaz de alinhar uma frase com sentido. Uma das poucas vezes em que consegue é para dizer que o “espírito de vingança” de António Costa está associado ao facto de “os portugueses terem abandonado a família dele em Goa, porque não os queriam cá”.

As possíveis desavenças entre os familiares indianos de António Costa e Portugal não são detalhadas pelo candidato do Chega, mas num dos momentos do debate avança com a possibilidade de serem conhecidas de António de Oliveira Salazar, que “não queria perder Goa, Damão e Diu e forçou os portugueses a batalharem até ao fim”. Para o candidato autárquico, a insistência do ditador português na manutenção destes territórios indianos revela que “tinha lá alguma coisa guardada”, suspeita sem concretizar.

Na corrida a esta autarquia do distrito de Faro há cinco listas, estando quatro delas representadas neste debate: o atual presidente Vítor Guerreiro (PS), o candidato da CDU Antonino Costa e Bruno Sousa Costa (PSD). Só faltou Francisco Laplaine Guimarães, vice-presidente do CDS e que o grupo de Facebook do Chega de São Brás de Alportel apelidada de “paraquedista” por não ser do concelho e porque ninguém o conhece: “um amigalhaço do Chicão cujo objetivo é retirar votos ao Chega”.

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Nenhum dos adversários mereceu um minuto de atenção por parte do candidato do Chega que concentrou as suas intervenções em temas completamente ao lado das perguntas que lhe eram dirigidas. Sobre os planos que tem para evitar a saída de jovens do município e para atrair mais investimento, responde com a preocupação num “incêndio no aterro sanitário que tem causas desconhecidas” e com as “bombas de São Brás que não têm a bomba em cobre por causa das bactérias”. Quando os dois moderadores pedem que defina a sua grande prioridade para o município conta que quando esteve na Austrália viu um livro que dizia que “a melhor cortiça do mundo era de Portugal e a melhor das melhores era de São Brás de Alportel”.

Salazar há-se ser citado mais vezes ao longo das intervenções curtas que o candidato do Chega faz e que interrompe frequentemente para olhar para o cronómetro projetado na tela ao fundo do palco do auditório. Nestes momentos perde alguns segundos a tentar perceber quanto tempo lhe resta e quando retoma o debate inicia uma ideia diferente, quase sempre num tema completamente distinto do anterior.

O arranque deste debate haveria ainda de ficar marcado por dois minutos de silêncio. O primeiro foi promovido ainda antes de qualquer intervenção, pelos moderadores, e tinha como objetivo homenagear Jorge Sampaio, falecido poucas horas antes. Logo aqui se ficou a perceber que a presença de Bráulio Moreira não ia ser convencional. De óculos de sol na cabeça, em vez de permanecer de pé como todos os outros candidatos e plateia, ajoelhou-se e colocou a mão esquerda junto ao peito. O momento haveria de ser repetido poucos minutos depois, mas em homenagem “ao Sérgio”. Na resposta à primeira pergunta do debate e com o tempo da intervenção a ser cronometrado, o candidato posiciona-se na frente do palco, volta a ficar de joelhos e pede a todas as pessoas da assistência e público que está a ver o debate através das redes sociais para que se ajoelhem também.

Neste momento abdica de um terço do tempo que tem para expressar a primeira ideia, diz que “três minutos é muito tempo” e pode dispensar uma parte para a homenagem a uma pessoa que não conhece, mas que admite poder já se ter cruzado com ela: “sou mau de caras”, assume. Já em conversa com o Observador, ao telefone, o candidato explica que Sérgio é o nome de um rapaz, militar, que “foi fazer o caminho de Santiago de Compostela e nunca mais voltou”. Conta que a mãe e um dos filhos de Sérgio morreram e mesmo assim ele não apareceu para os funerais.

Bráulio Moreira é apresentado no arranque deste debate como empresário em nome individual do setor da agropecuária, foi bombeiro voluntário, presidente de uma Associação de Agricultores e é “apaixonado pela agricultura e pelas raças autóctones, estando particularmente empenhado na defesa da vaca de raça algarvia”. A vida deste homem passou ainda por Timor Leste, onde esteve destacado em missões militares das Nações Unidas.

Foi no final destas missões, já de regresso a Portugal, que foi convencido a ter uma consulta psiquiátrica porque havia quem dissesse que ele “não dizia coisa com coisa”. O relato é feito pelo próprio que explica que a médica o mandou para casa no final da primeira consulta, sem lhe diagnosticar qualquer doença.

Na conversa que tem com o Observador, o candidato do partido de André Ventura continua sem conseguir explicar as acusações que fez ao primeiro-ministro, usando os mesmos argumentos vagos e sem contexto que já tinha usado no debate. Já sobre o momento em que foi o único a colocar-se de joelhos para os dois minutos de silêncio é claro: “Galileu também foi o único a dizer que o planeta girava à volta do sol e estava certo”.

Afastamento de Bráulio Moreira da corrida autárquica é o cenário mais provável

O debate à Câmara de São Brás de Alportel aconteceu há mais de uma semana, mas o partido ainda não tem uma decisão fechada sobre a continuidade desta candidatura. A direção de André Ventura recusa-se a comentar este caso e deixa por responder a pergunta sobre a manutenção da confiança política. Já a distrital de Faro do partido tem as ideias mais claras e o processo de saída de Bráulio Moreira não deve passar da próxima segunda-feira.

O líder da distrital, João Graça, assume que “é grave retirar um candidato de cena em plena campanha eleitoral, mas ter uma pessoa destas a defender o partido é mais grave ainda”. Neste momento recusa ainda identificar-se com as declarações do candidato sobre António Costa ou Jorge Sampaio: “Não faz nenhum sentido, não sei onde foi buscar aquilo”, garante.

Ao Observador, o também candidato à capital algarvia assume que os resultados neste município estão agora “comprometidos”. Já Bráulio Moreira está convicto de que continua a ter condições para assumir o lugar de vereador no próximo dia 26 de setembro e até mesmo chegar à presidência do município, mas se lhe pedirem para sair, “nem bate o pé” e acata.

O Chega deve mesmo ficar sem o cabeça de lista a esta câmara algarvia, na sequência deste caso que, assume João Graça, deixou todos os elementos do partido “alarmados”. “Não é o rapaz humilde e trabalhador que conhecemos”, lamenta para logo a seguir falar num “problema pessoal com alguma gravidade” que o tem afetado nos últimos dias e que pode ter estado na origem da performance inesperada no debate. 

A surpresa é ainda maior porque a história deste homem que o Chega queria que fosse seu autarca começa de forma invertida. Não foi Bráulio quem procurou o Chega, foi o Chega que o recrutou depois de o ouvir numa Assembleia Municipal, onde se foi queixar de um “ataque de cães vadios” contra um rebanho de caprinos. Esta situação fê-lo perder 40 animais e a “coragem a interpelar as pessoas” foi o que levou a distrital do partido a achar que este era o homem certo para esta candidatura.

A história é confirmada pelo próprio ao Observador que conta que ficou revoltado porque não recebeu qualquer apoio da Câmara Municipal, mesmo depois de se saber que “os cães eram alimentados por uma associação que é diretamente financiada pelo município”. Garante que só aceitou o desafio para se candidatar depois de ler o programa do partido e perceber que “não há ali racismo nenhum”. Agora, a uma semana das eleições, arrisca-se a sair pela porta pequena, mas sem ressentimentos: “Não preciso da política para nada, tenho o meu trabalho. E políticos, não os posso ver à frente”.