Um homem acusado de traficar e explorar imigrantes ilegais no Alentejo negou, esta segunda-feira, a maioria da acusação e tentou ilibar a esposa dos crimes pelos quais estão a ser julgados no Tribunal Judicial de Beja.

O arguido Petrica Usurelu, de 43 anos, e a esposa, Ionela Usurelu, de 37, assim como a empresa Angy San, Ldª, representada legalmente e gerida pelo homem, são acusados, cada um, de 13 crimes de tráfico de pessoas e nove de auxílio à imigração ilegal.

O julgamento arrancou esta segunda-feira no Tribunal Judicial de Beja e, durante a manhã, o coletivo de juízes ouviu o arguido Petrica, já que Ionela não quis falar, e quatro testemunhas da acusação.

Segundo a acusação do Ministério Público, em 2018, as 13 vítimas identificadas (nove cidadãos moldavos, três romenos e um búlgaro) “estiveram a trabalhar sob controlo e ordens” de Petrica e Ionela, diretamente e/ou através da empresa, “em desrespeito pelo disposto no Contrato Coletivo de Trabalho celebrado para o setor, categoria e região”.

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Sobre os nove crimes de auxílio à imigração ilegal relativos às nove vítimas de nacionalidade moldava, o coletivo de juízes frisou que precisavam de visto de trabalho para poderem laborar em Portugal e perguntou a Petrica porque não os tinham.

O coletivo indicou que os nove moldavos só tinham visto de turista válido por três meses e Petrica disse que cinco deles já estavam em Portugal e tinham trabalhado para outras pessoas, tendo os outros quatro vindo diretamente da Moldávia antes de começaram a trabalhar para ele.

O arguido explicou que não tratou dos vistos de trabalho para “não gastar mais dinheiro”, porque, devido ao mau tempo, os nove moldavos, tal como os restantes imigrantes, trabalharam “poucos dias” em janeiro e fevereiro e apenas entre “15 a 20” dias no mês de março de 2018.

No entanto, Petrica disse que pagou a viagem até Portugal “a dois ou três” moldavos com os quais não chegou “a fazer contas”.

Segundo a acusação, apesar de receberem pela venda da mão-de-obra, os arguidos não pagavam o que deviam aos imigrantes e mantinham-nos “em péssimas condições” de vida, “sujeitando-os a trabalhar várias horas por dia, à revelia da legislação laboral nacional, fazendo-os passar fome e frio, utilizando-os no seu interesse económico, ameaçando-os e retendo-lhes os passaportes”.

As vítimas viviam em casas velhas, “sobrelotadas”, “indignas, sem condições de higiene, conforto e segurança” e, por vezes, tinham de dormir “no chão, em colchões, sem lençóis, cobertores ou almofadas”.

Os arguidos entregavam às vítimas, “quando entendiam, valores muito abaixo do mínimo fixado para a hora de trabalho”, e, “semanalmente, entre 10 e 20 euros, para comprarem comida”, sendo que “nunca formalizavam” os contratos de trabalho prometidos.

As vítimas ficavam a aguardar que os arguidos as levassem, “em veículos sobrelotados”, para trabalharem em explorações agrícolas de terceiros, “em regra” durante “nove a 10 horas diárias, seis a sete dias por semana”, com descanso de 15 minutos a meio da manhã e de 30 a 60 minutos para almoço.

Petrica alegou que “nunca ameaçou”, nem reteve documentos de “ninguém” e que os imigrantes tinham “total liberdade”, viviam em casas “com condições”, onde dormiam em beliches com colchões e tinham “cobertores deles”, trabalhavam “só oito horas por dia” e não eram transportados em veículos sobrelotados.

Nunca ninguém dormiu no chão e, que eu saiba, nunca ninguém se queixou de frio e fome”, afirmou.

O combinado era pagar aos imigrantes no fim de cada mês pelo trabalho prestado, mas “não chegou a fazer contas” com eles, porque trabalharam “poucos dias” e, entretanto, fizeram queixas às autoridades e foram embora, afiançou.

No entanto, Petrica frisou que os imigrantes “sempre tiveram dinheiro para comer”, porque entregava “mais de 30 euros” semanalmente a cada um deles para várias despesas, como comida.

Questionado pelo coletivo sobre o papel de Ionela no caso, Petrica tentou ilibar a esposa, referindo que esta era apenas a titular da conta bancária para a qual os donos das explorações agrícolas transferiam as verbas relativas às horas de trabalho dos imigrantes prestadas através da empresa Angy San.