A divisão é feita por três. Numa prova, ou exame nacional, os estudantes têm de mostrar a sua capacidade de adquirir conhecimento em três tipos de perguntas. As básicas, onde têm de conhecer e reproduzir o que ouviram na sala de aula, as de nível médio, onde têm de aplicar o que sabem e interpretar o que lhes é perguntado, e as de elevada complexidade cognitiva onde têm de mostrar que são capazes de raciocinar e de criar. É nestas últimas, quando os alunos têm de mostrar capacidade de raciocínio, que a maioria falha, com resultados em 2021 piores do que no passado.

O problema é comum a todos os anos e disciplinas analisados. Mais de 80% dos alunos de 8.º ano (afetados em dois anos letivos pela pandemia) não conseguiram responder a perguntas de Matemática que envolvessem raciocínio. No 5.º ano, quase metade (48,1%) falhou as perguntas de Português que obrigavam a pensar e não apenas a expor a matéria. No 2.º ano, tanto a Matemática como a Português — e ligeiramente menos a Estudo do Meio — mais de 60% dos alunos de 7 anos falharam quando tiveram de raciocinar para responder às perguntas colocadas. Estas são algumas conclusões do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), organismo que cria as provas e exames nacionais, e que esta segunda-feira apresentou um conjunto de estudos com dados quantitativos e qualitativos sobre o desempenho dos alunos.

Sem provas de aferição em 2021, devido à pandemia de Covid-19, foi feito um estudo amostral equivalente aos alunos do 2.º, 5.º e 8.º ano, em junho passado, e com mais de 49 mil alunos envolvidos de escolas públicas e privadas.

Os dados indicados na tabela mostram a percentagem de alunos que conseguiram dar resposta ao que era pedido nas questões integradas em cada um dos níveis de complexidade cognitiva

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Mesmo nas perguntas mais simples (conhecer/reproduzir), os resultados pioraram. Em 2019, quando foram feitas as últimas provas de aferição do 2.º ano, Português era a disciplina com piores resultados no nível mais elementar. Apesar disso, 69% dos alunos conseguiam reproduzir conhecimento, valor que agora desce para os 64,8%. A Matemática e a Estudo do Meio (63,3% e 67,2% em 2019), o tombo é maior: entre os alunos afetados pela pandemia há uma fatia considerável que falha nas perguntas mais elementares (56,6% e 55,2%, respetivamente).

Entre os estudantes do 5.º (10 anos ) e do 8.º ano (13 anos) a realidade é diferente. A percentagem de alunos que consegue responder às perguntas mais fáceis de Português diminui apenas 2,4%, mas isso não equivale a um cenário global positivo: 44,5% dos alunos do 5.º ano não conseguem aplicar o que aprenderam nas aulas para responder às perguntas de complexidade básica.

No 8.º ano, a Matemática, há uma subida residual de 0,4%. Apesar disso, só 39,7 dos estudantes conseguiram responder às perguntas mais elementares.

A complexidade cognitiva das perguntas está relacionada com a complexidade requerida ao aluno na organização da resposta a cada item — se o aluno apenas tem de mobilizar conhecimento adquirido para efetuar um cálculo ou identificar informação explícita num texto (nível mais elementar) ou se tem de interpretar no texto elementos que permitem identificar informação implícita ou justificar um raciocínio (níveis mais complexos), explica o IAVE no documento.

Aplicar o raciocínio continua a ser o problema dos alunos

Esta dificuldade dos alunos não é novidade no sistema educativo português, mas foi exacerbada pela pandemia. “De uma forma geral, os resultados continuam a mostrar, em cada área, um desempenho mais modesto nos níveis de complexidade cognitiva mais elevados (médio e superior), ou seja, naqueles que pressupõem maior complexidade, como a interpretação e aplicação de informação ou o raciocínio e a criatividade”, lê-se no relatório do IAVE.

Os relatórios divulgados em 2018, que comparavam os resultados das provas de aferição de 2016 e 2017, já traçavam esta imagem: a grande dificuldade dos alunos do ensino básico surge quando é preciso raciocinar, argumentar e relacionar conceitos, algo que já vinha sendo reportado desde 2007.

Na altura, o então presidente do IAVE, Hélder Sousa, explicava ao Observador que o que esse relatório mostrava era que grande parte das fragilidades dos alunos não têm a ver com os conteúdos das disciplinas, mas antes “com os processos mentais que eles desenvolvem para conseguirem dar resposta a questões complexas”, defendendo que “até os bons alunos falham quando é testada a capacidade de raciocínio”.

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“Grande parte da perda da pontuação num exame é nestas questões e é tanto maior quanto mais os alunos têm de explicar, raciocinar. Este comportamento de perda é tão evidente para os bons como para os alunos médios”, dizia, na altura, Hélder Sousa que foi substituído no cargo pelo atual presidente, Luís Santos. “Quando decompomos os desempenhos dos alunos nessas categorias — os bons alunos são os que têm mais de 15 valores — a descida é constante quando passamos da reprodução de conhecimento para o raciocinar. Isto é impressionante e impressiona as pessoas quando as confrontamos com isto”, acrescentava.

Para além destes resultados, os estudos do IAVE mostram que durante o ensino à distância os alunos que mantiveram maior contacto com os professores foram os menos prejudicados. Este relatório em concreto olhou para mais de 23 mil alunos — 3.º, 6.º e 9.º anos — para perceber quais foram as perdas mais sentidas na sequência da pandemia. Em foco estiveram três áreas: literacia matemática, literacia científica e literacia de leitura e informação. O resultado foi de que há um “grande défice de competências nesta área”, segundo o presidente do instituto, Luís Santos.

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O mesmo documento revela que, com ou sem acesso a computador e internet, com ou sem aulas síncronas, os alunos mais carenciados tiveram resultados sempre inferiores aos colegas de classes sociais mais favorecidas — um problema que é antigo, que se repete, ano após ano, nos relatórios do Estado da Educação, e de três em três, quando é conhecido um novo PISA, e que piorou com a pandemia, quando o fosso entre  ricos e pobres se agravou. Nascer pobre em Portugal continua a ser sinónimo de fracasso escolar.

No entanto, esta realidade não é apenas portuguesa. No último PISA, de 2019, a OCDE defendia que uma origem socioeconómica mais elevada é um “forte indicador de um melhor desempenho dos alunos a matemática e ciências, em todos os países”. O mesmo relatório, que analisa jovens de 15 anos, mostrava que, em Portugal, o efeito do estatuto socioeconómico no desempenho a leitura é sensivelmente maior do que na média dos países da OCDE (quatro posições abaixo).

Em Espanha, um relatório nacional divulgado em setembro, das fundações Ramón Areces e Sociedad y Educación, mostrava que, também ali, a pandemia teve “um impacto muito negativo na educação, aumentando as desigualdades e afetando principalmente os alunos mais desfavorecidos”. No entanto, os autores ressalvam que o desfasamento com que são publicados os indicadores dos resultados educativos não permitem, para já, ter uma imagem clara do efeito do fecho das escolas nas perdas da aprendizagem.

Por seu lado, o mais recente relatório da OCDE — “The State of Global Education – 18 months into the pandemic” — divulgado a 16 de setembro, alerta que os países com menores níveis de desempenho no PISA foram aqueles que fecharam as escolas durante mais dias, como México, Colômbia ou Costa Rica, afetando negativamente os alunos. Embora o documento não quantifique o valor das perdas, Andreas Schleicher, diretor do departamento da Educação da OCDE, defende que o impacto da pandemia no ensino foi generalizado, tendo atingido, em especial e de de forma mais gravosa, os alunos mais carenciados e os que têm, à partida, maior dificuldades de aprendizagem.

Segundo a análise do IAVE, que comparou os resultados dos alunos que têm Ação Social Escolar (apoio do estado aos carenciados) com aqueles que não têm, os resultados destes últimos “são sempre superiores aos dos alunos com ASE, em todas as literacias, em todos os anos de escolaridade e em todos os níveis de proficiência”.

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No caso do 6.º ano de escolaridade, por exemplo, a diferença média de desempenho dos dois grupos de alunos chega aos 9,6 pontos percentuais em literacia de leitura. Já no 9.º ano, na literacia matemática, os alunos com ASE ficaram 8,3 pontos percentuais abaixo dos colegas. “As condições socioeconómicas dos alunos têm um impacto significativo no seu desempenho e nas suas aprendizagens”, concluiu o presidente do IAVE.