É um serviço de subscrição de comida para comer entre refeições. Chama-se Oh!My Snacks e, como outras empresas que vendem produtos por uma taxa mensal — seja a Netflix ou Amazon Prime para séries ou o Spotify para música –, a startup faz chegar a casa dos clientes “snacks” saudáveis que foram escolhidos com a ajuda de um algoritmo que recorre a inteligência artificial. O projeto — incluindo o algoritmo — foi criado por Ricardo Alves, matemático de formação que largou o emprego para dedicar-se à a 100% à startup.

Antes, Ricardo era diretor de análise de dados na Porto Editora, uma área na qual sempre trabalhou até ter decidido apostar neste modelo de negócio para venda de “snacks”, como diz ao Observador. Em maio — altura da saída –, a empresa angariou 125 mil euros de investimento e, desde setembro, quando o negócio arrancou oficialmente, já conseguiu cativar mais de uma centena de clientes, incluindo empresas como a Sonae Holding ou Deloitte.

Ricardo Alves formou-se em estatística“Reparava que era difícil comer de forma saudável e perceber se era saboroso”, diz o empreendedor. E continua a explicar: “Há aquele momento de pausa em que se quer comer de forma saudável, mas que seja também de prazer, que seja conforto”. Contudo, viu que as pessoas “comiam sempre as mesmas coisas”, virando-se para bolachas “como as marinheiras”. Por esse motivo, achou que havia uma ideia de negócio para a qual podia aplicar o conhecimento que tem na criação de algoritmos de inteligência artificial.

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Tudo começou num programa de mestrado em gestão e administração (MBA) executivo da Porto Business School no ano letivo de 2018/2019. Na altura, o projeto chamava-se ainda Four Bites, e era uma ideia de “foodtech“. Pouco tempo depois, em outubro de 2020, foi o vencedor na categoria de Produto do concurso de empreendedorismo “Acredita Portugal”. Depois, foi afinando a ideia e o empreendedor pegou no conhecimento que tem na criação de algoritmos para concretizar aquilo que viria a ser a Oh!My Snacks, que tem como base do serviço um inquérito para o utilizador dizer aquilo de que gosta.

Nunca se cria uma coisa sozinho. Tenho a certeza de que devo [o produto final] a muita gente, como os os investidores e advisors“, refere Ricardo Alves.

O produto final foi forte o suficiente para convencer os primeiros investidores — a Ganexa Capital, a Subvisual, a Clever advertising e a Nolita Food –, a entrar os tais 125 mil euros de capital em maio deste ano na empresa. Foi nesta altura que Ricardo decidiu despedir-se e diz não olhar para trás. Agora, o foco é que o algoritmo melhore para que os clientes continuem a subscrever o serviço.

“Sempre trabalhei com algoritmos”. Como funciona a IA que decide os snack

“No meio da IA costuma existir muita treta”, começa por dizer Ricardo Alves sobre o sistema, afirmando também que, apesar de o algoritmo que criou poder parecer sofisticado, há sempre uma “grande parte humana” para garantir que os clientes ficam satisfeitos. Mesmo assim, a formação e experiência em estatística — “sempre trabalhei com algoritmos”, diz o empresário — são cruciais para que tudo corra bem, diz.

Ao entrar no site da Oh!My Snacks, o utilizador é convidado a responder a várias questões de um inquérito para o sistema perceber aquilo que lhe vai enviar. Perguntas como “Quais [são] os teus principais objetivos?”, “Quais os sabores de que gostas?” e até “Quais os sabores que detestas?” podem ser respondidas entre as várias opções que são apresentadas. “Reduzir consumo de massa gorda”, “aumentar níveis de energia”, “melhorar a imunidade” ou “alfarroba”, “chili”, “trufa” e wasabi” são algumas das várias opções que aparecem.

Depois de selecionadas as respostas — são nove, no total –, o quiz fica completo e o utilizador só tem de esperar para receber em casa a caixa surpresa que vai ser criada — demora poucos dias, depende do momento em que é feita a encomenda.

A cada semana é enviado um novo inquérito no qual o cliente pode mudar a resposta a algumas questões — “afinal não gosto de alfarroba”, por exemplo — ou mudar informação quanto ao que pretende ter com os snacks. “Se alguém disser que vai ser mãe tem de sentir que podemos adaptarmos a esta nova fase”, exemplifica Ricardo Alves. Desta forma, o empresário diz que as comidas que o clientes recebe são sempre as mais adequadas.

Se um cliente diz “estou a precisar de mais proteína e ir ao ginásio”, adaptamos a box ao estilo de vida da pessoa,” exemplica Ricardo Alves.

Independentemente das respostas ao inquérito — ou ausência destas –, o empreendedor garante ainda que os snacks não se repetem de uma semana para a outra. “Temos chips, barras cruas, waffers, entre outro produtos”, tudo escolhido com a consultadoria da nutricionista Gabriela Rosa, refere também o responsável da empresa quanto a alguns dos produtos que podem depois aparecer na caixa. Depois, “categoria a categoria”, e com a ajuda do algoritmo, tentam que seja “o mais saudável possível”. Ao receber a caixa, praticamente tudo vem embalado em pacotes da Oh!MySnacks — uma saqueta de chá, por exemplo, não virá.

A Oh!My Snacks diz que todos os produtos são escolhidos com o apoio de uma nutricionista para serem o mais saudáveis

O objetivo do serviço, além do bem-estar do utilizador, é que na semana seguinte este volte a querer receber a caixa de snacks e sinta que esta correspondeu ao que pretenda. Ricardo Alves promete ainda que, devido ao cuidado que a empresa tem na seleção dos produtos que podem ser selecionados, é “difícil encontrar os produtos” em “supermercados ou grandes retalhistas”.

Erros de IA e humanos, proteção de dados e 125 mil euros para vender snacks para fora do país

Como qualquer coisa ligada à tecnologia, a pergunta não é se vai haver erros, é quando vai haver. Sobre isso, Ricardo Alves ri-se e revela que, apesar de o algoritmo tentar criar a “box personalizada perfeita”, há sempre uma “taxa de erro” que tentam minimizar. É por esse motivo que, depois de cada caixa, há um novo inquérito para os utilizadores preencherem, reitera.

Além da taxa de erro da IA, há também erros humanos, como em qualquer negócio que está a arrancar. No entanto, o empreendedor diz que também é desta forma que valida a fiabilidade do algoritmo que desenvolveu. Sobre essa inevitabilidade, revela um episódio em que dois clientes receberam caixas trocadas devido a um “erro humano”. Rapidamente, corrigiu a falha e teve a validação de que o sistema escolhe o que é mais adequado. “Quando recebeu a caixa certa, o cliente disse que o que recebeu da segunda vez era bem mais condizente”, diz.

No final das contas, e sendo ainda uma equipa pequena — além de Ricardo e da consultadoria externa, como a nutricionista, a empresa tem apenas mais uma pessoa a tempo inteiro –, o objetivo não é que o algoritmo de inteligência artificial decida sempre tudo.

O conteúdo das caixas é escolhido pelo algoritmo que Ricardo criou e pode ter frutos secos, barra cruas ou outros produtos embalados pela empresa

“Embora seja de matemática, o melhor é um mundo que envolva o melhor do ser humano e o melhor da máquina”, diz Ricardo quanto ao que quer da sua empresa. Mesmo assim, e apesar de ter “o algoritmo para personalizar em escala”, garante que haverá sempre “uma parte humana que perceba as partes específicas de cada clientes”.

Num mundo que vive com notícias sobre uso abusivo de dados por parte de grandes empresas tecnológicas, o empresário esclarece que a parte humana é necessária para garantir o melhor produto sem ninguém se sentir defraudado. Os inquéritos são usados porque “o consumidor não gosta desse abuso de confiança”, como seria, exemplica, a utilização de dados de entidades terceiras — como fazem o Facebook e a Google, por exemplo — para criar a box perfeita.

Mesmo assim, Ricardo Alves assume que, com o aumento de clientes, o algoritmo vai aprendendo “padrões de comportamento” para perceber aquilo de que o cliente pode gostar mesmo que não tenha manifestado essa opção.

“O algoritmo consegue perceber se um cliente gosta, por exemplo, de wasabi mesmo que não saiba”, diz, prometendo, contudo, que esses dados só são utilizados internamente, protegendo a identidade de quem os dá. “Estamos a usar apenas esses dados dos clientes para uma experiência ainda melhor”, garante o empreendedor.

Com os dados que temos atualmente temos o suficiente para surpreender o cliente”, frisa Ricardo Alves.

Quanto ao futuro, Ricardo Alves é otimista: “Queremos internacionalizar, faz todo o sentido”. “Quem sabe um dia vamos ser um unicórnio”, adianta entre gracejos. Para já, a Oh!My Snacks vai continuar a vender as boxes personalizadas em Portugal continental (ainda não enviam para as ilhas, assume).

Quanto ao preço do serviço, dependerá do que o cliente escolher e de quantas caixas quiser receber, mas a mais barata, com cinco snacks, custa 8,99 euros, havendo também uma com 10 snacks que fica a 14,95 euros (os preços têm a entrega incluída). E, à semelhança dos serviços de subscrição de streaming, o empreendedor afirma que o serviço pode ser cancelado caso o cliente não goste dos snacks que o algoritmo de inteligência artificial está a escolher.