No início do mês de outubro demitiram-se 87 médicos, entre eles membros da direção clínica e chefes dos departamentos de várias especialidades. Os problemas no Centro Hospitalar de Setúbal (CHS), no entanto, vão além da falta de recursos humanos, o hospital não têm um único equipamento de ressonância magnética e tem apenas um equipamento para TAC (Tomografia Axial Computorizada).

Ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde, esta segunda-feira, o Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT) não conseguiu dar uma resposta concreta aos problemas identificados e destacados pelos deputados dos vários partidos. Dos deputados presentes, só o do PS defendeu a forma como está a ser resolvida a situação.

Demitiram-se em bloco 87 médicos do Hospital de Setúbal. Apenas três não assinaram carta de demissão

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Laura Silveira, vice-presidente da ARS-LVT, disse: “Consideramos que o CHS tem feito um bom caminho”. Nuno Venato, vogal da ARS-LVT e responsável pela parte dos recursos humanos, acrescentou: “A situação do hospital é melhor do que há algum tempo”.

Nuno Carvalho, deputado do PSD, criticou, no entanto, as declarações de Venato: “Comparar com 2015 não é discutir o futuro. Queremos respostas mais objetivas”. O deputado lembrou que estavam na comissão na condição de especialistas e não com um papel político.

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Hospital de Setúbal recebe dinheiro a menos para a atividade que tem

Os problemas no Centro Hospitalar de Setúbal, tornados públicos com a demissão em bloco dos médicos, são de três grupos principais: infraestruturas, equipamentos e recursos humanos, sobretudo médicos. Mas todos estes problemas enfrentam um desafio comum: financiamento (ou falta dele).

O diretor clínico demissionário do CHS, Nuno Fachada, defende que o hospital deveria mudar de classificação de distrital para multidisciplinar, para receber um financiamento correspondente. O mesmo foi defendido e questionado por alguns dos deputados na Comissão Parlamentar.

A vice-presidente da ARS-LVT, Laura Silveira, contestou, no entanto, dizendo que “mudança de classificação, não alteraria o financiamento”, porque “depende do internamento”. A conclusão da dirigente é que “não resolve os problemas”.

Para Laura Silveira, o que deveria ser mudado era o modelo de financiamento, uma “revisão que aproximasse os preços e a receita de acordo com a produção de cada hospital”. No caso de Setúbal, a dirigente admite que há um défice de financiamento em relação à atividade do hospital.

Sobre a intervenção na urgência, a vice-presidente disse que “era uma prioridade regional”, “um investimento prioritário”, mas um processo que a pandemia de Covid-19 fez atrasar ainda mais. Alexandre Lourenço, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, disse que as obras estão previstas há cinco anos — na altura, com 18 milhões de euros, agora 13 milhões, disse.

Sem especificar como nem quando, Luís Pisco, presidente da ARS-LVT, disse “nos próximos anos haverá um reforço grande no equipamento”. Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda, criticou que se gastasse mais dinheiro a fazer exames de ressonância magnética fora do hospital do que seria necessário para comprar o equipamento para o hospital.

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Sem médicos especialistas não é possível dar formação aos médicos internos

Para o presidente da ARS-LVT, é preciso melhorar a infraestrutura, melhorar o equipamento e melhorar a formação para atrair e fixar os médicos. No último concurso, das 13 vagas de especialidade abertas no CHS para médicos, oito foram ocupadas, disse Nuno Venato.

No que diz respeito à formação, as críticas recaem sobre a Ordem dos Médicos por não abrir mais vagas para as diferentes especialidades. Mas o bastonário respondeu que a Ordem faz um levantamento dos locais que podem receber médicos internos (e quantos), mas que quem abre as vagas é o Ministério da Saúde.

Miguel Guimarães acrescentou ainda que há serviços que indicam mais possibilidades de formação do que o número de médicos que conseguem formar convenientemente para colmatar as falhas nos serviços.

Se houver muitos internos, terão menos capacidade de executar a sua especialidade, porque têm poucas oportunidades de se testarem”, alertou Daniel Travancinha, cirurgião no Hospital Garcia de Orta e presidente do Conselho Sub-Regional de Setúbal.

O Hospital de Setúbal, contou Alexandre Lourenço, tem apenas dois oncologistas e perdeu a capacidade de formar médicos nesta área.

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Não faltam médicos no país, faltam no SNS

A audição na Comissão Parlamentar de Saúde contou também com a presença de representantes da Ordem dos Médicos e ficou clara a tensão entre a Ordem e o PS, não só em relação ao Centro Hospitalar de Setúbal, como à situação dos médicos e outros profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS). O bastonário Miguel Guimarães reforçou que visitou o hospital várias vezes — ao contrário da ministra da Saúde, disse.

O bastonário da Ordem dos Médicos destacou que “a situação extremamente grave” no Hospital de Setúbal “arrasta-se há vários anos”, ao longo dos quais juntou, no Ministério da Saúde, o diretor clínico do hospital, a administração, vários médicos e o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales. “E nada foi feito nestes anos”, disse Miguel Guimarães.

Miguel Guimarães reforçou, como tem feito noutras ocasiões, que “não temos falta médicos no país, mas no SNS”, uma situação que se tem agravado nos últimos anos. A título de exemplo, o bastonário diz que mais de 50% dos médicos em Portugal estão fora do SNS e que, no último concurso para médicos de Medicina Geral e Familiar, 40% das vagas ficaram por preencher.

Nos últimos 20 anos, o rácio de médicos por 100 mil habitantes aumentou 74%”, disse Miguel Guimarães.

O bastonário realça que somos dos países da Europa que mais médicos forma em cada ano, mas que o setor privado e os serviços de saúde de outros países da Europa acabam por atrair estes médicos por lhes oferecerem melhores condições.

Miguel Guimarães defendeu o regime de exclusividade facultativa no SNS, que durou até 2009 — depois disso a condição dos médicos só se agravou. Quanto à “dedicação plena” proposta pelo Governo ainda não percebeu o que é, mas não lhe parece que venha a resolver o problema. E criticou que nem a Ordem do Médico nem os sindicatos tenham sido ouvidos sobre esse assunto ou na elaboração do Orçamento de Estado 2022.

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O bastonário apoiou também as críticas feitas às horas extraordinárias dos médicos incluídas no Orçamento de Estado 2022. Os médicos não deveriam fazer mais de 150 horas extraordinárias no serviço de urgências, mas o OE 2022 reforça o valor pago em 50% para quem faça mais de 500 horas extraordinárias. “Não é aceitável que as horas extraordinárias lá estejam [no OE], em vez de medidas para captar profissionais de saúde”, disse Miguel Guimarães.