No final de setembro, há dois meses, o Benfica venceu o Barcelona no Estádio da Luz. Aliás, o Benfica fez mais do que isso: há dois meses, o Benfica anulou o Barcelona no Estádio da Luz, ganhou por 3-0 e construiu uma das noites europeias mais importantes da história do clube. Quando o árbitro assinalou o apito final e declarou que os golos de Rafa e Darwin tinham tombado os catalães, era difícil imaginar o que se seguiria no universo encarnado.

Depois de ganhar ao Barcelona, a equipa de Jorge Jesus sofreu a primeira derrota na Primeira Liga frente ao Portimonense. Seguiu-se um prolongamento com o Trofense na Taça de Portugal, duas goleadas contra o Bayern Munique, um empate com o V. Guimarães e outro com o Estoril e uma vitória tirada a ferros, já nos descontos, com o Vizela. O resumo? Depois de ganhar ao Barcelona, o Benfica perdeu a liderança da Primeira Liga, esteve quase a escorregar na Taça de Portugal, complicou a vida na Liga dos Campeões e colocou-se em maus lençóis na Taça da Liga.

Ficha de jogo

Mostrar Esconder

Barcelona-Benfica, 0-0

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Camp Nou, em Barcelona (Espanha)

Árbitro: Sergei Karasev (Rússia)

Barcelona: Ter Stegen, Ronald Araújo (Eric García, 86′), Piqué, Lenglet (Sergiño Dest, 86′), Jordi Alba, Sergio Busquets, Nico González, Demir (Dembélé, 66′), Frenkie de Jong, Gavi, Depay

Suplentes não utilizados: Neto, Iñaki Peña, Mingueza, Umtiti, Baldé​​​, Riqui Puig, Phillipe Coutinho, Luuk de Jong

Treinador: Xavi

Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Otamendi, Vertonghen, Gilberto, João Mário (Taarabt, 59′), Weigl, Grimaldo (Seferovic, 80′), Rafa (Lázaro, 70′), Yaremchuk (Darwin, 59′), Everton (Pizzi, 70′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Helton Leite, Morato, Ferro, Meité, Gedson Fernandes, Gonçalo Ramos

Treinador: Jorge Jesus

Golos: nada a registar

Ação disciplinar: cartão amarelo a Grimaldo (36′), a João Mário (49′), a Piqué (49′), a Vlachodimos (90+2′), a Taarabt (90+5′)

As últimas semanas, ainda assim, têm sido de franca recuperação. Os encarnados golearam o Sp. Braga na Luz, num dos melhores resultados da época, e voltaram a golear contra o P. Ferreira, para a Taça de Portugal. Ou seja, esta terça-feira e novamente contra o Barcelona, o Benfica tinha essencialmente um objetivo: prolongar esse capítulo positivo e não encerrá-lo como aconteceu na jornada anterior em que se cruzou com os catalães. No topo disso tudo, estavam as contas — no terceiro lugar do Grupo E, a equipa de Jorge Jesus estava proibida de perder em Camp Nou se ainda quisesse chegar aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Um empate deixava os encarnados no terceiro lugar e a depender do resultado dos catalães na última jornada, enquanto que a vitória colocava o Benfica a depender apenas de si próprio para seguir em frente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com base nisto, Jorge Jesus não desmontava a linha de três centrais mas apostava em André Almeida ao invés de Morato, deixando o jovem defesa no banco. Gilberto era o eleito para o corredor direito, com Lázaro a ser suplente, e João Mário voltava ao onze depois de ter recuperado de lesão. No ataque, a surpresa acabava por ser Yaremchuk, que aparecia enquanto titular entre Everton e Rafa e relegava Darwin para o banco de suplentes. Do outro lado, Xavi fazia três alterações face à equipa que bateu o Espanyol no fim de semana e sublinhava a aposta nos jovens Nico e Gavi.

Na primeira parte, o Barcelona começou claramente melhor. A equipa de Xavi aplicou um ascendente notório na partida, chegando com alguma naturalidade ao último terço principalmente em situações de transição rápida. Nico e Gavi, na esquerda do ataque catalão, davam enormes dores de cabeça a Gilberto e André Almeida e ofereciam a largura necessária para tirar cruzamentos para a grande área ou procurar um remate em jeito. Em oposição, na direita e por espaços mais interiores, Demir ia realizando uma exibição assinalável, sem nunca hesitar na hora de olhar para a baliza e arriscar. Ainda assim, e apesar de permitir aproximações e alguns remates de meia-distância, o Benfica apresentava-se muito sólido defensivamente e não recuava na estratégia, colocando os atacantes catalães em posição de fora de jogo em inúmeras ocasiões.

O problema do Benfica, na primeira metade da primeira parte, foi essencialmente de construção. Os encarnados não conseguiam ligar os setores e tinham muita dificuldade para construir a partir de trás, com Yaremchuk a recuar menos do que Darwin faz para procurar jogo e ser também um elemento de partida e não só de chegada. Do outro lado, o Barcelona tinha mais bola, mais posse e mais controlo mas criava poucas oportunidades, demonstrando uma falta de acerto e definição na hora do último passe que permitia à defensiva encarnada afastar as incursões mais perigosas — como, aliás, ficou notório no primeiro lance mais perigoso, quando Depay e De Jong não conseguiram resolver uma jogada na grande área (5′).

A primeira oportunidade propriamente dita pertenceu a Demir, que desequilibrou na direita e atirou cruzado para uma grande defesa de Vlachodimos (8′). O Barcelona continuou a assustar, com remates ao lado de Araújo (13′) e Depay (16′), e o guarda-redes grego voltou a ter de se aplicar para evitar o golo de Jordi Alba (28′), que apareceu na área a atirar forte na sequência de um contra-ataque. A partir da meia-hora, contudo, o jogo mudou de figura.

O Benfica conseguiu soltar-se durante um período de tempo considerável, pela primeira vez, e a largura de Everton na direita aliou-se às incursões interiores de Rafa na esquerda. Yaremchuk teve uma enorme oportunidade para abrir o marcador, com um cabeceamento ao segundo poste na sequência de um canto de Everton que Ter Stegen defendeu (34′), e os encarnados acabaram mesmo por colocar a bola no fundo da baliza pouco depois — ainda que o lance tenha sido anulado. Otamendi rematou de primeira para bater o guarda-redes alemão mas o árbitro da partida considerou que a bola saiu pela linha de fundo quando Everton bateu o canto (35′), deixando tudo igualmente empatado. Logo depois e ainda antes do intervalo, Demir voltou a ir da direita para o meio para rematar em jeito e acertar na trave (43′), com a primeira parte a terminar mesmo sem golos.

No início da segunda parte, nenhum dos treinadores fez alterações. O Benfica apresentou-se bem melhor, com as linhas mais subidas e maior capacidade para reter a posse de bola e construir com critério, algo que empurrou o Barcelona para trás e não deu espaço aos desequilíbrios de Nico, Gavi ou Demir. Mesmo assim, os catalães apostavam maioritariamente na transição rápida e foi assim que Depay, com uma arrancada em direção à grande área, ficou na cara de Vlachodimos depois de tirar Vertonghen da frente com uma finta deliciosa — o problema foi que Otamendi apareceu e desarmou o avançado de forma sublime, protagonizando mais um pormenor de uma exibição notável que ia realizando em Camp Nou (57′).

Já perto da hora de jogo, Jorge Jesus decidiu mexer e tirou João Mário e Yaremchuk, dois elementos que estiveram sempre algo abaixo do exigido, para lançar Taarabt e Darwin. A ideia, como os instantes seguintes acabaram por provar, era não descurar o compromisso defensivo, blindar a grande área e apostar num futebol mais direto e com base na velocidade e na explosão do uruguaio. Num lance que foi o ex libris disso mesmo, com Otamendi a empurrar a equipa pela frente com uma arrancada pelo corredor central para depois assistir Darwin, o avançado atirou ao lado (66′). Xavi respondeu com Dembélé, que entrou para o lugar de Demir, e De Jong forçou Vlachodimos a outra enorme defesa com um cabeceamento forte (67′).

Nesta fase, subsistia a ideia de que tudo podia acontecer em qualquer uma das balizas. Ainda assim, Jorge Jesus deixou claro que estava mais apostado em segurar o ponto que tinha do que em ir à procura de três: a 20 minutos do fim, tirou Everton e Rafa e lançou Pizzi e Lázaro, colocando Grimaldo numa zona mais interior para reforçar o meio-campo antes de tirar o espanhol para colocar Seferovic para os últimos instantes. O Barcelona acabou por dominar genericamente o que restou da partida e até colocou a bola no fundo da baliza, com Araújo a rematar para bater Vlachodimos (83′), mas o golo foi anulado por fora de jogo do central. O Benfica resistiu e aguentou, procurando sempre estender o jogo quando tinha espaço para ainda procurar a baliza adversária — algo que aconteceu ao quarto minuto de descontos, quando Seferovic falhou de forma absolutamente escandalosa o golo da vitória (90+4′), deixando Jorge Jesus de joelhos no chão.

Com este resultado, o Benfica assegura matematicamente a Liga Europa e terá agora de ganhar ao Dínamo Kiev na última jornada e esperar que o Barcelona não vença o Bayern em Munique para ainda chegar aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Num jogo onde Yaremchuk voltou a mostrar pouco, onde João Mário ainda esteve algo limitado e onde Seferovic falhou o impensável, Otamendi foi o líder necessário a qualquer equipa — e bem que podia ser a nova ovelha Dolly para ser clonado e aparecer na defesa, no meio-campo e no ataque. Só não é mesmo preciso na baliza, onde Vlachodimos continua a ser a tábua de salvação do Benfica.