A ofensiva militar russa está no terreno há uma semana e, paralelamente, online, corre outra. De parte a parte. Por um lado, a Rússia iniciou, praticamente ao mesmo tempo que entrava na Ucrânia, uma campanha de desinformação, com recurso a imagens manipuladas e factos falseados e Moscovo vai tentando controlar a narrativa internamente também através de medidas relativas às empresas tecnológicas. Por outro, começaram a nascer várias formas de resposta. Uma delas é o uso do espaço de crítica de restaurantes (e não só) russos, disponível em várias plataformas online, para divulgar detalhes sobre a invasão da Ucrânia — mas a ação chocou com as regras da Google.

A Reuters chamou-lhe o “exército do teclado”. Trata-se de um movimento que nasceu de um apelo divulgado pelo grupo de hackers Anonymous na sua conta do Twitter. “Vão ao Google Maps. Encontrem um restaurante ou uma empresa e escrevam uma crítica. Quando o fizerem, expliquem o que se está a explicar na Ucrânia”. E apresenta até um exemplo do que pode ser escrito. Em russo (a versão inicial até foi prontamente corrigida por russos) e em inglês: “A comida era ótima, infelizmente Putin estragou o nosso apetite invadindo a Ucrânia. Enfrentem o vosso ditador, parem de matar pessoas. O seu Governo está a mentir-lhe. Insurja-se!”

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Os comentários começaram a espalhar-se, com alguns dos autores a divulgarem-nos na resposta ao tweet inicial que divulgou a ideia. Entre essa segunda-feira e terça, rapidamente as caixas de comentários de atrações turísticas e restaurantes russos se encheram de críticas de cinco estrelas, com comentários adicionais que incluíam informações sobre o que se está a passar na Ucrânia, incluindo algumas imagens de edifícios destruídos na capital ucraniana.

Na página do restaurante Afisha, em Moscovo, um utilizador do Google Maps escreveu, por exemplo, que “o envio de tropas na Ucrânia é uma guerra, não uma operação especial. Militares russos matam crianças e civis”. Outro ainda seguia o exemplo deixado pelo Anonymous: “O sítio é agradável. No entanto, Putin estragou a nossa disposição invadindo a Ucrânia. Insurjam-se contra o vosso ditador, parem de matar crianças inocentes! O vosso Governo está a mentir-vos”.

Na base desta ideia está a ação do Governo russo de limitar cada vez mais no país o acesso a sites internacionais, como forma de controlar a informação a que a população tem acesso. Ainda na sexta-feira passadas as autoridades russas anunciaram uma “restrição parcial” no acesso ao Facebook, detido pela Meta, depois desta rede social norte-americana ter limitado contas de vários meios apoiados pelo Kremlin. O regulador russo das comunicações, Rozkomnadzor, fez mesmo um comunicado oficial a justificar as suas ações como “medidas para proteger a imprensa russa“, afirmando que os Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério Público de Moscovo consideraram o Facebook “cúmplice na violação de direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como na de direitos e liberdades de nacionais russos”.

Já a Meta explicou que este pedido teve por base a recusa da empresa a um pedido do Governo russo para que deixasse de existir verificação independente de vários meios de comunicação estatais russos, de acordo com o que foi adiantado pela Reuters nessa altura. A narrativa russa em relação ao uso da palavra “invasão” mantém-se intocável, com o regulador das comunicações russo a ter dado indicações aos meios de comunicação do país para que a operação militar na Ucrânia não seja descrita dessa forma, mas antes como uma “operação especial”.

São dados que levam a crer que os civis russos possam não ter toda a informação sobre o que está a acontecer na Ucrânia e que explicam o aparecimento de iniciativas como a que foi divulgada pelo grupo Anonymous. No entanto, também esta ideia já foi bloqueada pelo Google Maps. Rapidamente surgiram queixas de utilizadores que davam conta de comentários apagados. E, depois disso, um porta-voz da Google veio afirmar que, “devido a um aumento recente no conteúdo do Google Maps sobre a guerra na Ucrânia, foram implementadas proteções adicionais para monitorizar e impedir conteúdo que viole as políticas da página, incluindo o bloqueio temporário de novas avaliações, fotos e vídeos na região.”

A Reuters explica também como, antes da medida do Google Maps, o presidente da Câmara de Moscovo, Sergei Sobyanin, tinha feito um alerta dirigido aos cidadãos russos que pudessem ver aqueles comentários, classificando-os de “ataque psicológico de informações”. Sobyanin dizia mesmo que a maior parte das avaliações viriam de bots e advertia os russos: “Por favor, não caiam nos apelos dos provocadores. Eles pretendem minar a governação da cidade e criar uma atmosfera de caos (…) estão a tentar dividir-nos”.