Uma redução de cerca de metade da votação. Pode ser este o resultado da repetição das votações em mesas de voto no círculo da Europa, ordenado pelo Tribunal Constitucional depois de uma queixa feita pelo PSD em relação ao processo. Foi essa a informação que a ministra Francisca Van Dunem partilhou, esta quarta-feira, no Parlamento, num debate marcado por críticas de quase todos os partidos ao PSD e por um passa-culpas em que vários protagonistas pediram “desculpas” aos imigrantes.

Seria já com o debate adiantado, numa resposta ao deputado do CDS Pedro Morais Soares, que Van Dunem, presente na Comissão Permanente da Assembleia da República, adiantaria a informação: até à data, e num período em que os votos ainda estão a ser recebidos, por comparação com o mesmo período da primeira votação “há menos 43% de pessoas a votar”. Segundo as projeções do Governo — que ainda há dias eram bastante mais otimistas e apontavam para números semelhantes à primeira votação, mas, como disse a ministra, a realidade é “dinâmica” e vai-se alterando à medida que os votos são recebidos — o número final andará pelos 50% e haverá “seguramente” muito menos pessoas a votar desta vez.

A redução dos votos poderá ser, foram admitindo o Governo e os partidos, resultado do caos criado na primeira votação nos círculos da emigração (embora as votações só tenham sido repetidas em mesas do Círculo da Europa). E é sobre esse imbróglio que os partidos não se entendem: no Parlamento, ouviu-se mais de uma hora e meia de passa-culpas e acusações, com duas conclusões mais ou menos consensuais — os imigrantes merecem um pedido de desculpas e o debate é “extemporâneo” (para uns porque já devia ter acontecido, para outros porque só devia acontecer após a conclusão das votações).

Do lado do Governo, Van Dunem, que tem a pasta da Administração Interna desde a demissão do ex-ministro Eduardo Cabrita, a ideia que era suposto passar no debate era clara: o Governo não tem culpas nesta situação, que “lastima” e considera “deplorável”, e assume que há coisas “a melhorar”, mas os partidos é que têm de se entender sobre a situação e, de futuro, alterar a lei. Como a ministra resumiu já no final do debate: “Eu retiro responsabilidades quando eu digo que há elementos a melhorar. Mas relativamente a este imbróglio, por amor de Deus, resolvam-se! Talvez seja melhor conversarem entre vós para assumirem as responsabilidades”.

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Os bastidores da guerra pelos votos dos emigrantes. Do acordo de cavalheiros ilegal entre todos os partidos ao corte do jurista do PSD

O motivo recorda-se rapidamente: as delegações de quase todos os partidos –IL, Aliança, BE, Livre, Volt, CDU, PS e PSD — chegaram a fazer antes das eleições um acordo de cavalheiros — a única intervenção do Governo, frisou Van Dunem, foi emprestar a sala — para concordar que todos os votos deviam ser contados, viessem ou não acompanhados de cópias do documento de identificação, uma vez que muitos imigrantes não os enviam, seja porque vivem em países onde a prática não é permitida, por preocupações de segurança, etc.

Acontece que o tal acordo de cavalheiros, baseado numa orientação da Comissão Nacional de Eleições “truncada”, disse o PSD, não respeita a lei, que estabelece claramente a obrigatoriedade de enviar o documento. Ora o PSD recuou no acordo e apresentou mesmo o protesto que acabou por valer a anulação e, no caso da Europa, repetição da votação, assim como uma queixa-crime contra os membros das mesas de voto que perante os protestos continuaram a misturar votos que seriam, à luz da lei, inválidos com votos válidos.

“Vergonha nacional”, diz o PSD

E foi por causa desse recuo que o PSD acabou por receber críticas de quase todos os lados. Depois de uma intervenção em que a ministra sublinhou o esforço com “brio e honra” da administração eleitoral para cumprir o processo, com a dificuldade de ter acontecido “na fase mais aguda da pandemia”, e de se ter registado na primeira votação um aumento significativo da participação eleitoral, considerando-se por isso “alheio” ao caos que se instalou depois, o social-democrata José Silvano atacou.

Atacou, por um lado, a confusão e o “acordo grosseiramente ilegal” que classificou como “uma vergonha nacional” que ficará “para os anais da História como dias trágicos para os emigrantes e a democracia portuguesa”. E se é certo que o PSD também participou nesse primeiro acordo, Silvano argumentou que os representantes de uns partidos “influenciaram” outros e que “pior do que errar é insistir no erro”.

Do lado do Governo, prosseguiu, a responsabilidade terá a ver com nas ações de formação aos cidadãos que estavam nas mesas de voto não ter sido “capaz de explicar o procedimento” e ter “atirado a responsabilidade para as mesas de voto” — um ato “incendiário” que Van Dunem negou, mostrando o manual distribuído aos voluntários, que refere a necessidade de ser apresentada a cópia do documento de identificação. Outra das críticas de várias bancadas ao Governo foi o facto de se saber agora que nesta segunda votação 72% a 99% das pessoas terão recebido o respetivo boletim de voto, o que deixa uma percentagem potencialmente grande em risco de não poder enviar o voto.

Todos contra o PSD

Nas outras bancadas, foi notória a irritação com os sociais-democratas. De Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, ouviu-se um “pedido de desculpas a todos os emigrantes” por não se ter alterado a lei a tempo, mas também a crítica à “tentativa de lavagem da consciência pesada do PSD por este imbróglio”. E um reparo que também seria recorrente noutras bancadas: o facto de o PSD só se ter queixado ao Tribunal Constitucional pelos votos num dos círculos. Para futuro, a garantia de que o partido está disponível para “cirurgicamente mudar a lei”.

Na bancada do PCP, António Filipe descreveu uma “soma de infelicidades”, incluindo a mesma crítica ao PSD por não aplicar o mesmo critério ao círculo fora da Europa, mas defendendo que quem estava nas mesas de voto não “agiu de má fé”. Também o PAN considerou que a lei já devia ter sido alterada, a Iniciativa Liberal questionou o Governo sobre a alta percentagem que pode não ter recebido boletim de voto (que pode chegar apos 28%) e André Ventura, pelo Chega, atacou em todas as direções, lembrando a notícia da Renascença que apontava que teria havido contactos entre PS e PSD para retirar os protestos, dadas as consequências que se verificaram — entre elas, o atraso na posse do Parlamento e do Governo.

Foi nesse ponto que o debate, já no final, voltou a aquecer: o PS, pela voz de Pedro Delgado Alves, referiu a mesma notícia e exigiu do PSD, a quem seria “imputável o caos”, um pedido de desculpas “com humildade”; o PSD pediu para fazer a “defesa da honra” para Silvano afirmar: “Que eu saiba, em termos de PSD, isso não é verdade. Mas pode pedir aos dirigentes do seu partido, que lhe podem explicar essa situação”.

Do lado do PS, José Luís Carneiro ainda acusaria o PSD de “desencadear uma suspeição generalizada sobre o processo e os voluntários que participaram”, apesar de no acordo que o TC considerou ilegal muitos outros partidos terem estado envolvidos. Van Dunem acabaria por considerar, apesar de frisar que o Governo nesta situação é “neutro”, “que a situação poderia ter sido evitada se tivesse havido algum equilíbrio, sentido de responsabilidade e patriotismo” (sem explicar a quem se referia) — e deve ser evitada no futuro, para não haver “novo impasse”.